VERDADES INCONVENIENTES

Por que o asfalto brasileiro é mesmo uma porcaria

asfal130/07/2014, por Marco Prates - Não, você não está louco se viaja para o exterior e fica sem entender porque nossas estradas têm mais buracos e o recapeamento das vias urbanas não aguenta uma chuva. No primeiro semestre deste ano, o Tribunal de Contas da União (TCU) resolveu fazer uma fiscalização mais rigorosa e in loco de 11 estradas completamente novas ou refeitas pelo país. Em tese, todas elas deveriam cheirar a asfalto novo e serem lisas como gelo de quadra de patinação (sem a parte escorregadia). Mas o que o TCU encontrou, para ficar em um exemplo extremo, foi a BR-316, no Maranhão. Em seu primeiro ano de vida nova, ela já apresentava problemas em 82% de sua extensão,“inclusive com trechos em que não há mais revestimento asfáltico”, dizia o relatório do tribunal. Era uma rodovia que deveria durar oito anos, segundo o contrato.

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Trata-se de um episódio absurdo, mas poucos brasileiros se dirão consternados por ele. Muito provavelmente, porque estes mesmos brasileiros se lembram das últimas obras de recapeamento de vias em suas cidades, tão comemoradas por políticos locais. Na maior parte dos casos, como disse um especialista ouvido por EXAME.com, elas não duram “duas chuvas”. Diante deste cenário, em que as autoridades desejam que os cidadãos comemorem operações tapa buraco – por si só um atestado de trabalho mal-feito, seja no projeto, na construção ou na manutenção – é de se perguntar porque as estradas em países desenvolvidos não só parecem melhores, como duram mais.

Para tirar o assunto a limpo, EXAME.com conversou com dois professores universitários que lidam com pavimentação diariamente tanto em sala de aula quanto na prática, por meio de empresas de consultoria em engenharia. As declarações, cujos trechos estão transcritos abaixo, não são nada surpreendentes, mas servem para constatar o óbvio: é hora de se exigir que novas rodovias sejam feitas com projetos técnicos realistas, que estes sejam integralmente seguidos pelas construtoras e posteriormente checados pelo governo na entrega. E que, daí, se siga a manutenção.

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Hoje, segundo especialistas, falhamos em todas essas etapas, e não por falta de capacidade. É certo: a conta sai muito mais salgada no “modus operandi” atual do que se houvesse seriedade em todo o processo.

Voltemos ao exemplo que abre esta matéria: os 107 milhões que saíram dos cofres públicos para recapear a BR-316 – um investimento que deveria durar no mínimo 8 anos, vale lembrar – foram seguidos por uma nova licitação apenas três meses após a entrega. Era preciso, afinal, recuperar o que já havia sido recapeado. De graça? Claro que não. O custo foi de outros 72 milhões de reais.

Veja abaixo trechos dos depoimentos dos dois especialistas em pavimentação.

Dickran Berberian, professor da Universidade de Brasília (UnB), e presidente da Infrasolo, empresa especializada em patologia de edificações

Respeito

“Nós, brasileiros, conhecemos muito bem a questão da pavimentação. Temos solo extremamente propício. Temos asfalto (material produzido pela Petrobras) da melhor qualidade. O que falta no Brasil é vergonha. Não há outra restrição, como ocorre para outros povos. Existem aqui dois tipos de pavimentação: a da técnica correta e a política. A política é aquela antes das eleições, que tem vida útil de duas chuvas”.

Água

“O leigo imagina que o revestimento asfáltico (que fica por cima) é o mais importante na durabilidade e segurança. É importante, mas não o mais. Isso porque, para se fazer o asfalto, começa-se da camada original do terreno, chamada de sub-leito. Essa camada é feita de terra e solo compactado. É a espinha dorsal do pavimento. E o solo não gosta de água. Se molhar, perde a resistência. Essa é no fundo a principal função do revestimento: não deixar entrar água no sub-leito, na sub-base e na base”.

