RELIGIÃO, CULTOS E OUTROS

A Santa Morte - Parte 1

morte6Santa Muerte é uma figura sagrada venerada no México, provavelmente um sincretismo entre crenças católicas e mesoamericanas.1 A cultura mexicana mantém desde a era pré-colombiana uma certa reverência em relação à morte,2 manifestada em celebrações sincréticas como o Dia dos Mortos.3 Entre os elementos católicos da celebração está o uso de esqueletos para lembrar as pessoas de sua mortalidade. A Santa Muerte geralmente aparece como uma figura esquelética, vestida com um longo manto e carregando um ou mais objetos, normalmente uma gadanha e um globo. O manto costuma ser branco, mas representações da figura variam significantemente de pessoa a pessoa de acordo com o pedido do devoto ou ...

do ritual a ser apresentado.5 Como o culto a Santa Muerte era clandestino até recentemente, a maioria das preces e outros rituais eram feitos de forma privada, em casa.4 Entretanto, nos últimos dez anos, a veneração tornou-se mais pública, especialmente na Cidade do México. O culto é condenado pela Igreja Católica no país, mas está firmemente entranhado nas tradições das classes baixas e marginalizadas do México.1 O número de fiéis da Santa Muerte cresceu nos últimos vinte anos, chegando a aproximadamente dois milhões de seguidores,2 além de atravessar fronteiras, alcançando as comunidades mexicanas dos Estados Unidos.

Origens

De forma similar a outras culturas pelo mundo, deidades pré-cristãs no México são algumas vezes sincretizadas como santos. Por outro lado, na Espanha a expressão santa muerte pode ser simplesmente interpretada como "a sagrada morte". Desta forma, Santa Muerte pode ser simplesmente uma representação da reinterpretação folclórico-religiosa da prática da Igreja Católica Romana de orar para receber um morto em estado de graça. Santa Muerte é também adorada pela Iglesia Católica Tradicionalista Mexicana-Estadounidense, uma igreja sem relação com a Igreja Católica Romana.

Aparência

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Santa Muerte é geralmente vestida como o anjo da morte, carregando uma gadanha e uma balança (que pode ser reminiscente de São Miguel. Ela também pode estar vestida com um manto vermelho e uma coroa dourada; nesta forma, a veem como uma variação da Virgem Maria.

Estátuas de Santa Muerte são confeccionadas em vermelho, branco, verde e preto, para o amor, sorte, sucesso financeiro e proteção. Oferendas à Santa Muerte incluem rosas, maconha, cigarros, frutas, doces e tequila. Santuários em homenagem a Santa Muerte são adornados com rosas vermelhas, cigarros e garrafas de tequila, e velas queimam em adoração. Por todo o México e em parte dos Estados Unidos (especialmente em comunidades de imigrantes mexicanos), são vendidos itens como cartas, medalhas e velas relacionados à santa.8 Santa Muerte é frequentemente tomada por padroeira por traficantes, sequestradores e outros criminosos, ou por pessoas que vivem em comunidades violentas.9 Muitos dos altares dedicados a La Santissima Muerte podem ser encontrados ao longo das estradas no nordeste do México, e foram construídos por traficantes.

Destruição de altares

Em 24 de março de 2009, autoridades mexicanas destruíram 30 capelas dedicadas a Santa Muerte nas cidades de Nuevo Laredo e Tijuana em resposta às suas fortes associações com traficantes de drogas e a pedido de moradores locais.11 José Manuel Valenzuela Arce, um pesquisador do Colegio de la Frontera Norte, fez um comentário sobre a ação: "a destruição dessas capelas não vai diminuir em nada o crime... alguém que está indo cometer um crime poderia ir tanto a uma capela de Santa Muerte quanto a uma Igreja Católica, ou simplesmente não ir a lugar nenhum".


Vaticano condena culto mexicano a Santa Morte


09/05/2013 - O Vaticano condenou o culto mexicano da Santa Morte, considerando-o uma “blasfêmia”, informou nesta quinta-feira a rede BBC. O presidente do Conselho Pontifício de Cultura do Vaticano, cardeal Gianfranco Ravasi, disse que cultuar a Santa Morte era uma “degeneração da religião”. Ravasi condenou o culto em um evento religioso na Cidade do México. “A religião celebra a vida, mas aqui você tem a morte”, disse. “Não é religião só porque está vestido como religião, é uma blasfêmia contra a religião”.

