VERDADES INCONVENIENTES

A Gourmetização do Mundo

gourme topoApesar de apreciar o valor das coisas produzidas delicadamente, buscando ressaltar sabores e um cuidado especial, não posso deixar passar o fenômeno que vem acontecendo. Tudo agora é gourmet e caro. A barraquinha de sanduíche virou foodtruck, o picolé virou paleta e a cerveja agora tem incontáveis variações com formas cada vez mais criteriosas de degustação. Não podemos mais tomar uma cerveja gelada. Precisamos de um evento para degustar uma Indian Pale Ale. Não basta sair para comer com os amigos, precisamos de uma experiência gourmet transcendental. Tudo ficou meio maluco. Apesar da crítica, não acho que devemos ....

nos limitar ao básico e evitar coisas novas, muito pelo contrário. Adoro experimentar novos sabores e tendências, conhecer o que existe de mais interessante e novo mundo afora. O problema fica claro quando nos voltamos contra aquilo que sempre gostamos, simplesmente para dizer que agora nosso paladar é mais apurado. Para mim, a sensação de alguém tentando se sentir superior, tentando demonstrar um gosto mais apurado, fala alto quando vejo os defensores da tendência gourmet.

O que também me incomoda quando é quando tudo se torna apenas uma desculpa social para cobrar mais caro, não agregando nada realmente novo. Fica fácil observar do que estou falando quando vemos os memes do raio gourmetizador, que apenas denuncia o sentimento geral, de que estão cobrando muito pelo mesmo, apenas dando um apelido novo para o produto.

Outro fenômeno curioso e de fácil observação, é que normalmente ninguém assume gostar desse da onda gourmet, mas quase todos desenvolveram algum gosto “rebuscado” por algo. Recentemente ouvi um podcast sobre café onde todos os membros criticavam a gourmetização, mas minutos depois estavam discutindo qual a marca de água e a quantidade de sódio razoável que uma água precisa ter para fazer um café perfeito. Quando questionados, responderam sem pensar muito “Mas isso não é gourmetização, é apenas um gosto por um produto superior”.

Elementar, meu caro Watson.

Eu particularmente admiro cervejas e vinhos, mas sei reconhecer que uma boa Brahma gelada tem seu – enorme – valor. Sei que não preciso gastar mais de 30 reais numa garrafa de vinho e que, o café que gosto mesmo é aquele preto e carregado, da água fervendo, que deixaria os especialistas bem irritados. Recentemente como forma de expressar minha reprovação e testando um novo argumento modelo de escrita, fiz este pequeno texto. A crônica originalmente foi postada no Scribe, mas apresento aqui para quem quiser ler.

Eu só quero uma breja gelada

Eba, hoje é sexta! Vamos tomar uma cerveja. Vamo no Piauí? Piaui não, só vende cerveja normal. Que porra é essa de cerveja normal? Quero tomar uma Trapista. Eu queria só uma Antártica, bem gelada. Cerveja agora não pode mais ser gelada. Adormece as papilas gustativas. Que porra é essa que você ta falando? Pra você sentir as notas frutadas dessa Trapista ela precisa estar entre 13 e 15 graus. Tu tá de sacanagem que agora a moda é beber breja quente, né? Ow Magnata, desce uma Antártica pra mim. Eca, vai beber esse mijo que vendem como cerveja? Tu bebeu essa porra por 30 anos e agora me vem de onda? Tu precisa aprender a beber cerveja de verdade, aí vai ver o que é bom. Se eu preciso aprender, prefiro beber por lazer, sem compromisso, porra. Ih, olha quem ta aê, fala Brunão. Cherife, desce aquele Cabernet Sauvignon pra mim. Porra, só tem safra de 2012? Só bebo de 2010, pode levar de volta. Puta que pariu, vocês só podem estar de sacanagem. Aí, vamos comer alguma coisa? To meio na broca. Que tal aquele Fondue que tem ali na 403? Nós três somos um casal agora? Tá maluco? Não velho, vamos lá no Dog do baixinho, porra. Se é pra comer assim, vamos num Food Truck. Food Truck? Que porra é essa? É uma Van que vende comida. Tipo o Dog do baixinho? Não pô, é bem melhor. O que é melhor lá? Ah sei lá, o sanduba custa 15 pratas. Quinze reais? Pago dois e cinquenta lá no Lobodog e ainda acho caro. Puta merda, vocês estão demais. Vou pra casa, tá díficil acompanhar essa onda de vocês. Alias, trouxe minhas capsulas de Ristretto, Brunão? Não aguento mais o cafezinho que servem lá na empresa. Se não tomar meu nespresso fica impossível de trabalhar.