“O buraco é um atestado de negligência. Começa assim: se o asfalto deformar mais que o limite calculado, se produz uma trinca, que é o primeiro câncer. Na primeira chuva, a água desce pela trinca. Ela enfraquece a estrutura que é de solo. Na próxima chuva, já se cria deformação. Na chuva seguinte, a água já entra pelas trincas e laterais não protegidas. No próximo ano, aquela deformação vira panela. E na próxima, cratera. E dá-lhe tapa buraco, réplica do tapa buraco e tréplica do tapa buraco. Falta a manutenção do nosso asfalto. Pode-se fazer um paralelo com dor de dente: tratou a cárie no começo não tem dor, não toma tempo, não fica caro e não perde o dente”.

Fiscalização

“Outro problema são os projetos que já vêm do governo com restrições de verba, e o pouco que vem é mal operacionalizado em parte pelo fiscal, o servidor. Do lado do governo, existe a questão do fiscal que aprova e recebe – e o governo paga – uma rodovia sem que ela esteja bem feita. Muitos entram em esquemão (com as construtoras), que é afinal o grande problema desse país”.

Exigência baixa

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“A estrada tem que ser lisa, não pode ter sinal de emenda entre uma faixa e outra. Por uma questão cultural, os fiscais e executores acham que aquele padrão está bom. Também não estamos acostumados a ver coisa de qualidade com o mesmo custo.

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Há pessoas que estão felizes (com novas estradas e recapeamentos) e nem sabem que, com o imposto que se paga, dá para fazer coisa muito melhor. O próprio operário não tem capricho de ver a coisa bem feita. Isso não quer dizer que já não foi pior”.

Tecnologia

“De certa forma, estamos um pouco parados no tempo (em relação à tecnologia de pavimentação), mas mesmo com as metodologias dessa época (50 anos atrás), se seriamente executadas, 90% dos problemas não existiriam”. João Virgílio Merighi, professor de engenharia da Universidade Presbiteriana Mackenzie e diretor técnico da Latersolo

Projetos

“Isso é falta de respeito para com a sociedade. Pavimento tem projeto e muitas vezes nem se faz um. São eles que determinam as espessuras mínimas necessárias considerando o uso (da rodovia) e os materiais (que serão usados). E ocorre muito o seguinte: “olha, para consertar a estrada, a espessura deve ser de 7 cm”, mas aí vem um político e fala que só tem dinheiro para 3. O que se faz? Pega o dinheiro, divide pelos quilômetros que se quer fazer e se encontra a espessura”.

“Quando o TCU reclama, não é só da camada de cima do pavimento. É uma sucessão de erros. Se fosse só na ultima camada, se poderia errar o quanto quisesse. Sempre parabenizo o TCU quando eles batem forte, mas, na verdade, o que precisamos é modelo de contrato em que empresas são punidas. Isso aconteceu nos Estados Unidos nos 90”.

Tecnologia

“O país está atrasado tecnologicamente. Mesmo usando tecnologia dos anos 60, fazemos pavimentos bons. (Em relação às rodovias do exterior) Também conseguiríamos fazer bons pavimentos, mas não tão bons quanto. Por exemplo, quando você dirige um carro e está chovendo, é importante ter aderência para o carro não derrapar. Nosso método antigo não prevê isso. O método moderno entra ainda com aderência para um veiculo que esteja a 100 km/h parar, por exemplo”.

Material

“Tem também a qualidade de materiais. Quantos fabricantes de asfalto temos no Brasil? Um, a Petrobras. Não tem concorrência. O que existe é a indústria de aditivos químicos para melhorar qualidade do asfalto e aumentar a resistência do material. Será que eles são colocados conforme estão escritos nos editais? Além disso, você tem um país com extensões e climas diferentes, mas tudo é colocado no mesmo saco. Muitas vezes, estão empregando técnicas e tecnologias do Sul em obras lá no Norte. A nossa infraestrutura daqui, no Norte dura 6 meses ou um ano”.

Qualificação

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“Não temos pessoas de elevado nível técnico para atender a demanda. Muitas vezes, não é dinheiro: precisa-se é de gente capacitada. Metade ou mais (dos engenheiros) não estão. Muitos estão errando e não sabem, por falta de conhecimento técnico. Isso é um grande entrave”.

