VERDADES INCONVENIENTES

Os privilégios do judiciário brasileiro....A VERGONHA NACIONAL ! Parte 1

togpri topoPor Luigi Mazza, Plínio Lopes e Renato Buono, 07/09/2020 - Num um período de cinco anos, de 2014 a 2019, o Judiciário brasileiro ficou 10 bilhões de reais mais caro. No ano passado, consumiu 100 bilhões de reais dos cofres públicos – 1,5% do PIB –, dinheiro usado, sobretudo, para pagar salários. Poupados do esboço de reforma administrativa do governo federal, juízes e desembargadores têm regalias como poucos servidores. Um juiz estadual custa, em termos salariais, o mesmo que doze auxiliares de enfermagem.

São 33,4 mil reais por mês, em média, mas muitos ganham mais do que isso. Mesmo na pandemia, mais da metade dos juízes estaduais com dados disponíveis recebeu pagamento acima do teto do funcionalismo, de 39,2 mil reais. Além dos salários, há os benefícios extras, como auxílio-moradia e indenização por férias não tiradas. Em 2019, esses penduricalhos custaram ao menos 415 milhões de reais ao país – o dobro do que foi gasto de cota parlamentar pela Câmara dos Deputados. Um só juiz de Minas Gerais embolsou 674 mil reais de prêmio pelas férias que não tirou. O =igualdades mostra o tamanho e os privilégios do Judiciário no Brasil.

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Em 2014, o custo total do Judiciário brasileiro foi de 90,3 bilhões de reais, em valores corrigidos. Cinco anos depois, em 2019, esse valor chegou a 100,2 bilhões de reais. O dado leva em conta todas os tipos de despesa. A maior fatia vai para o pagamento de salários.

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Os gastos do Brasil com o Judiciário – 100,2 bilhões de reais em 2019 – equivalem a 1,5% do PIB. Na Espanha, foram gastos 3,1 bilhão de euros com o Judiciário, o mesmo que 0,47% do PIB espanhol. Ou seja, o Judiciário brasileiro custa o triplo do espanhol, proporcionalmente.

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O custo dos magistrados não é igual em todo o Brasil. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) é o que mais gasta com juízes, levando em conta salários e outras despesas: uma média de R$ 76,8 mil por mês. Já o Tribunal de Justiça do Pará (TJPA) é o que menos gasta: uma média de R$ 35,6 mil por mês por magistrado.

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Um juiz dos Tribunais de Justiça estaduais recebe, em média, salário de 33,4 mil reais. É o equivalente ao que recebem, no funcionalismo estadual, 1,2 defensores públicos (27,5 mil), três oficiais de Justiça (11,3 mil reais), cinco assistentes sociais (6,7 mil) e doze auxiliares de enfermagem (2,7 mil).

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Em 2019, o Judiciário brasileiro pagou ao menos 415 milhões de reais em benefícios a juízes e desembargadores, como auxílio moradia, auxílio-saúde, auxílio pré-escolar e indenização por férias não tiradas. O cálculo não leva em conta o STF e a Justiça Eleitoral. Esse dinheiro é o dobro do que os deputados federais gastaram com cota parlamentar no mesmo período (208 milhões de reais).

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Em abril de 2019, um juiz do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) recebeu 674 mil reais como indenização por férias não tiradas. O valor seria suficiente para bancar os salários dos onze ministros do STF por mais de um mês.

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Durante a pandemia, de março a julho de 2020, um total de 7,3 mil juízes de 20 tribunais de justiça estaduais tiveram rendimentos líquidos acima do teto salarial do funcionalismo público – atualmente de R$ 39,2 mil. Ou seja: mais da metade dos 13,5 mil magistrados com dados salariais disponíveis recebeu ao menos um pagamento com valor acima do teto.

 

A “caixa preta” dos privilégios no judiciário brasileiro

 

2016 - O clamor moralizador que tem mobilizado muitos no Brasil nestes últimos tempos, tem depositado suas energias preferencialmente sobre um único prisma, que é o da corrupção na política, restrita aos poderes legislativos e executivo. Outros espaços da política brasileira são pouco questionados e todo um conjunto de estruturas profundamente excludentes são completamente ignorados por este clamor seletivo. Um exemplo gritante disto é o judiciário brasileiro.