Por fim, fica meu apelo para que as pessoas busquem experimentar coisas novas, mas entendam que o que é caro não é propriamente melhor. Que que pagar caro apenas por pagar caro prejudica a economia do país e, principalmente, não é porque você gosta daquela cerveja belga de 100 reais, que precisa falar mal da Antártica que tomou a vida toda. Todos podem coexistir com seus momentos e funções específicas.


O termo banalizou-se. Mas afinal, o que é gourmet?


Originalmente, gourmet era um substantivo – referia-se ao “indivíduo que é bom apreciador e entendedor de boas mesas, de bons vinhos e se regala com finos acepipes e bebidas”, como está no Houaiss. Mas virou adjetivo. Passou a qualificar não só pessoas como produtos. E foi adotado por um público sedento pela sensação de exclusividade. Assim como toda tendência tende a passar, talvez amanhã gourmet não seja mais o ápice, e surgirão outras tantas tendências para apreciarmos.


Gourmetização das coisas

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Por Mariana Kalil - Dia desses andei pensando alto e minha voz desabafou: “Não aguento mais essa mania de food truck”. Para minha surpresa, quem estava na volta concordou no ato. Vamos combinar que a moda de food truck passou um pouco do ponto. Está uma overdose. Já estão alugando food truck até para festas de casamento (o que não deveria causar qualquer espanto, já que festa de casamento virou sinônimo de pirotecnia). Tudo agora é food truck. Food truck é a repaginação das carrocinhas que sempre existiram, mas foi recebido neste ano de 2014 como a última descoberta do planeta Terra. Food truck existe desde os meus tempos de guria em Bagé. Saíamos esfomeadas das festas de madrugada, pedíamos um Xis Coração na carrocinha da esquina e sentávamos encantadas na calçada.

Estrogonofe com batata palha era o ápice do prato fino. Hoje em dia, temos que lidar com cardápios que oferecem “cuisses de grenouilles em espuma de kinkan com pistache” e fazer cara de paisagem, como se fosse a coisa mais normal do mundo. Dia desses, assisti a um programa cômico no YouTube que faz uma paródia a respeito desta realidade que estamos vivendo de cardápios engomados, pratos com nomes impronunciáveis, apresentação impecável e preços cada vez mais elevados. O programa apresentou a personagem Julia, que lutava para curar-se de um vício que já ganhou até nome.

Julia conta que começou experimentando um petit gateau por influência dos amigos. “O nome me atraiu bastante”, confessa. Ela, então, levou a gourmetização para todos os lanches e refeições. “No cinema, só como pipoca gourmet”. E admite: “Sou uma gourmet dependente”. A ironia fica ainda mais afiada: “Ouvi dizer que agora tem um pão com manteiga gourmet e fiquei com vontade de experimentar”, ela comenta. O texto cômico do programa diz que a gourmetdependência causa um aumento repentino dos gastos mensais do viciado – e é na Gourmetlândia que sobrevivem pessoas que abdicaram de tudo, viciados que gastam seus salários comendo pão de queijo gourmet e chocolate belga. A gourmetização está onde a gente menos espera, avisa o apresentador da atração. “Antes eu comia em qualquer carrinho de rua. Agora é só food truck mesmo”, debocha outro personagem viciado do programa.

Como diria José Simão, a tucanização do Xis. No último que frequentei, havia hambúrguer com chutney de manga, queijo de cabra e abobrinha grelhada no azeite com pimenta dedo de moça e ceboulete ou hambúrguer de picanha e gorgonzola, queijo gruyère, crispy de bacon, abacate, tomate caqui, cebola assada, alface americana emincé e maionese especial. AGORA ME DIGAM SE VIVER JÁ NÃO FOI BEM MAIS SIMPLES?


