HISTÓRIA E CULTURA

Pelayo e a Batalha de Covadonga

covaba topo1Por Tales Pinto - Um dos eventos que certamente representam o início do processo de reconquista da Península Ibérica pelos católicos, após a invasão islâmica no início do século VIII, foi a Batalha de Covadonga, no norte da península. Ocorrida em maio de 722, essa batalha auxiliou na criação da lenda em torno do rei Pelayo e da formação do reino espanhol ao longo da Idade Média. O Império Islâmico havia se expandido rapidamente depois de sua criação por Maomé, após a terceira década do século VII. 

Em 711, após terem conquistado todo o Norte da África e convertido os berberes ao islamismo, os muçulmanos ultrapassaram o Estreito de Gibraltar e iniciaram a conquista da Península Ibérica. Em menos de dez anos, os muçulmanos dominaram quase toda a região, seja através da subjugação bélica ou da imposição do domínio de forma pacífica. Em muitos dos casos de subjugação pacífica, os muçulmanos contaram com a aceitação principalmente dos judeus da Península, que viviam oprimidos pelo reino dos visigodos que dominavam a região.

Muitos dos membros da nobreza visigoda também passaram a se aliar aos muçulmanos, principalmente após a derrota do rei Rodrigo, na Batalha de Guadalete, em 711. Porém, Pelayo não se aliou aos muçulmanos. Membro da nobreza visigoda, Pelayo teria se refugiado em Toledo, mas, posteriormente, deixou a região, fixando-se no norte da Península, na região montanhosa das Astúrias.

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Apesar da pouca importância dada pelos muçulmanos à resistência na região Norte da Península, em 722, o bispo dom Oppas foi enviado pelo governador muçulmano Munuza, junto ao comandante do exército Alqama, para tentar persuadir Pelayo de sua resistência. A rebelião de Pelayo tinha como componente o fato de Munuza ter desposado sua irmã sem seu consentimento, o que levou Pelayo a capturá-la em Córdoba anos antes. Ao chegar em Cangas de Onís, Pelayo foi escolhido como príncipe por alguns nobres mandatários que haviam se reunido na cidade. Por este motivo que dom Oppas se dirigiu a Pelayo.

Após a recusa ao pedido do bispo, Pelayo se refugiou na Cova Dominica, posteriormente conhecida como Covadonga, na área do Monte Auseba, com talvez 300 homens, segundo indicam as fontes medievais. A área era constituída de estreitos desfiladeiros, o que dificultou a ação do exército muçulmano. Segundo o historiador Claudio Sánchez Albornoz, os muçulmanos se encontravam em 20 mil homens. Mas alguns relatos medievais dizem que foram talvez 200 mil.

Os homens de Pelayo armaram emboscadas nos desfiladeiros da região, sendo que 200 homens se posicionaram ao longo das montanhas de Covadonga e outros 100 ficaram no interior da caverna encrustada no morro. Eles atacavam os muçulmanos com flechas e pedras, que tentavam responder, mas sem sucesso. A tropa de Pelayo conseguiu ainda dividir o exército após uma investida, o que teria causado pânico nos mouros que se dispersaram pela região.

O comandante Alqama foi morto na batalha e o bispo dom Oppas foi feito prisioneiro, acusado ainda de traição aos visigodos. Durante a Idade Média, as crônicas sobre o Reino das Astúrias criaram um mito em torno de Pelayo, apontando-o como o iniciador da Reconquista da Península Ibérica. Houve ainda a afirmação de que a Virgem Maria apareceu a Pelayo, indicando a ele a possibilidade de vitória. Inclusive hoje se encontra na caverna uma capela em homenagem à Virgem. Alguns anos após essa batalha era formado o Reino das Astúrias, que se transformou no reino da resistência à expansão islâmica na região e local a partir do qual as ações visando à reconquista pelos católicos iriam se iniciar.

 

A Batalha de Covadonga

 

Após a vitória em Guadalete (711), o que resultou no desaparecimento de Rodrigo (visualizar artigo anterior), os muçulmanos reforçam e consolidam o avanço rumo ao Norte da Península Ibérica. Como já tínhamos vincado, a desunião e a fuga de muitos nobres visigodos dificultavam as tarefas de resistência. As tropas berberes tinham pois caminho aberto para a conquista total (ou melhor, quase total) da antiga Hispânia.

As Astúrias foram inicialmente administradas por Munuza, o governador provincial muçulmano, contudo não tardariam a ocorrer as primeiras rebeliões, com as populações das vilas asturianas a não acatarem a presença dos oficiais muçulmanos. Este cenário levou Munuza a organizar uma força para repor o controlo sobre esta região que, embora montanhosa e afastada (e sem grande interesse estratégico), recusava-se a render e a pagar novos impostos aos invasores.

Por seu turno, Pelágio é o líder cristão aclamado popularmente desde 718 nas Astúrias, é ele o mentor da nova resistência e o principal responsável pelo afastamento de Munuza. Provavelmente, seria um nobre descendente dos monarcas visigodos. É neste contexto de disputa pelo domínio da região que decorrerão importantes enfrentamentos.

