QUALIDADE DE VIDA

O Marketing das Carnes Vermelhas - Parte 2

carne vermelhaTambém sempre achei estranho o fato de os órgãos oficiais americanos, apesar de aparentar muitas vezes como honrosa prática de verdade científica, ora recomendarem e ora desincentivarem o consumo de alguns alimentos ou substâncias. Nesse perfil está, por exemplo, o polêmico cigarro, considerado no passado importante alavanca para a fixação do ferro em pessoas anêmicas, a chamada anemia ferropriva, e também um “calmante”, uma “muleta psicológica” para pessoas mais nervosas, hoje em dia é considerado o principal causador de diversos tipos de câncer, em especial o de pulmão e esôfago. Porém, já vi muito fumante ultrapassar a barreira dos oitenta e morrer de outras causas. Também nesse perfil estaria o nosso café, que já foi altamente criticado por ser uma substância que provocaria inclusive dependência, uma bebida que seria até mesmo alucinógena, ...

para hoje ser elogiado o seu consumo, desde que na condição de café fresco, feito na hora, para controle e até mesmo eliminação das substâncias oxidantes, consideradas altamente tóxicas para o organismo humano. E já existem correntes de cientistas que afirmam que o café combate preventivamente o câncer de próstata. Da mesma forma o chocolate, antes combatido como causador de dependência aos chocólatras, hoje é considerado bom alimento, por equilibrar os chamados colesteróis bom e ruim, o HDL e o LDL. Os produtores de chocolate aparentemente fizeram um bom trabalho de marketing e conseguiram reverter as posições tanto do FDA como de outros órgãos de pesquisa. Tenho a nítida impressão de que o chocolate em excesso ainda causa problemas de saúde e obesidade. Entretanto, ele contém um princípio ativo positivo, e é nisso que o marketing vai atuar, esquecendo as outras questões que não são tão positivas. O benefício maior do consumo de chocolate, em pequenas doses diárias, suplanta as questões negativas do seu consumo. O consumo em excesso, ou as questões de causar dependência são de outra ordem e natureza. Assim, o marketing, como ciência e atividade, não é ético ou sequer moralista. Pelo contrário, é amoral. Desde que não minta, não precisaria dizer “toda a verdade”.

Uma recente façanha dos polêmicos órgãos de pesquisa americanos está em permitir e até mesmo autorizar que médicos recomendem publicamente, inclusive na TV, o uso diário de uma aspirina para reduzir os perigos de se ter um infarto. Não sou médico, porém tenho bom senso, e recomendo àqueles que pensam em seguir tal dieta farmacológica que consultem antes um gastroenterologista. Se o usuário da dieta da aspirina diária possuir algum tipo de úlcera ou gastrite crônica, na verdade vai cometer suicídio. Com certeza não irá morrer de infarto, porque não vai dar tempo…

Para todas as contradições da pesquisa haveria necessidade de um livro específico, porque não são poucas as controvérsias de alimentos e substâncias que são acusadas de responsabilidade e, ou, causadoras de alguns problemas de saúde, enquanto outras são levadas à condição de salvadoras da pátria. A impressão que transmite é que, conforme o interesse específico de algum grupo industrial alimentício ou farmacêutico, testes e pesquisas são feitos e a divulgação parcial dos resultados nem sempre pode ser chamada de isenta, ou neutra e séria.

O que nos interessa, porém, são as carnes vermelhas, colocadas no “tiro ao alvo” dos cientistas, e que seriam as principais causas do mal do século XX, e também do início desse século XXI, que é o colesterol elevado. As gorduras contidas nas carnes vermelhas, conforme o FDA, são também responsáveis pela generalizada obesidade dos americanos, mas eles “esquecem” convenientemente, os maus hábitos do fast food. A mais nova conclusão dos cientistas americanos é de que carnes vermelhas, provenientes de animais estabulados, criados em confinamentos, seriam efetivamente mais prejudicial ao consumo humano se comparada com o consumo de carne de gado criado a pasto.