Custo

“(Para se fazer estradas de boa qualidade e durabilidade) Você teria um acréscimo, grosseiramente, de 20 a 30% no preço. Basta fazer bem feito. Tem que selecionar solo e fazer obra com engenharia. Pavimento é para se pensar de 40 a 50 anos. Mas a conversa começa em pelo menos 20 anos. É só controlar a obra. Minha sugestão é colocar nas placas a durabilidade prevista. Só por no edital: “se arrebentar antes, você paga a conta”. Todo mundo vai tomar cuidado, desde que se diga “olha, a durabilidade é de 30 anos, se acontecer algo em 5, 10, 15, você vai pagar a conta”. O governo ainda está começando a exigir desempenho”.


SP utiliza asfalto ruim e serviço é mal feito

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2013 - “Do jeito que o serviço é feito na capital, é o mesmo que jogar dinheiro fora”. A afirmação é do engenheiro civil e doutor em tecnologia de asfaltamento pela USP João Virgílio Merighi. Na semana passada, acompanhado pelo Metro, o especialista vistoriou avenidas e ruas em Pinheiros e Higienópolis, além de um ponto da operação tapa-buraco na zona norte. Em todos os locais foram detectados problemas. Segundo Merighi, a composição da massa asfáltica usada na cidade é feita de maneira errada, o que facilita a formação de defeitos na pista. Além disso, o serviço é feito sem o acompanhamento técnico adequado, e há problemas graves na execução do recapeamento

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A cidade tem 17 mil km de ruas e avenidas, por onde circulam diariamente 3,6 milhões de veículos. Na manutenção das vias, a prefeitura utiliza uma massa asfáltica composta de 5,2% de asfalto, 63% de pó de pedra e 31,8% de pedras. Merighi diz que as proporções de pedra e pó de pedra deveriam ser invertidas: “isso não ia gerar custos adicionais”. De acordo com ele, como é feito atualmente, o asfalto fica muito liso, facilitando derrapagens e a deformação do piso. É o que acontece no primeiro local vistoriado, a Avenida Faria Lima. Próximo ao largo da Batata, o engenheiro identificou um grande número de ondulações na pista e buracos em trechos que passaram por recapeamento há pouco tempo. “Esse asfalto tem cerca de dois anos e já tem vários buracos e rachaduras”.

No local ele também apontou que os chamados “poços de visita”, bueiros colocados na pista para a execução de serviços de reparo de luz, água e telefone, estão abaixo do nível do asfalto “Dessa forma, os veículos batem na beirada das tampas e quebram rapidamente o asfalto”. A prefeitura diz que o asfalto usado na cidade dura pelo menos 10 anos. No entanto, segundo Merighi, em alguns lugares a obra resiste poucas horas. “Acompanhei a pavimentação no trecho da esquina das ruas Itambé e Maria Antônia, em Higienópolis, na semana passada. Em seis horas já apareceram as primeiras rachaduras”. Ele afirma que isso acontece por conta de falhas na colocação do asfalto e na compactação do solo. “A primeira chuva vai infiltrar nessas rachaduras e destruir o piso em pouco tempo”.

Para acompanhar a operação tapa-buraco o engenheiro e a reportagem foram à Rua Henrique Fontenelli, no Parque São Domingos, na zona norte. “Não há fiscalização. O asfalto está sendo colocado em uma pista com rachaduras. Vai ter infiltração logo. O material não tem uniformidade e não testaram a massa. Em pouco tempo, tudo isso vai por água abaixo”. Em nota, a Superintendência das Usinas de Asfalto, órgão que faz o asfalto usado na cidade, disse que o padrão adotado para a operação tapa- buraco segue as normas elaboradas pela Secretaria de Infraestrutura, revisadas em conjunto com pesquisadores da USP. De acordo com a prefeitura, só no primeiro trimestre desse ano, foram tapados 100 mil buracos. Cada reparo sai, no mínimo, R$ 80.

