HISTÓRIA E CULTURA

Como nuvem letal matou mais de 8 mil pessoas em 72 horas

nuleta topo2014 - Em apenas uma noite, entre 2 e 3 de dezembro de 1984, um vazamento em um tanque de armazenamento subterrâneo de uma fábrica de pesticidas na Índia lançou ao ar 40 toneladas do gás isocianato de metila e causou o mais grave acidente industrial da história. Em questão de poucas horas, uma nuvem letal se dispersou sobre a densamente povoada cidade de Bhopal, com 900 mil habitantes, matando mais de 8 mil pessoas. Y.P. Gokhale, diretor da fábrica, a americana Union Carbide, disse na época que o gás tinha escapado quando uma válvula no tanque quebrou, sob pressão. Meio milhão de pessoas foram expostas ao gás. As doenças crônicas geradas pelo contato com a substância deixaram um assombroso legado para gerações futuras. Mas como o desastre se desenrolou na noite fatal de 3 de dezembro de 1984? Veja abaixo a sequência dos trágicos acontecimentos daquela noite.

 

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Taanque da Union Carbide danificado.

Meia-Noite

A cidade de Bhopal estava dormindo. Era como qualquer outra noite para os moradores que viviam no aglomerado de casas em volta da fábrica da Union Carbide. A fábrica foi construída em 1969 para a produção de agrotóxicos que contêm um produto químico altamente perigoso - o isocianato de metila. As favelas construídas junto à fábrica abrigavam muita gente.

Cerca de 1h

Alguns moradores próximos à fábrica foram os primeiros a notar um cheiro forte - e seus olhos começaram a arder. Alguns disseram que "parecia que alguém estava queimando um monte de pimenta''. O cheiro ficou ainda pior e mais forte. As pessoas logo começaram a se queixar de falta de ar e a vomitar. Caos e pânico eclodiram na cidade e em áreas vizinhas. Dezenas de milhares de pessoas tentaram escapar.

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"As pessoas começaram a cair no chão, espumando pela boca. Muitos não podiam abrir os olhos", contou à BBC a moradora Hasira Bi.

''Acordei por volta da meia-noite. As pessoas estavam na rua vestindo o que usavam para dormir, algumas com apenas suas roupas íntimas."

Multidões de pessoas aterrorizadas começaram a fugir e inalaram ainda mais gás.

"O gás venenoso era mais pesado que o ar, por isso, quando vazou, estabeleceu-se em uma nuvem densa que se moveu silenciosamente pelos bairros pobres ao redor da fábrica", disse Swaraj Puri, chefe da polícia de Bhopal na época, em entrevista à BBC em 2009, recordando a noite fatídica.

02h30

A sirene da usina soou. "Gás está vazando da usina", gritavam pessoas nas ruas de Bophal.

"Nós estávamos tendo asfixia e os nossos olhos queimavam, mal podíamos ver a estrada em meio à neblina, as sirenes eram estridentes, não se sabia qual o caminho a ser seguido. Todo mundo estava muito confuso", disse à BBC Ahmed Khan, morador de Bhopal, pouco após o desastre em 1984.

"As mães não sabiam que filhos tinham morrido, crianças não sabiam que mães tinham morrido e homens não sabiam que tinham perdido suas famílias."

O correspondente da BBC Mark Tulley relata que o "hospital principal da cidade estava irremediavelmente superlotado, com pacientes que não paravam de chegar".

"Milhares de gatos mortos, cães, vacas e aves estavam espalhados pelas ruas e os necrotérios da cidade foram enchendo rapidamente".

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'Mães não sabiam que seus filhos tinham morrido, as crianças não sabiam que suas mães tinham morrido'.

04h00

Swaraj Puri, ex-chefe de polícia de Bhopal, disse à BBC que, ao amanhecer, "coube a mim e aos meus homens começar a recolher os corpos. Havia mortos em quase todos os lugares".

"Minha reação foi 'Oh meu Deus! O que é isso? O que aconteceu?' Nós ficamos chocados, não sabíamos como reagir."

O número de mortos continuou subindo rápido. Em 72 horas, mais de 8 mil pessoas tinham morrido. Outros milhares morreram nos meses seguintes. O governo declarou que 5.295 morreram no desastre, mas ativistas falam em mais de 20 mil vítimas fatais. Ambientalistas dizem que a toxina vazada ainda contamina o solo e as águas subterrâneas. Mas o governo do Estado nega, insistindo que o abastecimento de água ao redor da planta é seguro. Ativistas e grupos de apoio às vítimas alegaram mais de 150 mil sofreram sequelas e contraíram doenças como câncer, cegueira, danos no fígado e nos rins após a contaminação.

Eles têm publicado relatos que mostram que Bhopal tem uma incomum - e alta - incidência de crianças com problemas congênitos e deficiência de crescimento, assim como tipos de câncer e outras doenças crônicas. O local da antiga fábrica de agrotóxicos está agora abandonado. O governo do Estado de Madhya Pradesh assumiu o controle sobre a instalação em 1998. Nenhum funcionário de primeiro nível da Union Carbide foi julgado sobre o que aconteceu em Bhopal.

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Bhopal tem uma incidência acima da comum de crianças com problemas congênitos.

O ex-presidente da Union Carbide Warren Anderson foi preso pela polícia indiana durante uma visita à fábrica após o desastre, mas foi libertado sob fiança e prontamente deixou o país. Ele foi oficialmente classificado como "fugitivo", mas o governo indiano jamais seriamente pressionou por sua extradição dos Estados Unidos. Anderson morreu em setembro passado. Como representante legal dos sobreviventes, o governo indiano pediu por US$ 3,3 bilhões (R$ 8,4 bilhões) de indenização, mas, em um acordo na Justiça, a empresa concordou em pagar US$ 470 milhões, o que os ativistas consideram totalmente insuficiente.