O cardeal também sublinhou o fato de o culto ser particularmente popular entre membros de cartéis de drogas no México, e acusou os criminosos de invocá-lo. No ano passado, oito pessoas foram presas no norte do México por relação ao assassinato de dois meninos e uma mulher em um sacrifício ligado à Santa Morte. O culto, que reverencia a morte, é representado por um esqueleto feminino carregando uma foice. Trata-se de uma mistura antiga de crenças indígenas com a veneração de santos cristãos introduzidos pela colonização espanhola. Os devotos fazem altares e oferecem velas, frutas e tequila à Santa Morte em troca da realização de seus desejos. A veneração é particularmente popular em regiões pobres e extremamente afetadas pela violência no México.


A Santa Morte: Uma mistura de Satanismo com Cristianismo?

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A Santa Morte é uma figura mexicana de veneração que combina elementos do catolicismo com o culto pré-hispânico aos mortos que, segundo diversos pesquisadores, é decorrente dos povos indígenas que adoravam um esqueleto ao qual chamavam Santa Morte em um povoado do centro do país; há testemunhos de que este culto permaneceu oculto nos últimos dois séculos. Em algumas ocasiões, a adoração de sua figura foi associada à criminalidade, principalmente ao narcotráfico, pois muitos traficantes cultuam a santa, fato que faz com que a polícia mexicana acompanhe seita mais de perto.

Nesse ano oito dos membros da seita foram acusados de sacrificar seus próprios parentes (duas crianças de 10 anos e uma mulher de 44) como oferenda a Niña Blanca, nome popular da santa, para receber dinheiro, saúde e proteção. As vítimas são degoladas sob o argumento de que a Santa Morte preferia assim, e desta maneira indicaria o local onde existia dinheiro para roubar, o que seria parte da recompensa.

A guardiã dessa liturgia é a Igreja Santa Católica Apostólica Tradicional que não é reconhecida oficialmente no país pela Igreja Católica, mas tem suas atividades religiosas toleradas podendo ser praticadas publicamente.


Culto à Santa Morte se espalha pelo México


02/06/2011 - O culto à Santa Morte está se espalhando pelo México. No bairro de Tepito, na Cidade do México, um altar é uma amostra de como a figura de um esqueleto feminino está se popularizando como objeto de devoção. Nos últimos anos, até mesmo católicos aderiram ao culto. Acredita-se que até 8 milhões de pessoas sejam seguidores da Santa Morte, um culto que já chegou a países da América Central e aos Estados Unidos. Segundo os peregrinos, em troca de orações e oferendas, a Santa Morte oferece proteção e pode ajudar quando há algum problema difícil. Alguns afirmam que a Santa Morte é o culto dos criminosos, mas, para muitos, ela é uma figura religiosa como qualquer outra.

"Todo tipo de pessoa acredita na Santa Morte. Pessoas boas usam para coisas boas, e pessoas más, para coisas más", afirma um peregrino.

Enriqueta Romero, a mulher que criou o templo no bairro, defendeu o culto em entrevista ao correspondente da BBC Mundo no México, Julián Miglierini. "Se a pessoa é um sequestrador e um bandido e também seguidor da Santa Morte, então é algo pessoal, cada um sabe o que faz. Sabemos que é errado, mas é algo pessoal", disse.

Crime

Para alguns, a localização desse santuário é mais um sinal da ligação do culto aos criminosos. A área de Tepito é considerada uma das mais perigosas da Cidade do México e acredita-se que seja um refúgio de criminosos. O culto pode ter um grande número de seguidores em Tepito e se espalhou pelo México, um país com muitos católicos. A Igreja Católica do país não esconde sua desaprovação. "O culto é completamente rejeitado, é superstição e tem um elemento diabólico. A Santa Morte é inaceitável, é impossível ser católico e ser devoto da Santa Morte", afirma o porta-voz da Igreja no México, Hugo Valdemar.