2014, o ano da gourmetização. Confira as piores


Por Camila Macedo - Lembra da coxinha de paçoca? Já viu o hambúrguer que custa mais de 200 reais? Pois é! Agora a moda é tornar tudo gourmet e com um preço cada vez maior. Essa ~sofisticação~ de pratos simples já é algo que acontece há muito tempo em restaurantes chiques e aqueles lugares com nomes em francês que a gente nunca sabe como pronunciar. Porém, com o Instagram super em alta e essa moda de fotografar comida, agora qualquer coisa é motivo para virar gourmet.

Esse ano foi campeão em gourmetizações, por isso, nós separamos os alimentos que mais sofreram nessa história e suas piores versões. Olha só:

Coxinha

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Aquela velha amiga das festas infantis foi um dos maiores alvos da frescurização esse ano. O chef Carlos Bertolazzi ficou famoso até em Nova York por causa de suas benditas coxinhas recheadas com carne de pato. Ele contou publicamente que, em uma feirinha americana, vendeu 500 unidades em apenas 3 horas. O preço dessa belezinha? R$ 10, meu bem. Outras versões gourmets com carnes nobres e especiarias também apareceram por aí, mas a pior de todas não é salgada e sim uma invenção doce: coxinha de paçoca. Qual a necessidade disso? Paçoca é incrível por si só e coxinha também, por que juntar os dois e criar uma coisa gordurosa como essa? Ai não!

Bolo

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Bolo não, a moda agora é naked cake. É maravilhoso? Sim, mas também é carinho que só! A ideia é tirar toda aquela cobertura que vai por fora e ficar só a massa simples, um creme como recheio e algumas frutinhas em cima. Agora te perguntamos: se vai tirar coisas do bolo, então por que ele fica mais caro? Eis um mistério…

Hambúrguer

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Sabe aquele hambúrguer de sempre, que geralmente você só comprava em fast food? De um tempo para cá, ele tornou-se prato principal nos restaurantes mais caros do Brasil e ganhou ingredientes chiquérrimos. Fizeram até uma versão com foie gras – aquele patê de fígado de pato ou de ganso que custa uma fortuna – e trufas – que não são as de chocolate. Gostou? Então é só ir ao restaurante e pagar R$ 225 reais por essa delícia.

Cachorro-Quente

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Nem o dogão escapou! Na onda da Copa, uma lanchonete resolveu criar versões temáticas de cada país e, além dos ingredientes típicos, cada um levava a cor da bandeira no pão. Sim! Pão tingido.

Ovo de Páscoa

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Esse já vem sendo gourmetizado há algum tempo, mas esse ano se superou. Alguns modelos mais ~sofisticados~ custavam entre R$ 70 e R$ 100. Lembrando que a ideia original nada mais é do que derreter uma barra de chocolate e colocar em uma forminha, o que custaria no máximo R$ 10. Só que com essa moda de chocolate importado, recheio trufado, nozes e tudo mais, o valor ficou 10x mais caro! Apenas para curiosidade e reflexão: esse ano, o chef francês Jacques Torres quebrou o recorde de ovo de páscoa mais caro do mundo. O preço? US$ 3,2 mil.

Marmita

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Não é comida, mas é tão importante quanto ela e só uma verdadeira boia-fria sabe disso. As marmitas ~voltaram a ser tendência~ e por isso ganharam versões chiques. Sabe aquele pote que você costuma levar arroz, feijão, bife e salada? Bom, isto non ecziste mais. A moda agora é marmita chique com risoto fungi, medalhão de vitela ao molho Bourbon e de sobremesa um crème brûlée com frutas vermelhas. Para armazenar isso tudo, marmitinhas européias de € 33, ou seja, R$ 105. É muita riqueza mesmo! Coisas gourmet são boas? Sim, algumas são maravilhosas! Mas precisa ser sempre assim, precisa cobrar uma fortuna e transformar tudo o que a gente sempre amou em coisas refinadas e inacessíveis? Achamos que não.


Interne reagem a onda de goumertização e o raio goumertização


Em dezembro do ano passado um grupo de empreendedores apresentou o que até então parecia um dos hábitos mais prosaicos de qualquer ser vivo: beber água. E não é questão de ser uma marca cara ou popular. A novidade era a “água gourmet”, feita a partir da condensação da umidade da Amazônia. Cada garrafa sairá por R$ 21. Um pouco antes, uma balde de pipoca “gourmet” também foi apresentado ao público em sua versão refinada, feita com flor de sal do Himalaia. O pote: R$ 35.

