VERDADES INCONVENIENTES

Estudo mostra que indústria e psiquiatria criaram doenças e remédios que não curam

psilo224/03/2017 - Uma série de reportagens e livros publicados ao longo de 25 anos pelo jornalista Robert Whitaker (foto), especialista em questões de ciência e medicina, abriu uma crise na prática médica da psiquiatria e na solução mágica de curar os transtornos mentais com medicação. O jornalista, do The Boston Globe, o mesmo jornal das série de reportagens ...

que gerou o filme Spotlight, levantou dados alarmantes sobre a indústria farmacêutica das doenças mentais e sua incapacidade de curar. “Em 1955, havia 355 mil pessoas em hospitais com um diagnóstico psiquiátrico nos Estados Unidos; em 1987, 1,25 milhão de pessoas no país recebia aposentadoria por invalidez por causa de alguma doença mental; em 2007, eram 4 milhões. No ano passado, 5 milhões.” 

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Para ele, associações médicas e a indústria estão criando pacientes e mercado para seus remédios. “Se olharmos do ponto de vista comercial, o êxito desse setor é extraordinário. Temos pílulas para a felicidade, para a ansiedade, para que seu filho vá melhor na escola. O transtorno por déficit de atenção e hiperatividade é uma fantasia. É algo que não existia antes dos anos noventa”, diz.

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Mas essa não é uma crítica simplificada ou econômica, mas bem mais fundamentada durante mais de duas décadas. “O que estamos fazendo de errado?”, questionam os estudos de Whitaker que também levantou informações de que pacientes de esquizofrenia evoluem melhor em países em que são menos medicados. Outro dado importante foi o estudo da Escola de Medicina de Harvard, que em 1994, mostrou que a evolução de pacientes com esquizofrenia, que foram medicados, pioraram em relação aos anos 70, quando a medicação não era dominante.

A batalha de Whitaker contra os comprimidos como solução tem ganhado apoio. Importantes escolas de medicina o convidam a explicar seus trabalhos e o debate está aberto nos Estados Unidos. “A psiquiatria está entrando em um novo período de crise no país, porque a história que nos contaram desde os anos 80 caiu por terra. A história falsa nos Estados Unidos e em parte do mundo desenvolvido é que a causa da esquizofrenia e da depressão seria biológica.

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Foi dito que esses distúrbios se deviam a desequilíbrios químicos no cérebro: na esquizofrenia, por excesso de dopamina; na depressão, por falta de serotonina. E nos disseram que havia medicamentos que resolviam o problema, assim como a insulina faz pelos diabéticos”, afirmou em entrevista ao jornal El Pais.

Para ele, os psiquiatras sempre tiveram um complexo de inferioridade. “O restante dos médicos costumava enxergá-los como se não fossem médicos autênticos. Nos anos 70, quando faziam seus diagnósticos baseando-se em ideias freudianas, eram muito criticados. E como poderiam reconstruir sua imagem diante do público? Vestiram suas roupas brancas, o que lhes dava autoridade. E começaram a se chamar a si mesmos de psicofarmacólogos quando passaram a prescrever medicamentos. A imagem deles melhorou. O poder deles aumentou. Nos anos 80, começaram a fazer propaganda desse modelo, e nos noventa, a profissão já não prestava atenção a seus próprios estudos científicos. Eles acreditavam em sua própria propaganda”, relata.

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Para Whitaker, houve uma união do útil ao agradável. Uma história que melhorou a imagem pública da psiquiatria e ajudou a vender medicamentos. No final dos anos oitenta, o comércio desses fármacos movimentava US$ 800 milhões por ano. Vinte anos mais tarde, já eram US$ 40 bilhões. “Se estudarmos a literatura científica, observamos que já estamos utilizando esses remédios há 50 anos. Em geral, o que eles fazem é aumentar a cronicidade desses transtornos”, afirma de forma categórica.

Essa mensagem, segundo o próprio Whitaker, pode ser perigosa, mas ele não traz conselhos médicos nos estudos (Anatomy of an Epidemic), não é para casos individuais. “Bom, se a medicação funciona, fantástico. Há pessoas para quem isso funciona. Além disso, o cérebro se adapta aos comprimidos, o que significa que retirá-los pode ter efeitos graves. O que falamos no livro é sobre o resultado de maneira geral. É para que a sociedade se pergunte: nós organizamos o atendimento psiquiátrico em torno de uma história cientificamente correta ou não?”, diz.