Para José Gil Olmos, autor de um livro sobre o assunto, o sucesso do culto se deve a própria hierarquia da Igreja Católica. "Esse é um reflexo muito claro da crise na Igreja Católica em seus níveis mais baixos. Suas brechas estão sendo preenchidas por outros cultos e crenças, pois no México existem esses santos populares e cultos", afirmou.


Santa Morte, a Santa Esquelética do México e nos EUA


R. Andrew Chesnut. Tradução: Karina Kosicki Bellotti - Este artigo traz algumas considerações retiradas de uma pesquisa mais ampla sobre as razões do aumento da popularidade do culto à Santa Morte no México e nos Estados Unidos, desde o início dos anos 2000. De uma prática oculta, desconhecida de boa parte dos mexicanos, transformou-se em um crescente culto público que contabiliza milhões de devotos nos dois países. O texto analisa a evolução do culto, do período colonial hispânico até os dias atuais, e, por meio de entrevistas, mídia impressa e pesquisa de campo, explora os diferentes atributos conferidos à santa por uma grande gama de devotos, de donas de casa a traficantes, em meio a um contexto conturbado de crescente recessão econômica e violência urbana.

Chamado pela Senhora Ossuda, a Santa Morte

Algumas pessoas se tornam devotas por iniciativa própria, apelando para a Santa Morte sob recomendação de amigos ou de familiares. Outros recebem um chamado ou uma visita inesperada da Magrinha (la flaquita, um dos seus vários apelidos), no qual ela se oferece para resolver seus problemas. Foi nesse contexto que, no início da primavera de 2009, a Ossuda (la huesuda, outro apelido conhecido) apareceu no meu laptop e meu chamou para contemplá-la. Mais especificamente, foi a notícia de um ataque militar contra ela na fronteira entre os Estados Unidos e o México que me levou a substituir a figura de Guadalupe pela imagem de algo que parecia, à primeira vista, a sua antítese, uma espécie de anti-Virgem. No final de março, o exército mexicano demoliu perto de quarenta santuários da Santa Morte na fronteira mexicana com o Texas e a Califórnia, na sua maioria na periferia de Tijuana e Nuevo Laredo. Eu me perguntava o que teria feito a Santa Morte para merecer um ato tão agressivo de sacrilégio em seus lugares santos, perpetrado pelo governo mexicano, que a declarou um inimigo de Estado?

Este texto traz algumas considerações sobre uma pesquisa mais ampla, que buscou desvendar por que em menos de uma década a devoção à santa cresceu a tal ponto que sua popularidade ofusca a de outras santas no México, com exceção de Guadalupe. Seu culto se transformou de uma prática oculta, desconhecida de boa parte dos mexicanos, para se tornar um crescente culto público que contabiliza milhões de devotos no México e nos Estados Unidos.

A Morte encontrada

Como seu nome indica, Santa Morte é uma santa popular mexicana que personifica a morte. Seja na forma de uma estátua de gesso, em uma vela votiva, um medalhão de ouro ou um cartão de oração, ela é representada como uma Ceifadora, manejando a mesma foice e usando uma mortalha semelhante à do Ceifador. Diferente de outros santos, que foram canonizados pela Igreja Católica, os santos populares são espíritos de mortos que são considerados santos pelos seus poderes milagrosos. No México e na América Latina em geral, tais santos, como Nino Fidencio, Jesus Malverde, Maximon e San La Muerte (a similar argentina da Santa Morte) mobilizam uma ampla devoção e frequentemente apelam para mais do que os santos oficiais.

A grande maioria dos santos populares, diferente dos oficiais, nasceu e morreu em solo latino-americano. Nino Fidencio, por exemplo, era um curandeiro popular no início do século XX no México, enquanto Pedro Batista liderou uma comunidade religiosa no interior do Brasil durante o mesmo período. Assim, os santos populares são unidos aos seus devotos pela nacionalidade e frequentemente pela localidade e classe social. Um vendedor de rua da Cidade do México explicou o apelo da Santa Morte: “Ela nos entende porque é uma pessoa de gênio forte (cabrona) como nós”. Em contraste, os mexicanos nunca se refeririam à Virgem de Gaudalupe como megera. Onde a Ossuda se difere de outros santos populares, incluindo os santos esqueléticos da Argentina (San La Muerte) e da Guatemala (Rey Pascual), é que, para a maioria de seus devotos, ela é personificação da morte em si, e não de um ser humano morto.