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Todos esses produtos, que sempre fizeram parte de nosso cotidiano, ganharam versões supostamente sofisticadas feitas com ingredientes caros e raros. A tendência da “gourmetização” da vida é antiga, mas se tornou popular no Brasil a partir de 2013. Chefs e marcas investiram na novidade como forma de se diferenciar no mercado. No entanto, de uma suposta agregação de valor, o que vem sendo visto no momento é uma saturação que atingiu quase todas as indústrias, dos picolés (agora como ‘paletas’ mexicanas) até rações para animais.

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Cansados de serem apresentados a produtos tão caros e rebuscados, a internet decidiu dar o revide. Esses produtos gourmet viraram matéria-prima para a fanpage “Raio Gourmetizador“, que já possui mais de 65 mil curtidas em pouco mais de três meses. “Nosso picolé do dia dia, que nos refrescamos nas quentes tardes de verão, também foi gourmetizado. Ele é feito de espumante Chandon”, diz um dos posts.

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Tudo começou no final de novembro quando o usuário Doug Erbert (@dougerbert) criou o hipotético super-heroi em um post no Twitter. Em seguida diversos posts levaram à popularização do meme, sobretudo depois da participação da usuário @desativista, que contabilizou mais de 1600 retuítes com uma piada do termo. A imagem usada pela fanpage é do chef escocês Gordon Ramsay, um dos mais famosos hoje na TV e dedicado a apresentar novas versões de pratos clássicos.

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Segundo o professor do curso de gastronomia do Senac, Jair Santos, a gourmetização tem dois lados bem distintos. Por um lado incentiva a inovação na cozinha, é que é ótimo do ponto de vista econômico e cultural. “Quando um chef ou cozinheiro cria um prato ‘gourmet’ não quer dizer que está descaracterizando a maneira clássica, mas sim dando um novo olhar. É uma forma de chamar o consumidor para experimentar aquela nova forma”, explica. “Mas é preciso provar que existe algo de realmente novo naquele produto. Quem está comendo precisa reconhecer a inovação”.

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Santos diz ainda que a popularização do termo deu origem a muitas estratégias de má-fé. “A experiência vai além do rótulo e da apresentação. Muitos profissionais usam o termo apenas para trazer algo mais caro. O Brasil hoje possui acesso a produtos que antes não era tão comuns, o que originou o ‘gourmet’. Isso é bom para a gastronomia, mas é preciso identificar o que é realmente bom.”


Até onde vai a onda da “gourmetização”?


Mesmo usado em excesso e muitas vezes fora de contexto, termo que nasceu para indicar pessoas com paladar sofisticado, não deve desaparecer, mas ganhar novos significados. Difundido pelo gastrônomo francês Jean Anthelme Brillat-Savarin, no livro “Fisiologia do Gosto” (1825), o termo gourmet surgiu como substantivo para designar aquele que tem paladar apurado. Mas com uma ajudinha do marketing, transformou-se, no século 21, em substantivo ideal para classificar tudo aquilo que trouxesse alta qualidade, apresentação sofisticada e um diferencial criativo.

“Esta foi uma forma do mercado publicitário aproveitar o momento de espetáculo midiático vivenciado pela área da gastronomia, no qual chefs se tornaram estrelas, para vender produtos”, explica o professor Ricardo Maranhão, coordenador do Centro de Pesquisas em Gastronomia Brasileira da Universidade Anhembi Morumbi. Ou, como diz Luciana Stein, diretora de conteúdo da empresa de tendências Trendwatching na América Latina, “um recurso do mercado para transformar o que é mundano em algo mais luxuoso ou renovado".

Daí a surgirem de varandas e supermercados, a margarina, água, carvão e até ração para cachorros com o rótulo foi um pulo. Em uma verdadeira “gourmetização” da vida, na qual brigadeiro de castanha-do-Pará, quindim de pistache, coxinha de galinha d’angola e pipoca com curry se tornaram frequente. Assim como as casas especializadas em variações de apenas um prato, seja bolo, éclair, pudim ou lasanha.