 

Cinco fatores que tornam o asfalto brasileiro tão ruim

 

08/05/2017 - Há exatos seis meses um levantamento realizado pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) revelou que mais da metade das rodovias brasileiras estão mal conservadas. Dos 103.259 km de rodovias pavimentadas avaliados em todo o Brasil, 60.165 km foram classificados como regulares, ruins ou péssimos, o que equivale a 58,2% do total avaliado. Mas nem seria preciso ir tão longe para notar que pavimentação não é um campo de destaque do poder público brasileiro. Uma volta pelo seu bairro já serve como amostra da falta de cuidado com nosso asfalto (e calçadas e afins, mas isso é papo para outra hora).

Essa situação ridícula tem explicação, e ela é exatamente o que você deve estar imaginando: uma mistura de corrupção, monopólios, falta de comprometimento com a qualidade de obras públicas e falta de fiscalização, como veremos neste post.

Mas antes…

Antes de começar precisamos entender como é feito o asfalto. Aliás, o que chamamos de “asfalto” na verdade se chama pavimentação — o asfalto é apenas um material usado no revestimento de alguns tipos de pavimentação. Seu nome completo é concreto betuminoso usinado a quente, e ele é misturado a materiais como areia e brita para formar a superfície da pavimentação.

Apesar de uma superfície lisa e suave ser frequentemente associada à qualidade da pavimentação, ela é só a embalagem deste produto. Seu conteúdo é que dirá se ele é bom ou não. E esse conteúdo são as três camadas inferiores, chamadas de subleito, sub-base e base.

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Um bom processo de pavimentação começa com a terraplenagem do terreno, que precisa ser compactado e preparado para suportar de forma adequada as camadas que virão por cima. Essa camada é chamada de subleito, e normalmente consiste do solo natural compactado com outros tipos de solo para que fique estável. Acima vem uma segunda camada de cerca de 20 cm chamada sub-base, que é formada por cascalho e pedregulhos. Em seguida, usa-se uma terceira camada também feita de cascalho e pedregulhos porém compactados e só então é aplicada a capa de asfalto que dará suavidade no acabamento e também impermeabilizará o conjunto, impedindo que a água das chuvas cause erosão na pavimentação. Se tudo isso for executado da forma correta, você terá uma pavimentação com qualidade e durabilidade. Caso contrário, ela ficará como você vê na maioria das ruas e estradas do Brasil.

Os motivos?

1-Execução inadequada

Tudo o que explicamos acima é o método ideal de pavimentação, mas os problemas do nosso asfalto começam antes disso, na execução da obra. Ou melhor, antes mesmo da execução: no Brasil muitas vezes a pavimentação é executada sem projeto algum, como contou João Virgílio Merighi, professor de engenharia da Universidade Presbiteriana Mackenzie à revista Exame em uma entrevista de 2014.

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Mesmo quando a obra tem um projeto, ela esbarra em outro empecilho antes de seu início: o orçamento. Além de ter uma restrição de verbas do governo, o modelo de contratação por licitação favorece quem faz o trabalho pelo menor preço e, embora isso pareça positivo pois, em tese, há uma economia de dinheiro público, no fim das contas o projeto é que acaba adequado ao orçamento, e não o contrário.

Coisa fina

Como resultado, há uma redução de custos que afeta desde a terraplenagem (com uma compactação insuficiente) à espessura das camadas, como observou o professor Merighi, na mesma entrevista: “‘Olha, para consertar a estrada, a espessura deve ser de 7 cm’, mas aí vem um político e fala que só tem dinheiro para 3. O que se faz? Pega o dinheiro, divide pelos quilômetros que se quer fazer e se encontra a espessura”.

Não por acaso, as rodovias sob concessão, cuja manutenção é feita com recursos privados e obrigatória por cláusula contratual, são as rodovias com a melhor avaliação de qualidade da pavimentação.

2-Pavimentação inadequada

Além da execução mal-feita, a escolha do método de pavimentação muitas vezes é inadequada à sua finalidade. Durante o planejamento do projeto é preciso levar em consideração fatores como o fluxo de veículos, a estabilidade do terreno e o clima local. Sim, até mesmo o clima: o tipo de asfalto usado no clima sub-tropical das regiões Sul e Sudeste do Brasil não pode ser o mesmo usado no clima equatorial da região Norte, tanto por sua temperatura de aplicação, quanto por sua resistência às chuvas e temperaturas médias.