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Whitaker foi muito criticado, apesar de seu livro contar com muitas evidências e ter recebido prêmios. Mas a obra desafiou os critérios da Associação Norte-Americana de Psiquiatria (APA) e os interesses da indústria farmacêutica. Mas desde 2010 novos estudos confirmaram suas pesquisas.

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Entre eles, os trabalhos dos psiquiatras Martin Harrow e Lex Wunderink e o fato de a prestigiada revista científica British Journal of Psychiatry já assumir que é preciso repensar o uso de medicamentos. “Os comprimidos podem servir para esconder o mal-estar, para esconder a angústia. Mas não são curativos, não produzem um estado de felicidade”, diz.


“A psiquiatria está em crise”

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07/02/2016 - Jornalista quer provar que doenças mentais não se devem a alterações químicas do cérebro. Tudo começou com duas perguntas. Como é possível que os pacientes de esquizofrenia evoluam melhor em países onde são menos medicados, como a Índia e a Nigéria, do que em nações como os Estados Unidos? E como se explica, tal como proclamou em 1994 a Escola de Medicina de Harvard, que a evolução dos pacientes de esquizofrenia tenha piorado com a implantação de medicamentos, em relação aos anos setenta? Essas duas perguntas inspiraram Robert Whitaker a escrever uma série de reportagens para o jornal Boston Globe – finalista do prêmio Pulitzer de Serviço Público – e dois polêmicos livros. O segundo, Anatomy of an Epidemic (“Anatomia de uma epidemia”, em tradução literal), foi premiado como o melhor livro investigativo de 2010 por editores e jornalistas norte-americanos.

No decorrer dessa pesquisa, surgiu uma corrente de dados avassaladores: em 1955, havia 355.000 pessoas em hospitais com um diagnóstico psiquiátrico nos Estados Unidos; em 1987, 1,25 milhão de pessoas no país recebia aposentadoria por invalidez por causa de alguma doença mental; em 2007, eram 4 milhões. No ano passado, 5 milhões. O que estamos fazendo de errado?

Whitaker (Denver, Colorado, 1952) se apresenta, humildemente, com as mãos nos bolsos, em um hotel de Alcalá de Henares, na periferia de Madri. Sua cruzada contra os comprimidos como solução contra os distúrbios mentais não vai mal. Prestigiadas escolas de medicina o convidam a explicar seus trabalhos. “O debate está aberto nos Estados Unidos. A psiquiatria está entrando em um novo período de crise no país, porque a história que nos contaram desde os anos oitenta caiu por terra”.

Pergunta. No que consiste essa história falsa que, segundo o senhor, nos foi contada?

Resposta. A história falsa nos Estados Unidos e em parte do mundo desenvolvido é que a causa da esquizofrenia e da depressão seria biológica. Foi dito que esses distúrbios se deviam a desequilíbrios químicos no cérebro: na esquizofrenia, por excesso de dopamina; na depressão, por falta de serotonina. E nos disseram que havia medicamentos que resolviam o problema, assim como a insulina faz pelos diabéticos.

P. Em Anatomy of an Epidemic, o senhor afirma que os psiquiatras aceitaram a teoria do desequilíbrio químico porque prescrever comprimidos os fazia parecer mais médicos, os igualava aos colegas de profissão.

R. Nos Estados Unidos e em muitos outros lugares, os psiquiatras sempre tiveram um complexo de inferioridade. O restante dos médicos costumava enxergá-los como se não fossem médicos autênticos. Nos anos setenta, quando faziam seus diagnósticos baseando-se em ideias freudianas, eram muito criticados. E como poderiam reconstruir sua imagem diante do público? Vestiram suas roupas brancas, o que lhes dava autoridade. E começaram a se chamar a si mesmos de psicofarmacólogos quando passaram a prescrever medicamentos. A imagem deles melhorou. O poder deles aumentou. Nos anos oitenta, começaram a fazer propaganda desse modelo, e nos noventa, a profissão já não prestava atenção a seus próprios estudos científicos. Eles acreditavam em sua própria propaganda.

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P. Mas isso parece um exagero, não? É afirmar que os profissionais não levaram em conta o efeito que esses remédios poderiam ter na população.

R. É uma traição. Foi uma história que melhorou a imagem pública da psiquiatria e ajudou a vender medicamentos. No final dos anos oitenta, o comércio desses fármacos movimentava 800 milhões de dólares por ano. Vinte anos mais tarde, já eram 40 bilhões de dólares.