O seu próprio nome, Santa Morte, diz muito sobre sua identidade. La muerte – a morte – é um substantivo feminino, assim como em todas as línguas românicas. Por isso, alguns observadores casuais da Branquinha atribuíram erroneamente a sua identidade feminina por conta do substantivo “La muerte”. Entretanto, o fato de os dois santos da morte da Argentina e da Guatemala serem figuras masculinas aponta para outras explicações sobre a identidade feminina da santa mexicana. Em todo caso, ela e San La Muerte são os únicos santos nas Américas que incluem a palavra “morte” em seus nomes. Tanto para devotos como para os descrentes, é óbvio que o olhar vazio da santa esquelética é o olhar da morte.

A palavra “Santa”, a primeira parte do seu nome, é também reveladora. A Santa Morte é primeira e principalmente uma santa não oficial que cura, protege e livra seus devotos de seus destinos após a morte. Devotos costumam chamá-la de “Santíssima Morte” em rituais como o rosário. Assim, seu nome, Santa Morte, e sua miríade de apelidos revelam nitidamente sua identidade como santa popular que personifica a morte.

Nenhuma introdução à Santa Morte ficaria completa sem uma breve consideração sobre uma de suas mais peculiares características – sua identidade de gênero. Enquanto os santos populares são abundantes nas Américas e outros esqueletos sobrenaturais operam milagres na Guatemala e na Argentina, a Santa Morte permanece como a única santa da morte, do Chile ao Canadá. Sua forma esquelética assexuada não contém nenhum traço de feminilidade. São seus trajes e, em menor medida, seu cabelo que definem esta santa como mulher. Os devotos e fabricantes de imagens produzidas em massa da Ossuda comumente a vestem como freira, Virgem, noiva ou rainha. Túnicas medievais vermelhas e pretas, véus de noiva brancos e túnicas de cetins coloridas normalmente cobrem seu corpo esquelético, deixando à vista somente suas mãos, pés e face ossudos.

Tal como os santos da morte, San La Muerte e Rey Pascual, a Madrinha exibe um típico crânio calvo. Contudo, seguindo a trilha de uma grande pioneira devocional, Enriqueta Romero (carinhosamente conhecida como Dona Queta), muitos devotos adornam suas estatuetas com perucas pretas e castanhas. Aliás, uma devota empreendedora dirige uma próspera loja na Cidade do México onde devotos trazem suas estatuetas para serem vestidas e penteadas para que se pareçam com a Menina Bonita (la nina bonita, outro de seus codinomes). Porém, mais do que apenas uma menina bonita, a Santa Morte é principalmente a Poderosa (la dama poderosa), cujas habilidades milagreiras fizeram dela o mais potente dos santos populares mexicanos e uma rival da padroeira nacional, Guadalupe.

Origens

As origens do culto à Santa Morte remetem a diferentes matrizes. Enquanto sua figura pode evocar uma versão feminina do Ceifador na cultura americana e europeia ocidental (Grim Reaper), com raízes no catolicismo medieval, na cultura espanhola católica a morte é identificada com a figura de La Parca. Já na cultura mexicana, a santa esquelética seria uma versão adaptada de uma deusa indígena da morte, geralmente asteca ou maia. Para muitos mexicanos, as realidades da história indígena e os mitos do nacionalismo convergem para dar à Irmã Branca um nascimento nativo no México Pré-Colombiano.

A versão mais comum da identidade indígena da santa remete às suas supostas origens astecas, isto é, a deusa da morte Mictecacihuatl, que, juntamente com seu marido, Mictlantecuhtli, governava o submundo, Mictlan. Assim como a Ossuda, o casal mortífero era representado como esqueletos ou corpos humanos com crânios no lugar de cabeças. Os astecas não somente acreditavam que os que morriam de causas naturais acabavam em Mictlan, como também evocavam os poderes sobrenaturais dos deuses para causas terrenas. Com a perseguição empreendida pelos conquistadores espanhóis em relação à religião indígena, os espanhóis tornaram clandestina a devoção ao casal asteca e forçaram o sincretismo da crença com o catolicismo. Assim, de acordo com essa versão, é a deusa Mictecacihuatl que ressurgiu publicamente no santuário de Dona Queta, em 2001. Sua túnica e vestido em estilo espanhol e seus acessórios europeus, a foice e as balanças de justiça são uma fachada que cobriria sua verdadeira identidade asteca.