“As experiências são válidas e fazem parte da gastronomia, mas boa parte desaparece no turbilhão da incompetência”, afirma Maranhão. Para ele, tentativas de diferenciar alimentos simples como a pipoca “são ridículas”, assim como o próprio neologismo já usado em larga escala pelo público. “Vinte e um por cento dos produtos em geral, no Brasil, já se voltaram a esse conceito. É uma forma das empresas se diferenciarem no mercado e atingirem a grande massa compradora, que nos últimos anos teve mais acesso ao consumo e à informação”, afirma a consultora e professora da ESPM Gabriela Otto.

Mas por mais que muita gente já arrepie só de pensar no termo, não param de surgir novidades que surfam nessa onda. Caso do “bolovo” – salgado recheado com ovo cozido inteiro –, que recentemente ganhou versão com pesto de hortelã e massa de quibe, e da coxinha de panetone, que gerou reações diversas entre o público. Ou das inúmeras sorveterias artesanais com sabores antes impensáveis, como cerveja ou morango com vinagre balsâmico, da premiada Frida & Mina, pera com marrom glacê, da Geleé, ou chocolates de origem, da Bacio di Lattte.

Apesar de controverso, de acordo com Luciana, o termo gourmet não deve se esvaziar tão cedo, mesmo com a overdose do uso. “Ainda tem muita coisa a ser ‘gourmetizada’ pelo mercado”, garante. Segundo Gabriela, o conceito deve inclusive evoluir e adotar novos significados. “Características como sustentável, saudável, natural e voltado ao bem-estar poderão ser agregadas a esse entendimento e podem, com o tempo, até substituí-la, mas há uma sobrevida grande”, analisa a professora.

É de olho nesse próximo movimento que o consultor do mercado de luxo Carlos Ferreirinha decidiu apostar na sofisticação da popular marmita. Afinal, é preciso ter uma embalagem a altura para transportar a barrinha de cereais e a maçã gourmet. No início de dezembro ele e o sócio Carlos Otávio (ex-executivo do Cinemark) inauguraram em São Paulo a primeira BentoBox, loja especializada em embalagens diferenciadas para transportar comida. Algumas com design premiado e preços que vão de R$ 45 a R$ 300. “Não é o recipiente pelo recipiente, estamos apenas jogando luz em um hábito que não tinha prestígio, mas que tende a crescer”, diz Ferreirinha, certo de que mais do que buscar alimentos diferenciados, as pessoas passarão a ter mais consciência alimentar e escolherão em casa o que comer ao longo do dia.


Abaixo a gourmetização do mundo!


Por Cristina Moreno de CAstro - Apesar de não ter sido selecionada entre as finalistas do Concurso de Marchinhas, a música "Explosão Gourmet", de Alexandre Pimentel e Guilherme Freitas, tem, para mim, uma das melhores letras entre os candidatos deste ano. Já faz tempo que quero escrever um post sobre isso, mas eles, de forma irônica e divertida, disseram quase tudo o que eu penso dessa gourmetização que vivemos hoje em dia.

Outro dia tive que ir a um salão de beleza (uma das coisas que só faço a cada seis meses, e olhe lá; toda vez que invento de fazer a unha com manicures profissionais, elas me arrancam um bife e saem se justificando: "Nossa, mas como sua cutícula é fininha, né! Parece de um bebê". Eu fico com cara de já-sabia-que-iam-fazer-isso-então-deixa-pra-lá-mas-nunca-mais-volto-aqui). Como eu ia dizendo, tive que ir a um salão, mas este era tão metido a besta que o nome era "estúdio" (ou studio?) não sei das quantas. E aí percebi que: se o salão é normal, chama salão. Se é gourmetizado, virou instituto, estúdio ou ateliê de beleza.

Padaria gourmetizada é ateliê de pão. Cafeteria gourmetizada é laboratório de café. Lanchonete gourmetizada é poãodequeijaria. Os prédios de luxo não vêm mais com churrasqueira coletiva, vêm com "espaço gourmet". E, é claro, se alguma coisa ganha este adjetivo pendurado no nome, o preço dobra ou triplica. Gourmetizar é tipo o tucanizar, cunhado pelo brilhante Zé Simão, mas muito piorado. Porque não é raro que qualquer feijão com arroz da vovó seja tachado de gourmet – e aí, meu amigo, prepare para pagar o preço de um caviar. É tipo a galinhada do Alex Atala: é a galinhada da vovó, idêntica, mas com grife. Galinhada gourmet.