Como proposta para ações futuras de marketing dos pecuaristas, este autor sugere aos produtores de carnes em geral que procedam a intensos, profundos e completos estudos científicos, liderados por diversas instituições de pesquisas, universidades inclusas, brasileiras e internacionais, e que de preferência trabalhem isoladas, para determinar, efetivamente, o quanto de mau e de bom traz à saúde humana o consumo de carnes vermelhas, manteiga, ovos, bacon etc., e comparados a alimentos industrializados, se possível. Será o maior e melhor investimento em termos de marketing, pois muitas verdades virão à tona.

Leva algum tempo e custa caro, efetivamente muito caro, mas vale à pena. Façam orçamentos antes para tomar as decisões. Talvez contratar um médico ou cientista aposentado de renome, com experiência e visão, para condensar e sintetizar toda a literatura científica existente seja um primeiro passo, mas a briga lá dentro da arena do “inimigo” seria fundamental para corrigir as questões apontadas. Só o trabalho de um médico poderia demorar uns cinco anos, e os estudos e as pesquisas de universidades e outros órgãos de pesquisa de 10 a até 20 anos. Como afirmei acima, leva tempo e custa caro.

Em toda a Europa, em especial na Itália e França, Portugal e Espanha, consomem-se manteigas, carnes vermelhas e embutidos de carne de porco como salame, copa, presunto, queijos amarelos como parmesão e provolone, todos eles considerados perigosos pela pesquisa e ciência médica americana, mas o colesterol elevado entre os europeus não é um problema generalizado na saúde pública, pelo contrário, a longevidade dos italianos, alemães e ingleses demonstra o contrário. A estatística, que é a mãe de todas as ciências, comprova isso. Existem as chamadas doenças mediterrânicas, mas são de outra ordem e natureza, referem-se à etnia e não à alimentação. Os alemães e belgas consomem salsichas no almoço e jantar, e a população goza de boa saúde, apesar do uso freqüente da carne de porco. Os espanhóis consomem a paeja como nós brasileiros consumimos a feijoada, e nem por isso a população tem problemas endêmicos ou epidêmicos com o colesterol. Percebe-se que há um imbróglio enorme e muita mistificação, meias verdades, informações distorcidas que induzem e influenciam a todos os consumidores de alimentos nas Américas a um comportamento radical de proibições e liberdades no que consumir, misturando culpas judaico-cristãs no ato de se alimentar.

A todo esse pacote de informações se junta o culto ao corpo e ao que se acredita que engorda, como as massas e os doces. Novamente os franceses e italianos mostram sua média de corpos saudáveis, longevos, em alguns casos até mesmo magros, apesar de consumirem todos os alimentos hoje restritos nas Américas. Talvez a sabedoria dos europeus esteja na diversificação dos alimentos, no consumo moderado de comer e beber um pouco de tudo, com pouca ou nenhuma fritura, na chamada “salada colorida”, no enorme consumo de frutas, demonstrando e comprovando que a melhor farmácia preventiva para o ser humano seria a quitanda do bairro.

Enquanto isso, os EUA e os resultados divulgados de pesquisas científicas ditam regras ao mundo, e nós brasileiros seguimos como autômatos o que dizem os americanos, apesar do alto índice de colesterol detectado na população americana, e que hoje em dia alarmam também os médicos brasileiros, porque aqui temos também os altos índices de peso acima do recomendado, e um alto índice de colesterol na média da população, inclusive entre jovens.

(Já os hermanos argentinos preferem nos chamar de “macaquitos”. Fico roxo de raiva nessas horas, mas tem momentos em que devemos admitir que os nossos vizinhos têm um pouco de razão. A ira só ameniza quando ganhamos deles, já na prorrogação…).

Tudo porque eles são glutões, consomem de forma exacerbada hambúrgueres com pão, batata frita, ovo frito, chickens fritos, bacon frito, tudo acompanhado de ket chup (alimento industrializado) e com muita Coca-Cola ou Pepsi-Cola, cujas fórmulas ninguém sabe o que contém, além do açúcar em grande quantidade. Não se esqueçam, ainda, das guloseimas industrializadas, empacotadas, salgadas ou doces, cheias de gorduras trans, como os cebolitos, amendoins japoneses, batatinhas, baconzitos etc.