Tabela com as Forças Envolvidas

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A Batalha

As forças omíadas contarão com a presença do general Al Qama que procurará abafar qualquer tipo de oposição na região. Os muçulmanos apresentam-se em número claramente superior face às forças de Pelágio que dispõem apenas de poucas centenas de combatentes.

A batalha, travada em data incerta (nem há certeza quanto ao ano da sua ocorrência - 718? 720? 722?), parecia que iria decorrer em proporções desiguais. Todavia, a História Militar também seria feita de surpresas, e efectivamente a bravura e a coragem dos guerreiros cristãos iriam causar sérios dissabores ao exército oponente.
Os combates reiniciam-se então nas Astúrias, e inicialmente são os muçulmanos que levam a melhor, causando baixas e dispersando as forças de Pelágio que encontram refúgio nas zonas montanhosas. Aí o contingente cristão reorganiza-se defensivamente e ocupa ambos os lados dum desfiladeiro aí existente. Para o líder cristão estava fora de questão um ataque frontal em campo aberto, já que as tropas muçulmanas eram numericamente superiores e teoricamente mais disciplinadas. Contudo, os combatentes estão prontos a resistir até à última gota de sangue. Dentro deste contexto, Pelágio recusa os termos de rendição entretanto apresentados pelos muçulmanos.

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Ao saber do fracasso das negociações, Al Qama ordena um ataque final, confiando cegamente no sucesso inevitável da sua tropa de elite, rumando ao lugar onde estariam concentrados os resistentes cristãos. Todavia, serão surpreendidos no desfiladeiro, com várias setas a serem lançadas de ambos os lados, o que causará a morte de vários soldados muçulmanos. De imediato, e tirando o máximo de proveito da situação, Pelágio ordena um contra-ataque repentino que faz recuar o contingente de Al-Qama. As forças islâmicas são obrigadas a bater em retirada, e quando o fazem, voltam novamente a ser atacadas, desta feita, pelos habitantes asturianos que começaram a acreditar numa potencial vitória. O cenário de batalha tornou-se num autêntico e surpreendente pesadelo para as intenções muçulmanas, sendo que os poucos sobreviventes tiveram bastantes dificuldades em conseguir retirar-se preservando a sua vida, visto que as imprevisíveis e ferozes emboscadas traduziam-se em baixas constantes. Nem o seu principal comandante militar (Al-Qama) conseguiria sobreviver à batalha, desconhecendo-se ainda se Munuza (anterior governador provincial mouro) pereceu nesta batalha ou noutra posterior (talvez em Proaza). O que é certo é que Pelágio, que também teve conhecimento de pesadas baixas na sua hoste, assegurava o seu título de rei cristão das Astúrias, evitando que os muçulmanos fossem donos de toda a Península Ibérica. Devido à vitória lograda, o líder cristão mandou mesmo construir um santuário nas grutas em honra de Maria (mais concretamente na gruta onde tiveram de se refugiar para enfrentar o inimigo), de forma a agradecer a sua protecção.

Com a permanência deste reino cristão no Noroeste Peninsular, estava aberto o caminho para o processo da Reconquista Cristã que se desenvolveria nos séculos seguintes.

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Os muçulmanos são surpreendidos pelas forças cristãs no desfiladeiro. Mais tarde, naquele lugar iria ser construído um santuário de forma a recordar o feito.

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Estátua de D. Pelágio em Cangas de Onis (Espanha).

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Túmulo do rei Pelágio das Astúrias, falecido em 737.

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O Santuário "Santa Cova de Covadonga" provavelmente erguido às ordens de Pelágio, 1º rei das Astúrias, no lugar que tinha servido de "quartel" ou refúgio para os guerrilheiros cristãos durante aquela impiedosa batalha.

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A Vista do exterior do Santuário e da zona montanhosa.

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Referências Consultadas:

BUNTING, Tony - Covadonga (c.720) in 1001 Battles that changed the Course of History. Ed. R. G. Graham. Londres: Quintessence Editions, 2011.
ESPARZA, Javier - La gran aventura del reino de Asturias: Así comenzó la Reconquista. Madrid: La Esfera de los Libros, 2009.
http://montalvoeascinciasdonossotempo.blogspot.pt/2014/02/batalha-de-covadonga-reconquista-crista.html, (consultado em: 26-07-2014).
http://tacticaguerilla.blogspot.pt/2008/12/covadonga-christian-resistance-to.html, (consultado em: 26-07-2014).
http://pt.scribd.com/doc/189682799/Battle-of-Covadonga-TRADUCCION, (consultado em: 26-07-2014).

Notas Extra:

1 - Os números que apresentamos em relação às forças envolvidas não são ainda totalmente consensuais, visto que há discordância entre as fontes e demais bibliografia, mas optamos pela estimativa que nos parece ser mais realista.

2- O Símbolo do Reino Cristão das Astúrias foi retirado do Wikipédia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Batalha_de_Covadonga) apenas para efeitos de preenchimento da nossa tabela. Já a bandeira, alegadamente representativa do al-Andalus (não encontramos nenhum imagem para o califado omíada), foi extraída a partir de: http://althistory.wikia.com/wiki/Al-Andalus_(Muslim_World).

 

Fonte: http://guerras.brasilescola.uol.com.br
           http://oscarreirosdahistoria.blogspot.com.br