Já inventaram picolé gourmet, sorvete gourmet, brigadeiro gourmet, vinho, cerveja, praticamente tudo. Falta o torresmo gourmet, pra acompanhar a cachaça, já gourmetizada há tempos (outro dia fui a um restaurante que tinha "cachaçaer", o sommelier da cachaça). Fica a ideia: quem lançar o torresmo gourmet vai ganhar o meu respeito e admiração! O paradoxo que junta a sofisticação com a tosqueria, praticamente uma versão culinária da marchinha zoada que ficou de fora do concurso de Carnaval.


A gourmetização da felicidade


Por Fernanda Nêute, 03/03/2015 - Depois de passar 18 meses viajando pelo mundo, voltei ao Brasil por 45 dias para passar as festas de fim de ano e todo o mês de janeiro. Visitei três das principais capitais do país – São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte – e confesso que um fenômeno (predominante em São Paulo, eu admito) me assustou: a gourmetização. Segundo a Wikipedia, gourmet é um ideal cultural associado com a arte culinária da boa comida e bebida. Assim, um vinho ou um restaurante pode se intitular gourmet quando possui alta qualidade e está reservado a paladares mais avançados e a experiências gastronómicas mais elaboradas. Por consequência os produtos e ou refeições gourmet são normalmente mais caras que os seus equivalentes não gourmet.

O que eu tenho percebido cada vez mais é que uma pequena parcela da população, mas que é grande em número de pessoas quando vivemos em um país com 200 milhões de habitantes, não tem tempo nem energia para se deslocar de suas bolhas e acaba disputando desesperadamente os mesmos produtos, serviços e lugares. Isso se agravou com a popularização da internet e das redes sociais. Hoje, todo o mundo acaba tendo conhecimento de tudo em tempo real e qualquer coisa rapidamente vira objeto de desejo. Basta a blogueira X, a celebridade Y ou até mesmo aquela pessoa descolada do seu trabalho postar uma foto de qualquer coisa no Instagram para que os seguidores queiram aquilo imediatamente.

Também é natural do ser humano a necessidade de se sentir único e especial mas, num mundo onde tudo é cada vez mais acessível, está ficando mais difícil ser diferente e, por isso, aumenta a cada dia a demanda por serviços premium, VIP e, agora, gourmet. Como consequência disso, uma outra coisa começou a chamar minha atenção, um fenômeno ainda silencioso: a gourmetização da felicidade. De repente, parece que ser feliz com o que se tem, com o que se é, virou um sinal de comodismo, de vergonha já que a “felicidade verdadeira” é aquela que só vamos sentir quando acontecer algo grandioso ou fizermos algo espetacular.

A impressão que eu tenho é que, atualmente, não se pode mais ser feliz com o emprego que se tem, é preciso pedir demissão e se tornar um “empreendedor”. Não se pode ser feliz viajando nas férias, é preciso largar tudo e sair por aí rodando o mundo num sabático. Não se pode ser feliz sendo apenas magra, é preciso ter a barriga negativa e a bunda dura.

Para ajudar, no mundo de hoje é quase impossível não ser lembrado o tempo todo de que alguém, em algum lugar, está fazendo algo mais legal do que você e, infelizmente, uma das formas que temos de mensurar as nossas vidas é nos comparando com os outros, mesmo que inconscientemente. E, nessa busca constante pelo extraordinário, pela diferenciação e pela exclusividade, nos sentimos cada vez mais ansiosos, inadequados e infelizes, pois é impossível viver uma vida sem nenhum tipo de dor ou frustração.

A verdade é que deveríamos admirar cada vez mais aqueles que encontram satisfação naquilo que é simples, nos prazeres do dia a dia, no ordinário, coisa rara atualmente. Não se deixe iludir pela felicidade gourmet. Ela provavelmente custa mais caro e nem sempre é melhor do que a versão mais simples e tradicional.

Fonte: http://mneniye.alberto.io
revista Food Service News
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