CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Por que vemos Jesus na nuvem? Entenda a pareidolia

jeceu107/03/2019 - Foto de "Jesus" foi tirada durante o pôr do sol, em Agropoli, na Itália. É bem provável que você já tenha enxergado a imagem de um ursinho numa nuvem, uma torrada com olhos, nariz e boca ou um rosto na mancha de uma parede. Internautas viram no joelho da duquesa de Cambrigde, Kate Middleton, o personagem Gasparzinho, "o fantasminha camarada". Agora é a vez de todo mundo enxergar Jesus numa fotografia de céu, tirada pelo chef de cozinha Alfredo Lo Brutto na região da Campania, na Itália. Sol e nuvens formaram uma figura que parece a estátua do Cristo Redentor de braços abertos. Não são raras as vezes que pessoas vão além e conseguem ver imagens sacras, como a de Nossa Senhora em um pão ou de São Jorge na Lua. É normal esse tipo de comparação?

Para a psicologia, sim. Este fenômeno tem nome: pareidolia. A palavra "para", no grego, significa "junto de". Eidolia vem da palavra grega "eidolon", que significa imagem ou forma. Ou seja: pareidolia nada mais é do que um fenômeno neuropsicológico em que você reconhece algo familiar em outro, após um estímulo aleatório. "É algo totalmente psicológico, que não ativa uma área definida do cérebro quando acontece", explica Péricles Maranhão Filho, neurologista e professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

E não é uma patologia, pelo contrário. É algo comum, que está atrelado a qualquer tipo de memória, desde que a pessoa tenha um conhecimento prévio. "Pode acontecer de forma subjetiva com um objeto inanimado que você já tenha tido algum tipo de contato prévio. Por exemplo: às vezes você vê uma nuvem no formato de elefante ou de anjinhos. Desde que você tenha contato prévio com elefantes ou anjinhos, acabam se transformando em algo conhecido", explicou o especialista em neuropsicologia Fabrício Velozo. "Não posso falar que uma determinada sombra tem o formato de elefante se eu não sei o que é elefante. Não posso dizer que uma sombra que aparece no muro tem o formato do rosto de Jesus se eu não tenho uma imagem formada de Jesus."

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O engenheiro Maurício Raymundo de Cunto, perito forense e especialista em analisar imagem e som, fez um estudo sobre pareidolia. Ele dá até exemplos: "Ela se manifesta em todos os sentidos. O mais comum é a visão, mas se manifesta na audição, visão, olfato e tato. Se, por exemplo, você passa o dedo em uma superfície de madeira e, digamos que ela é rugosa, jamais vai imaginar que essa textura parece com uma pele de cobra, porque as pessoas não têm o hábito de passar o dedo na pele de cobra", ressalta. "Se alguém está acostumado a fazer isso, vai passar a mão em uma borracha gelada, meio úmida, e vai lembrar de uma cobra".

De onde vem isso?

Ainda não se sabe exatamente porque isso acontece, mas pode estar relacionado com a nossa capacidade de detectar rostos desde pequenos, devido a nossa herança evolutiva. Se você pegar um bebê com alguns minutos de vida, ele vai dirigir a atenção para algo que, no geral, apresenta características de um rosto Nouchine Hadjikhani, cientista da Universidade de Harvard (EUA), em uma entrevista à BBC.

Outros pesquisadores acham que a pareidolia é uma consequência de como o cérebro processa informações, já que ele está constantemente vasculhando linhas, formas cores e superfícies para dar significado a elas. Em alguns momentos, ele funcionaria praticamente como uma câmera que tenta detectar faces nas fotos a partir de padrões já determinados (e nem sempre isso funciona). Um estudo publicado em 2014 mostrou que as pessoas não enxergam rostos em objetos aleatórios porque estão iludidos, mas porque o cérebro é justamente treinado para ver rostos, mesmo quando eles não estão lá.

Essa tendência de detectar rostos em informações visuais ambíguas é, talvez, altamente adaptável, dada a importância suprema de rostos em nossa vida social e o alto custo resultante da incapacidade de detectar um rosto verdadeiro Kang Lee, psicólogo da Universidade de Toronto e autor do estudo.

Questão de fé?

A "aparição" de imagens sacras, como a de Nossa Senhora, Madre Teresa de Calcutá e de Jesus em pães, manchas na parede, biscoitos é algo muito comum e, cientificamente, creditado à pareidolia. Não existe uma explicação, mas pessoas religiosas tendem a ter mais pareidolia. Péricles Maranhão Filho

Para a pesquisadora Sophie Scott, da University College de Londres, o fenômeno também pode ser produto das expectativas. "Ver o rosto de Jesus em uma torrada diz mais sobre como você está interpretando o mundo do que algo que realmente está na torrada", disse em uma entrevista.

Mensagem do Céu

Além das nuvens, é muito comum ouvir relatos de imagens na Lua. O interessante é que em cada parte do mundo, um tipo diferente de imagem é vista por lá. Por aqui, é comum ver São Jorge lutando contra um dragão. Já na Índia, é comum identificar a imagem de uma mulher deitada, conhecida como Ashtangi Mata, mãe de todas as coisas vivas. Ela teria mandado seus filhos gêmeos para ser o Sol e a Lua. Nos Estados Unidos, a figura é do rosto de um homem. E no Japão, um coelho.

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As imagens, novamente, são formadas por conta da pareidolia. Quando olhamos para a Lua vemos áreas iluminadas e escuras, fornadas pela superfície irregular do astro. Esse contraste de luz e sombra contribui para vermos as imagens. O mesmo acontece nas imagens vistas em Marte. A famosa "Face de Marte", fotografada em 1976, nada mais é que uma formação montanhosa parecida com um rosto. Além disso, já foram "fotografados" ursos, esquilos e até rosto de aliens. Por enquanto, a única explicação para tudo isso é, realmente, a pareidolia.

O fenômeno psicológico rende, no mínimo, histórias curiosas. Em 1994, uma norte-americana mordeu um sanduíche de queijo e notou que ele parecia ser uma imagem da Virgem Maria. Diana Duyser guardou o resto do sanduíche por mais de uma década e depois o leiloou por US$ 28 mil. No momento em que ele foi vendido, o anúncio do pão tinha recebido mais de 1,7 milhão de acessos.

 

Fonte: https://noticias.uol.com.br