P. E agora o senhor afirma que há uma epidemia de doenças mentais criadas pelos próprios medicamentos.

R. Se estudarmos a literatura científica, observamos que já estamos utilizando esses remédios há 50 anos. Em geral, o que eles fazem é aumentar a cronicidade desses transtornos.

P. O que o senhor diz para as pessoas que tomam remédios? Alguns talvez não precisem, mas outros talvez sim. Essa mensagem, se for mal interpretada, pode ser perigosa.

R. Sim, é verdade. Pode ser perigosa. Bom, se a medicação funciona, fantástico. Há pessoas para quem isso funciona. Além disso, o cérebro se adapta aos comprimidos, o que significa que retirá-los pode ter efeitos graves. O que falamos no livro é sobre o resultado de maneira geral. Não sou médico. Sou jornalista. O livro não traz conselhos médicos, não é para uso individual. É para que a sociedade se pergunte: nós organizamos o atendimento psiquiátrico em torno de uma história cientificamente correta ou não?

A trajetória de Whitaker não foi fácil. Apesar de seu livro contar com muitas evidências e ter recebido muitos prêmios, a obra desafiou os critérios da Associação Norte-Americana de Psiquiatria (APA) e os interesses da indústria farmacêutica.

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Mas, a essa altura, ele se sente recompensado. Em 2010, seus postulados eram vistos como uma “heresia”, segundo ele mesmo define. Desde então, novos estudos foram na direção para a qual ele apontava. Entre eles, os trabalhos do psiquiatras Martin Harrow e Lex Wunderink e o fato de a prestigiada revista científica British Journal of Psychiatry já assumir que é preciso repensar o uso de medicamentos. “Os comprimidos podem servir para esconder o mal-estar, para esconder a angústia. Mas não são curativos, não produzem um estado de felicidade”.

P. Vivemos em uma sociedade na qual precisamos pensar que os remédios podem resolver tudo?

R. Foi o que nos incentivaram a acreditar. Nos anos cinquenta, foram produzidos avanços médicos incríveis, como os antibióticos. Nos anos sessenta, a sociedade norte-americana começou a achar que havia uma fórmula mágica para curar muitos problemas. Na década de oitenta, foi promovida a ideia de que se uma pessoa estava deprimida, não era pelo contexto de sua vida, mas sim porque ela tinha um distúrbio mental – era uma questão química e havia um remédio que a faria se sentir melhor. O que se promoveu nos Estados Unidos, na realidade, foi uma nova forma de viver, que foi exportada para o resto do mundo. A nova filosofia era: você precisa ser feliz o tempo todo e, se não for, temos uma pílula. Mas o que sabemos é que crescer é difícil, surge todo tipo de emoções e é preciso aprender a organizar o comportamento.

P. Buscamos o conforto e o mundo vai se parecendo com aquele descrito por Aldous Huxley em Admirável Mundo Novo...

R. Desde agora. Perdemos a noção de que o sofrimento faz parte da vida, de que às vezes é muito difícil controlar a própria mente. As emoções que sentimos hoje podem ser muito diferentes daquelas da semana ou do ano seguintes. E nos fizeram ficar alertas o tempo todo em relação a nossas emoções.

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P. Centrados demais em nós mesmos...

R. Exatamente. Se nos sentimos infelizes, pensamos que há algo errado conosco. Antes, as pessoas sabiam que era preciso lutar na vida; e não se incentivava tanto que pensassem em seu estado emocional. Com as crianças, se elas não comportam bem na escola ou não vão bem, logo alguém as diagnostica com déficit de atenção e diz que é preciso tratá-las.

P. A indústria ou a APA estão criando novas doenças que, na realidade, não existem?

R. Estão criando mercado para seus remédios e estão criando pacientes. Ou seja, se olharmos do ponto de vista comercial, o êxito desse setor é extraordinário. Temos pílulas para a felicidade, para a ansiedade, para que seu filho vá melhor na escola. O transtorno por déficit de atenção e hiperatividade é uma fantasia. É algo que não existia antes dos anos noventa.

P. A ansiedade pode se transformar em distúrbio?

R. A ansiedade e a depressão não estão muito longe uma da outra. Há pessoas que experimentam estados avançados de ansiedade, mas estar vivo é, muitas vezes, estar ansioso. Isso começou a mudar com a introdução dos benzodiazepínicos, com o Valium. A ansiedade deixou de ser um estado normal da vida para ser apresentada como um problema biológico. Nos anos oitenta, a APA pega esse amplo conceito de ansiedade e neurose, que é um conceito freudiano, e começa a associar a ele doenças como o transtorno do estresse pós-traumático. Mas não há ciência por trás dessas mudanças.