 

Tragédia de Bhopal

 

Por: Jennifer Rocha Vargas Fogaça - A tragédia de Bhopal ocorreu em 3 de dezembro de 1984 quando gases tóxicos vazaram de uma fábrica e atingiram a população de Bhopal, na Índia. Bhopal é uma cidade situada no centro da Índia com mais de 1.400.000 habitantes. Ela foi o cenário do maior acidente industrial e químico do mundo, que ocorreu na madrugada de 02 para 03 de dezembro de 1984.

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Nessa cidade instalou-se uma indústria que produzia pesticidas, visto que era necessário atender à demanda cada vez mais crescente de alimentos pela população. Essa fábrica era, na época, da empresa norte-americana Union Carbide Corporation, que, em 2001, foi adquirida pela multinacional Dow Química, que se tornou a maior indústria química do mundo. O que realmente aconteceu ainda gera controvérsias, e as pessoas afetadas ainda aguardam que seus pedidos de indenização sejam atendidos. A Union Carbide afirmou que, na verdade, ocorreu uma sabotagem, mas a teoria mais aceita é a que será contada neste texto.

O inseticida produzido na fábrica era o Sevin (1-naftol-N-metilcarbamato), que possui a seguinte fórmula química:

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Fórmula do inseticida Sevin (1-naftol-N-metilcarbamato)

O Sevin age atacando o sistema nervoso dos insetos. Existem outros meios de produzir esse inseticida, mas a empresa em Bhopal decidiu reagir o isocianato de metila (H3C- NH - C- O) com o 1-naftol da seguinte forma:

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Reação de síntese do Sevin

O isocianato de metila ficava depositado em três grandes tanques com capacidade de armazenar 42 toneladas do produto cada um. Esses tanques ficavam em um abrigo subterrâneo feito de concreto para não serem afetados pelo calor da Índia. O problema é que o isocianato de metila é um composto extremamente perigoso. Por ser altamente reativo, ele reage violentamente até mesmo com a água, gerando gases letais.

Um funcionário da fábrica iniciou a sua rotina normal de manutenção, conectando uma mangueira de água em um dos canos que passava por dentro da fábrica. A sujeira que veio com essa água entupiu o cano, o que fez a água voltar, atravessar os canos que cortavam a fábrica e entrar em um dos tanques que armazenavam cerca de 35 toneladas de isocianato de metila.

A reação entre a água e o isocianato de metila é exotérmica, ou seja, libera calor. Esse calor, por sua vez, aquece a mistura e acelera ainda mais a reação, o que consequentemente gera mais aquecimento e a reação passa a ocorrer de forma incontrolável. Essa reação química imprevista resultou em gases letais que vazaram da fábrica e foram levados pelo vento para a adormecida cidade de Bhopal. Calcula-se que três mil pessoas morreram por asfixia ainda em suas camas dormindo.

Outras milhares de pessoas saíram pelas ruas vomitando sangue, com dificuldade de respirar e com os olhos queimando. Isso porque o isocianato de metila é muito irritante, é solúvel em água e ferve a uma temperatura muito próxima à do corpo. Assim, quando a pessoa inala baixas concentrações de isocianato de metila, ele afeta primeiro as partes úmidas, como boca, garganta, vias respiratórias e olhos. Em altas concentrações, ele atinge as partes mais profundas do pulmão, destruindo-as. Dessa forma, o sangue inunda esse órgão, e a pessoa acaba afogando-se em seu próprio sangue.

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A nuvem de gases tóxicos demorou dias para dissipar-se, por isso muitas pessoas morreram nos dias seguintes. Além dos muitos casos de natimortos e abortos, esse desastre resultou em cinco mil pessoas mortas, cinquenta mil com graves sequelas, inclusive crianças que nasceram de pessoas atingidas pelos gases, e duzentas mil atingidas em menor grau. Até hoje muitas pessoas continuam sofrendo com os efeitos do desastre.

Tudo isso poderia ter sido evitado se medidas de segurança não tivessem sido ignoradas. Veja algumas:

* A sirene de segurança, que deveria alertar a comunidade em casos de acidente, estava desligada;

* Os instrumentos de medição de pressão estavam com leituras falhas por causa da falta de manutenção;

* O purificador usado para neutralizar os gases antes de lançá-los para a atmosfera estava desligado para manutenção;

* A unidade de refrigeração que poderia controlar a reação dentro dos tanques que continham o isocianato de metila estava desligada desde maio daquele ano;

* Um procedimento para isolar as seções de canos antes de eles serem limpos não foi realizado. Esse procedimento consistia em colocar um disco de metal (anteparo) na junção dos canos para evitar que a água passasse e entrasse em contato com o isocianato de metila.

Além disso, foi um erro terrível a fábrica estar parada para reformas e ainda assim continuar com um estoque tão grande de uma matéria-prima tão reativa.

Esse triste fato evidencia como é importante que o avanço tecnológico ocorra somente com base nos princípios da cidadania, ética e respeito às pessoas e ao meio ambiente. As indústrias precisam estar extremamente atentas aos cuidados com a segurança, não deixando que os aparelhos apresentem falhas no funcionamento, que fiquem desligados ou que sejam ineficientes. É também preciso que a legislação ambiental e de segurança química seja bem rigorosa e que o governo garanta o seu cumprimento.

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