Outro exemplo é o tipo de pavimentação adotado nos grandes corredores rodoviários. Segundo o IBGE, 61% do transporte de cargas, mercadorias e passageiros é feito por rodovias e, embora pareça um número elevado, esse índice está muito próximo de países como os EUA (60%) e Alemanha (70%). A principal diferença, contudo, é como estes países pavimentam suas rodovias.

Nos EUA, os grandes corredores viários, onde há um fluxo mais intenso de caminhões pesados, a pavimentação é do tipo rígido. Você provavelmente a conhece como pavimentação de concreto e certamente já a viu: a superfície é mais clara, mais áspera e formada por placas devido ao coeficiente de dilatação do material. No Brasil esse tipo de pavimentação é usado em alguns trechos do Rodoanel Mário Covas em São Paulo e tradicionalmente em corredores de ônibus para resistir às frenagens sem deformações em longo prazo.

Pavimentação rígida, feita de concreto de cimento

O método de construção da pavimentação rígida é mais simples, combinando base e superfície em uma única camada disposta diretamente sobre o subleito trabalhado. A principal vantagem desse tipo de pavimentação é que por não ser flexível a superfície absorve maior parte das tensões e distribui as cargas por uma área relativamente maior, de forma que ela é transferida em menor intensidade para o solo e também não é afetada diretamente pela qualidade do subleito por sua característica estrutural (embora seja necessário adequar o solo para suportá-la corretamente).

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Pavimentação de concreto reforçado por aço

Em determinados projetos a pavimentação rígida usa até mesmo reforços de aço (concreto armado) para aumentar sua resistência. Sua durabilidade é oito vezes maior que a pavimentação flexível (asfalto) — se executado adequadamente uma pavimentação de concreto dura ao menos 20 anos.

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Na Alemanha o tipo de pavimentação mais comum é a flexível, com revestimento de asfalto como a usada no Brasil. Contudo, como dissemos lá no começo, é o que está abaixo da superfície que faz a diferença: nas autobahnen as camadas de base, sub-base e revestimento variam entre 55 cm a 85 cm dependendo da região. É a altura de uma mesa de jantar de pedras, terra, solo e asfalto.

E no Brasil? Estima-se que menos de 5% das rodovias use pavimento rígido (concreto). E nas rodovias com pavimento flexível, segundo os manuais técnicos do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), a espessura total das três camadas pode variar de 25 a 55 cm — um dimensionamento inadequado como veremos no próximo tópico.

3-Métodos e tecnologias ultrapassadas

Um estudo realizado pelos engenheiros João Rodrigo Mattos, Klaus Theisen e João Albano, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e José Antônio Echeverria, do DNIT/RS, concluiu que os métodos de dimensionamento da espessura de pavimentos flexíveis adotados no Brasil não são ideais e precisam ser revistos pois as espessuras vigentes são insuficientes para rodovias de alto tráfego. Os engenheiros avaliaram que a normatização brasileira sobre dimensionamento de pavimentação (aquela dos manuais do DNIT) não apresentou evolução desde 1966. Naquele distante ano, a frota brasileira, segundo o Sindipeças, tinha menos de 2,5 milhões de veículos. Atualmente são mais de 42 milhões de veículos em circulação segundo a mesma instituição.

Nessas cinco décadas a tecnologia de pavimentação evoluiu em diversos aspectos de forma que é possível otimizar a aderência dos pneus em condições de chuva, reduzir o ruído de rodagem, aperfeiçoar a drenagem de águas pluviais e até mesmo usar modelagem computadorizada para simular e testar soluções antes de iniciar a obra, economizando dinheiro e melhorando a qualidade da pavimentação.

Somente algumas das novas tecnologias são aplicadas por empresas concessionárias de rodovias, que são obrigadas por contrato a manter a pavimentação bem conservada.