Outra versão é de que a Menina Branca seria de origem Purepecha, o maior grupo indígena no Estado de Michoacan, que nunca foram conquistados pelos vizinhos astecas. Em entrevista, o líder de culto da Santa Morte Vicente Perez Ramos traçou as origens da santa a Santa Ana Chapitiro, uma pequena cidade fora de Patzcuaro, onde um dos santuários mais decorados de Santa Morte se situa. Don Vicente alega que a santa da morte nasceu no século XVI, filha de um casal Purepecha de Santa Ana Chapitiro. Ela possuiria o tamanho de uma mulher adulta, com uma compleição suave e cabelo castanho. Com medo de que os espanhóis a roubassem, o casal manteve a filha trancada em sua cabana.

Já os acadêmicos traçaram as origens da santa à Europa ocidental medieval. A antropóloga mexicana Katia Perdigon Castañeda, por exemplo, escreve que: “a história do conceito atual de morte e sua iconografia, refletida na contemporânea Santa Morte, estão mais relacionadas à religião judaico-cristã (com o catolicismo em particular) do que com as vozes esquecidas e desconhecidas dos vencidos, ou seja, dos povos pré-hispânicos”1. David Romo e outros localizam especificamente a gênese da santa na figura do Ceifador do catolicismo europeu medieval, por conta da peste bubônica, que tornou a morte uma presença constante e familiar no século XIV. Foi nesse período, no qual ao menos um terço dos europeus foi levado pela doença, que a morte apareceu personificada pela primeira vez como a figura esquelética conhecida até hoje. Pintores, escultores e padres começaram empregar a representação esquelética da morte em seu trabalho.

A figura também foi empregada pelo clero espanhol nas Américas. Alguns grupos indígenas, como os maias no Estado de Chiapas e Guatemala, e os Guaranis na Argentina e Paraguai, transformaram a figura da morte em uma santa e, a partir de suas próprias tradições de ossos ancestrais sagrados, interpretaram o cristianismo por meio de seus filtros culturais. Isso é mais evidente na Guatemala e em Chiapas, onde o franciscano espanhol do século XVI São Pascual Bailon foi sincretizado com a religião maia e tornou-se popularmente, mas não oficialmente, representado como Rey Pascual, um esqueleto com uma coroa em cima de seu crânio. Embora nunca tenha visitado os maias do México e da Guatemala em vida, surgiu a crença de que ele tenha aparecido em uma visão para um maia em torno de 1650, no meio de uma praga virulenta que o frei teria ajudado a encerrar2. Durante o período colonial espanhol, os esforços da igreja em erradicar a veneração a tais santos esqueléticos tornaram a devoção oculta durante muito tempo, até ser tornada pública recentemente.

Referências específicas à Santa Morte apareceram primeiramente nos registros coloniais espanhóis por volta de 1790, quase um século e meio depois da menção ao Rey Pascual. Um documento de 1797 dos arquivos da Inquisição, intitulado “Sobre as superstições de vários indígenas da cidade de San Luis de la Paz”, menciona a Santa Morte pela primeira vez. Focalizando o povo Chichimeca, situado no atual Estado de Guanajuato, o registro da igreja fala de trinta índios que “à noite se reúnem em sua capela para beber peiote até perderem o sentido, eles acendem velas de ponta cabeça, algumas delas são pretas, eles dançam com bonecas de papel, eles chicoteiam cruzes sagradas e também uma figura da morte que eles chamam de Santa Morte, e eles amarram-na com uma corda molhada ameaçando chicotear-lhe e queimá-la se não operar um milagre.” O milagre em questão era aparentemente relacionado ao controle político local e, lembrando a demolição dos santuários da Santa Morte na fronteira, ocorridos recentemente, o castigo para tais “superstições” foi a destruição da capela onde a efígie da Ossuda era mantida3.