Nesse tatame, os produtores de açúcar brigam para provar que não são os vilões, e a indústria de refrigerantes, como resposta, lançou os diets e os lights, e tem muitos anos que o circo vai em frente… E os órgãos de pesquisas e universidades americanos aprovam e criticam um pouco de tudo, e vez por outra revêem seus conceitos. Não bastassem os problemas de que são acusadas as carnes vermelhas, de causar o aumento do colesterol, depois de tudo culpam também as carnes vermelhas como as causadoras da obesidade dos mais de 70% da população americana, ou culpam as massas italianas, feitas com trigo americano e canadense. Em verdade, por trás dessas questões existe muito interesse não confessado e escuso de indústrias de todos os tipos, seja a farmacêutica, seja dos médicos que são obrigados a apontar culpados e atiram num inimigo fragilizado pelas críticas banalizadas, seja das indústrias de alimentos processados.

A imagem existente em algumas parcelas da população brasileira, em especial os vegetarianos e as pessoas idosas, é de que o consumo das carnes vermelhas causa mais mal do que benefício. Com toda a certeza um bife frito, um ovo ou bacon frito, ou um hambúrguer frito, contêm muito mais calorias e gorduras polinsaturadas do que uma carne vermelha grelhada.

Outra linha de pesquisa a ser perseguida pelos produtores de carnes é a descoberta relativamente recente de cardiologistas brasileiros, que estão entre os mais respeitados do mundo, de que o infarto do miocárdio tem como causa uma espécie de bactéria, presentes em quase todos os infartados, e, por essa razão, não seriam as gorduras polinsaturadas que entupiriam as veias e coronárias. Seriam bactérias que se alimentam dessas gorduras, e a presença daquelas é que causaria o entupimento das coronárias. Não mudaria a necessidade dos cuidados com as gorduras e com o colesterol, mas demonstraria que há outras causas e também outras formas de combater e controlar o mal dos séculos XX e XXI.

Por si só, isso já seria uma evolução, a par de se estabelecer com verdades científicas o que é que efetivamente causa o aumento do colesterol, se o consumo de carnes vermelhas ou o excesso de frituras, se o consumo exagerado de sal e de diversos produtos industrializados ou a ausência de alimentos e práticas que ajudam a reduzir o excesso de gorduras no organismo, como o vinho, o azeite de oliva extravirgem, as frutas cítricas e os exercícios físicos. Somente um estudo profundo com base científica poderá equilibrar a situação sobre as verdades e mentiras acerca desse ainda polêmico assunto.

Depois disso é só divulgar os resultados das pesquisas e, com toda a certeza, o consumo médio per capita mundial de carne vermelha voltará a crescer. Ignorar o assunto é fugir da briga, é dar ganho de causa ao inimigo sem nenhuma luta, e é pura covardia. Se houver omissão no futuro, como houve até hoje, o consumo per capita poderá cair, não tenhamos dúvidas, pois os vegetarianos demonstram uma invejável capacidade de encontrar e motivar seguidores de suas idéias e comportamentos.
O Brasil já assumiu a liderança mundial nas exportações de carnes, e precisa, urgente, assumir a liderança nessa questão. A postura de líder implica enfrentar o inimigo e não praticar a passividade. No caso das carnes, a questão da informação é vital em termos de futuro.

Outras carnes, pelo menos no Brasil, lutam para conquistar seus espaços: ovinos, caprinos, coelhos, mas não conseguem decolar. A avestruz, no final dos anos noventa, iniciou uma agressiva campanha, dando bons exemplos no marketing e do que se pode fazer. Faltavam ainda criadores suficientes para abastecer o mercado. Não tenho acompanhado de perto a criação de avestruz, porém ainda não vejo criadores reclamando pelos corredores oficiais ou pela imprensa. Talvez porque a avestruz seja, como os ovinos, uma importante fábrica de outras matérias-primas, pois, além da carne, comercializam-se as penas e o couro, com inúmeras aplicações em acessórios como cintos, sapatos, bolsas, pastas, malas e carteiras.