O asfalto-borracha é o exemplo mais comum de tecnologias mais avançadas em uso no Brasil. Esse tipo de asfalto usa um pó de borracha, resultante da trituração de pneus usados, que é misturado à liga asfáltica. Ele é usado nos EUA há mais de 40 anos, mas só começou a ser adotado no Brasil a partir de 2001, quando sua patente expirou. Atualmente cobre apenas 8.000 dos 170.000 km de rodovias pavimentadas em todo o país, mas traz benefícios como redução do ruído de rodagem, aumento da aderência, aumento da resistência a fissuras por sua maior flexibilidade, e redução do spray em condições de chuva. O custo, contudo, é 40% mais elevado que a pavimentação com concreto asfáltico convencional.

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Outro tipo aplicado em rodovias concedidas é o asfalto morno, que também usa pó de borracha de pneus em sua composição. Esse tipo de asfalto pode ser aplicado em temperatura até 40º C mais baixa que o asfalto quente convencional. Sua principal vantagem é a redução de custo e menor probabilidade de aplicação inadequada, justamente por permitir uma aplicação em temperaturas mais baixas.

4-Manutenção inadequada

Nos últimos anos os gestores públicos inventaram as operações de manutenção batizadas de “Tapa-Buraco”, das quais se orgulham como se estivessem levando a sério a qualidade da pavimentação das ruas e rodovias. E o problema começa pelo nome “tapa-buraco”, que denota algo provisório e improvisado, geralmente não muito bem-feito. Com um nome desses, o resultado da manutenção não poderia ser muito melhor que um remendo que não irá durar muito tempo.

Vai ficar muito bom!

Para reparar um buraco aberto na camada de revestimento da pavimentação de forma adequada, é preciso remover parte da camada ao redor do buraco juntamente com o revestimento deteriorado. A superfície precisa estar seca, e a massa asfáltica do reparo deve ter a mesma composição do pavimento. Contudo, devido à facilidade de reparo, convencionou-se nos últimos anos a usar um tipo de cimento asfáltico chamado “tapa-buraco”, vendido em sacos e aplicado a frio sobre o asfalto danificado. Com granulação e composição diferente, e aplicação incorreta, o reparo se torna um remendo frágil, que não irá impermeabilizar as camadas inferiores — o que fatalmente irá resultar em novos danos, provavelmente ainda mais extensos.

5-Falta de fiscalização – das obras e do tráfego

Toda obra pública executada por uma empresa privada é fiscalizada pelo poder público, que tem a obrigação de garantir que a execução está de acordo com o projeto aprovado. O problema aqui é que, uma vez pago, o projeto é aprovado e entregue mesmo que não esteja de acordo com o contratado — como mostrou uma fiscalização minuciosa do Tribunal de Contas da União em 2013 em 11 rodovias novas ou recuperadas que apresentaram problemas logo no primeiro ano após a entrega (clique aqui para baixar o arquivo).

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Sim, rodovias têm garantia como qualquer obra, conforme definido pelo Código Civil. Porém aqui voltamos à questão da manutenção inadequada: os eventuais reparos são feitos de forma provisória, o período de garantia logo expira e no primeiro dia do sexto ano o que resta é uma rodovia nova remendada. A solução para esse tipo de descaso está no modelo praticado nos EUA e na Europa: o projeto prevê uma durabilidade mínima, e o contrato prevê a responsabilidade da empreiteira pelos eventuais defeitos de construção que surgirem antes deste prazo estabelecido.

A outra fiscalização falha é a de excesso de peso dos caminhões que trafegam pelas rodovias. Em Mato Grosso do Sul, somente três balanças fiscalizam 16.000 km de rodovias — e nenhuma delas está em rodovias estaduais. Em Minas Gerais as balanças foram desativadas no final de 2014 e até hoje não foram reativadas. No Rio Grande do Sul as rodovias estaduais não têm balanças. Em Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, a balança que controlava o peso dos caminhões na BR-101 (a principal rodovia da região) foi desativada nos anos 1990 e até hoje não foi reativada. No Ceará, 30% dos caminhões que circulam no estado têm excesso de carga.


Fonte: http://exame.abril.com.br/
           http://noticias.band.uol.com.br/