Em seu sagaz estudo sobre santos populares latino-americanos, Frank Graziano menciona dois codinomes para o santo argentino da morte, San La Muerte, que associa o santo esquelético a Jesus. O primeiro, San Justo, e o segundo, o Senhor da Paciência, relacionam-se diretamente com a imagem do Senhor da Humildade e da Paciência, que no México e na América Central é mais conhecido como a figura de Cristo, o Juiz Justo4. Essa é a representação do Cristo derrotado após o açoitamento e antes de sua morte na cruz. Portanto, grupos indígenas no centro do México e no noroeste da Argentina e Paraguai fizeram a mesma associação sincrética entre as duas maiores figuras da evangelização católica – o Ceifador e Jesus. Curiosamente, o argentino San La Muerte sobreviveu à perseguição da Igreja e permanece até hoje, enquanto o mexicano Juiz Justo foi eclipsado pela sua contrapartida feminina, Santa Morte.

Em resposta à perseguição da Igreja, os devotos da Magrinha tornaram sua veneração ainda mais clandestina, a ponto de ela desaparecer do registro histórico mexicano pelos 150 anos seguintes, nos quais os mexicanos declaram sua independência da Espanha, perdem uma guerra contra os Estados Unidos e lutam na sua primeira revolução no século XX. Sem dúvida, a Poderosa continuava junto aos seus discípulos, testemunhando tais eventos e inúmeros outros, mas a sua presença só foi voltar a ser registrada a partir dos anos 1940. E a Santa Morte que ressurge a partir de então até o final do século XX é quase exclusivamente a Poderosa SSenhora do Amor, simbolizada pela vela votiva vermelha.

Quatro antropólogos, um mexicano e três americanos, mencionaram seu papel como feiticeira do amor em sua pesquisa entre os anos 1940 e 1950. Juntamente com Frances Toor e Oscar Lewis, Gonzalo Aguirre Beltran, no final dos anos 1940, refere-se a orações de amor para Santa Morte entre uma comunidade predominantemente de descendentes de africanos no Estado de Guerrero, na costa do Pacífico. Com as referências de Isabel Kelly e Oscar Lewis ao seu papel na mágica do amor, fica evidente que pelo final dos anos 1950 a cobertura geográfica da Menina Linda é extensa, se não plenamente nacional. Toor e Lewis redescobriram a santa da morte na Cidade do México, Aguirre a encontrou na costa sul do Pacífico e Kelly cruza com suas orações amorosas nas partes norte e central do México.

Em pesquisas realizadas nas décadas de 1960 e 1970, foi descoberta a devoção à santa em outros lugares do país. Em seu livro Mitos y magos mexicanos, Maria de la Luz Bernal é uma das primeiras pesquisadoras do período a documentar a devoção organizada à Careca (La Pelona). Ela escreve sobre grupos de mulheres vestidas de preto, que se ajoelhavam diante do altar da santa esquelética, segurando velas acesas, cantando em uníssono orações para a dominação de homens em suas vidas. Com gritos de “Santíssima Morte, torture-o, mortifique-o”, as devotas buscavam a ajuda sobrenatural da Poderosa para controlar seus maridos e namorados errantes.

Enquanto isso, devotos no Estado central de Hidalgo iniciaram o que parece ter sido a mais antiga devoção a Santa Morte. Como os santos esqueléticos sincréticos, o Juiz Justo, Rey Pascual e San La Muerte, São Bernardo (Clairvaux), da pequena cidade de Tepatepec, é a imagem do homem santo medieval francês que os católicos associaram com a figura esquelética da morte. Uma das mais antigas e exclusivas representações da Santa Morte é uma estátua de madeira, que agora é venerada no templo da família Cruz, tem cerca de 4 pés de altura e é geralmente vestida de rainha com um robe de cetim, uma coroa e um cetro em sua mão esquerda. Diferente da maioria das estátuas da santa, que a retrata de pé, nesta ela está sentada em uma cadeira de madeira. Particularmente impressionante é a sua face carnuda, com uma boca alongada que parece estar costurada.

PARTE 2