Nas carnes de ovinos, há décadas, vemos uma sucessão de erros mercadológicos, e parece que sempre são imitados pelos caprinos. Por essa razão, não se instaurou entre os consumidores brasileiros o hábito de consumir essas deliciosas carnes. No Rio Grande do Sul, em algumas cidades do interior, nas fronteiras com o Uruguai e Argentina, ou principalmente em fazendas, consome-se carne ovina de excelente qualidade, carne de borrego dente de leite, ou capão. É uma carne saborosíssima e com baixo índice de gorduras.

Mesmo por lá, volta e meia, depara-se com a carne de ovelha velha, que já deu lã em mais de uma dúzia de tosquias, e foi para o frigorífico porque envelheceu. Então sua carne seca, fibrosa e dura castiga seus degustadores e espanta os consumidores. Da mesma forma, os caprinos não conseguem fazer mercado nas carnes, porque preferem a produção de leite.

No caso dos caprinos, assim como nos ovinos, as carnes que chegam ao mercado são de animais envelhecidos. Os consumidores urbanos modernos não sabem como preparar uma saborosa perna de cabrito, prática que apenas as vovós italianas desenvolviam antigamente. Como são pratos da chamada culinária artesanal, que exige criatividade, são cheios de truques no seu preparo, e demorados cuidados para sua conclusão, não atraem os jovens consumidores, nem mesmo em restaurantes.

Na cidade de São Paulo, um centro culinário reconhecido internacionalmente não há mais que três ou quatro restaurantes (todos cantinas italianas) que prepara e serve uma perna de cabrito com qualidade. Dependendo do restaurante, é um prato que tem de ser encomendado de véspera, com reserva de mesa. Se não há produto de qualidade, não há consumidores, e se estes não se interessam em comprar, nada lhes é oferecido. É um círculo vicioso perverso, e a burrice e teimosia, além da passividade, dos criadores de caprinos, ovinos, e também coelhos, se eternizam na inexistência de mercado. Não se explora, entre os consumidores, o que estes mais desejam, que são maiores opções de consumo, pois hoje o consumidor brasileiro está limitado a consumir carne de boi, frango, porco, frutos do mar e alguns raros peixes de rios brasileiros.

Recorro novamente ao exemplo da velha Europa, onde se consome todo tipo de carne. Cardápios de restaurantes, nos açougues e supermercados, incluem carne de coelho, vitela (consumo insignificante no Brasil), carne ovina e de caprinos, carne de cavalo, rãs, afora faisão, pato e animais silvestres etc.

Só precisa um pouco de coragem e investimento, amigos criadores de ovinos e caprinos, de bom senso e honestidade na oferta de carnes alternativas. O consumidor sonha em diversificar. Se houver oferta de produtos de boa qualidade vai haver consumo, não tenham dúvidas. O que não se deve fazer é largar a imagem dos caprinos nas mãos dos políticos. Estes, em época de campanha, consomem em festas e nas casas de eleitores nordestinos, a famosa iguaria do bucho de bode, mais conhecida de ouvir falar do que de consumir.

Qualquer indisposição a partir daí culpam a carne caprina, e fazem troça com a carne de bode, mal cheirosa por conta dos hormônios naturais do animal, garantindo para possíveis consumidores urbanos um afastamento cada vez mais definitivo da condição de futuro consumidor. Permanece o anti-marketing e fica a fama da carne de bode, mal cheirosa e indigesta.

* Richard Jakubaszko, jornalista, publicitário e escritor. Editor da revista DBO Agrotecnologia, e também do blog http://richardjakubaszko.blogspot.com É ainda autor dos livros “Marketing rural: como se comunicar com o homem que fala com Deus” e também do “Marketing da Terra”, ambos pela Editora UFV da Universidade Federal de Viçosa, MG. O presente artigo é um capítulo resumido e adaptado do livro Marketing da Terra, que trata sobre como agregar valor aos produtos da terra através do marketing.

Fonte: http://cardiologistaruipeixoto.com.br/