“Fármacos psiquiátricos nos fazem mais mal do que bem”

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24/09/2016 - Cientista defende redução drástica do uso de medicamentos contra as doenças psíquicas. Em 1936, o neurologista português Egas Moniz apresentou uma operação cirúrgica que destruía conexões entre a região pré-frontal e outras partes do cérebro. Esta cirurgia, chamada lobotomia, popularizou-se como tratamento para a esquizofrenia e valeu o Nobel de Medicina a Moniz em 1949. A intervenção caiu em desuso após o surgimento de drogas como a clorpromazina, que se tornaram o tratamento habitual para esse tipo de doença mental.

Desde então, a lobotomia se tornou símbolo de uma psiquiatria que anulava os pacientes sob a justificativa de curá-los, e alguns grupos de familiares de lobotomizados pediram inclusive que o Nobel de Moniz seja cassado. Alguns especialistas, porém, entendem que naquela época, sem alternativas terapêuticas para essas psicoses, o tratamento do médico português melhorava a vida dos pacientes e de seus familiares.

O caso da lobotomia é uma amostra de como podem ser polêmicas as ferramentas terapêuticas de uma disciplina complexa como a psiquiatria. Os fármacos que serviram para tornar aquela cirurgia obsoleta, preservando, segundo muitos psiquiatras, a dignidade para pacientes com transtornos psicológicos graves, tampouco estão imunes às críticas. Peter Gøtzsche (Næstved, Dinamarca, 1949), professor de Concepção e Análise de Testes Clínicos da Universidade de Copenhague, há anos defende a redução drástica do uso de fármacos contra as doenças psiquiátricas. Em seu livro Medicamentos Mortais e Crime Organizado (editora Bookman), o pesquisador dinamarquês analisa as carências da ciência que justifica o uso desses fármacos e explica por que acredita que, apesar do consenso favorável a eles entre os psiquiatras, esses remédios “estão fazendo mais mal do que bem”.

Pergunta. Você defende uma redução paulatina [Gøtzsche adverte sobre o risco de deixar de tomar psicofármacos repentinamente], mas praticamente total, do consumo de medicamentos psiquiátricos. Entretanto, há muitos psiquiatras que defendem sua utilidade e afirmam que eles permitiram reduzir a quantidade de doentes encerrados em manicômios.

Resposta. Em primeiro lugar, não é correto dizer que os antipsicóticos tenham reduzido a presença de pessoas em manicômios. O esvaziamento deles têm a ver com considerações financeiras. Era muito caro manter tanta gente nessas instituições por muitos anos. Essa redução não coincide com a introdução de fármacos antipsicóticos.

Os antipsicóticos estão entre os medicamentos mais tóxicos que existem, depois da quimioterapia para o câncer. Produzem dano cerebral permanente, algumas vezes inclusive depois de um tempo de uso relativamente breve, e tornam mais difícil que a pessoa volte a viver uma vida plena. Cheguei à conclusão de que, muito provavelmente, seria muito melhor para nós se não utilizássemos absolutamente nenhum antipsicótico.

Não sou a única pessoa que acha isso. Há psiquiatras que estudaram a literatura de uma forma tão cuidadosa como eu e que chegaram à mesma conclusão: que na verdade não precisamos de fármacos antipsicóticos, porque, apesar do nome, antipsicótico, não curam as psicoses. Os antipsicóticos tranquilizam as pessoas, mas também lhes tiram parte das suas emoções, parte dos seus pensamentos normais. Você pode ver que alguns deles se tornam zumbis, incapazes de fazer qualquer coisa.

P. Se estes fármacos são tão nocivos, por que começaram a ser usados de forma habitual na psiquiatria?

R. Em 1954, quando a clorpromazina foi descoberta e chegou ao mercado, era considerada uma droga ruim, comparada a uma lobotomia química. Entretanto, um ano depois, de repente ficou boa. Isso é muito estranho. Houve um presidente da Sociedade Norte-Americana de Psiquiatria Biológica que afirmou que esse fármaco era como a insulina para o diabetes. É algo demencial, porque, se você tiver diabetes, lhe falta insulina, e quando lhe dão algo que lhe falta é um bom tratamento. Mas quando você tem uma psicose não lhe falta nada, então a comparação é errônea. Entretanto, desde que essa ideia foi lançada fala-se em um desequilíbrio químico. Não há desequilíbrio químico, nunca se pôde demonstrar que haja nada nos pacientes psicóticos ou depressivos que seja diferente das pessoas sãs. O desequilíbrio químico é uma mentira.

O Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA realizou um teste com clorpromazina, com fármacos similares e com um placebo e concluiu justamente o contrário do que ocorre quando se dá estas drogas às pessoas. Observaram que os pacientes ficavam menos apáticos, que se moviam mais e pareciam melhorar. Estas drogas fazem justamente o contrário. Isto acontece porque os testes não estão bem cegados [concebidos de modo a evitar distorções].

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P. Se os dados dos estudos são acessíveis a todo mundo, por que tantos psiquiatras os interpretam mal? São todos burros ou malvados?

R. Esta pergunta é interessante e não diz respeito apenas à psiquiatria. Por que passaram tantos séculos fazendo sangrias? Mesmo quando o paciente tinha cólera e precisava de fluidos, tiravam o sangue das pessoas, e muitas vezes isso as matava. E acreditavam que faziam bem. Durante séculos. Como é possível que nós, os humanos, que temos cérebros maravilhosos, possamos ficar presos em equívocos coletivos como as sangrias ou a crença nos antipsicóticos. Assim são os humanos, mas temos que combater isso demonstrando às pessoas que suas crenças não coincidem com as evidências científicas.

P. Que alternativas existem aos fármacos contra as psicoses graves?

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R. É muito simples: fármaco nenhum. A alternativa a dar muitas drogas às pessoas é lhes dar muito poucas. Se fizéssemos isso, teríamos uma população mais saudável, que viveria mais, porque as drogas psiquiátricas matam muita gente. E não aleijaríamos tanta gente, tanto física como cerebralmente. Outra opção é entender que muitas das ditas enfermidades psiquiátricas são tratadas melhor através da psicoterapia. Essas doenças muitas vezes têm a ver com fortes emoções com as quais as pessoas não podem lidar e que as deixam assustadas, ansiosas... Usando a psicoterapia, pode-se ensinar as pessoas a lidarem com esses sentimentos fortes que acabam transformando-as em pacientes psiquiátricos.

P. Como os psiquiatras costumam reagir às suas críticas?

R. Rarissimamente debatem comigo o que a ciência diz. Acho que isso mostra que para eles é difícil debater sobre a ciência. O que fazem é tratar de me denegrir como pessoa. Dizendo que não sou um psiquiatra. É verdade, mas aprendi a ler, sou um pesquisador, sei ler artigos científicos. Não preciso ser um psiquiatra para saber sobre essa área.

Também, além desses psiquiatras que se sentem ameaçados, há outros que estão de acordo comigo. E há alguns que não utilizam drogas psiquiátricas. Há outros psiquiatras que estão mudando de opinião com base no meu trabalho, algo que me anima muito. Alguns não escutam, porque consideram aterrador demais. Se você acreditou em algo durante 30 anos, como vai alterar essa crença? Como vai dizer para si mesmo: “Eu estava enganado desde o começo, fiz muito mal aos meus pacientes”? Isso não é fácil, é mais fácil fechar os olhos e continuar como sempre.

P. Do jeito que você explica as coisas, dá a sensação de que as pessoas estão bem, começam a tomar remédios e pioram, e precisam parar de tomá-los para voltar a ficar bem. Mas as pessoas começam a tomar medicamentos porque estão mal, e quando deixarem de tomá-los é provável que a doença não tenha desaparecido.

R. É um pouco complicado. Quando as pessoas não se sentem bem e começam a tomar drogas, muitos sentem que elas ajudam. Mas o que não sabem é o que teria acontecido se não tivessem tomado nenhum fármaco. A maior parte das pessoas melhoraria em questão de semanas, sem necessidade de drogas. Quando você lhes dá um antidepressivo, muitos também melhoram em questão de semanas. Mas a diferença entre administrar a droga e um placebo é muito pequena, e esses testes clínicos não são confiáveis, porque não estão bem cegados. Tanto os médicos como os pacientes confundem o processo natural de cura que teria acontecido de qualquer forma, inclusive com uma psicose aguda, com o efeito do fármaco.

Por outro lado, os pacientes ficam nervosos quando deixam a medicação. Perguntam-se o que acontecerá, se voltarão a ficar deprimidos. E, sim, se deixarem um antidepressivo de um dia para o outro, muitas pessoas terão uma depressão em questão de dias, mas isto não é uma depressão real, é uma depressão fruto da abstinência. Agora seu cérebro mudou e, como um alcoólatra quando deixa o álcool, você vai se sentir mal.

Fonte: Psicologias do Brasil
           El País