Uma verdadeira “caixa preta”, inacessível para a ampla maioria das pessoas, o judiciário, em seu conjunto, converteu-se em uma grande estrutura geradora de privilégios para poucos, com uma reduzida preocupação social, nenhuma participação democrática, transparência ou controle da sociedade.

Dos três poderes que estruturam o ordenamento institucional brasileiro, o judiciário é o único que não possui nenhuma abertura a participação e fiscalização da sociedade, não tendo de prestar contas a ninguém, afora a seus próprios pares. É curioso pensar que, em pleno século XXI, tenhamos no Brasil uma estrutura com tamanha abrangência na sociedade e que seja tão pouco transparente como o nosso judiciário. É justamente esta ausência de transparência que permite que muitos descalabros com dinheiro público sejam cometidos, sem que provoque uma reação popular maior.

Vamos dar alguns rápidos exemplos desta estrutura de privilégios abusivos do judiciário.

Pouca gente sabe, por exemplo, que o judiciário brasileiro é um dos mais caros do mundo. É o que mais gasta recursos públicos entre todos os países da América e da Europa. Levantamento do jornal Valor, apontou que o Brasil gasta 1,2% do PIB para a manutenção de sua justiça, comparando-se com outros países, temos números muito mais modestos. A Venezuela gasta 0,34; a Alemanha 0,32; Itália 0,19; os EUA 0,14 e a Argentina 0,13 do seu PIB, para ficarmos apenas em alguns casos. Números que demonstram o gigantismo do judiciário no Brasil, comparando-se com outras sociedades.

Outro exemplo gritante é o pagamento mensal automático de um adicional de mais de 4 mil reais de auxílio-moradia para todos os magistrados brasileiros. Este valor é pago a parte do seus salários e é garantido independentemente de o magistrado ter ou não imóvel próprio na cidade onde trabalha. Além disso, essa verba não está sujeita ao IR e a contribuição previdenciária. Possivelmente muitos dos que lerão este texto não ganham este valor do benefício nem como ordenado, que dirá como "penduricalho" ao salário. Para a "casta" dos privilegiados do judiciário, isso não lhes causa nenhum problema de ordem moral.

O auxílio-moradia, no entanto, é apenas a ponta do iceberg dos privilégios.

Recentemente uma reportagem da revista Época (1) mostrou que juízes estaduais e promotores dos Ministérios Públicos dos estados criam todo tipo de subterfúgio para ganhar mais do que determina a Constituição. Hoje o teto é de R$33.763, mas os juízes e promotores engordam seus contracheques com ao menos 32 tipos de auxílios, gratificações, indenizações, verbas, ajudas de custo. Na teoria, os salários – chamados de subsídios básicos – das duas categorias variam de R$ 22 mil a R$ 30 mil. Os salários reais deles, no entanto, avançam o teto pela soma de gratificações, remunerações temporárias, verbas retroativas, vantagens, abonos de permanência e benefícios concedidos pelos próprios órgãos. É uma longa série de benefícios, alguns que se enquadram facilmente como regalias.

Pelo levantamento, a média de rendimentos de juízes e desembargadores nos estados é de R$ 41.802 mensais; a de promotores e procuradores de justiça, R$ 40.853. Os presidentes dos Tribunais de Justiça apresentam média ainda maior: quase R$ 60 mil (R$ 59.992). Os procuradores-gerais de justiça, chefes dos MPs, recebem também, em média, R$ 53.971. Fura-se o teto em 50 dos 54 órgãos pesquisados. Eles abrigam os funcionários públicos mais bem pagos do Brasil. Há salários reais que ultrapassam R$ 100 mil. O maior é de R$ 126 mil.

Além das verbas regulares muito acima da média de qualquer servidor público ou trabalhador da iniciativa privada, outra forma de angariar benesses se dá através de decisões indenizatórias nebulosas entre seus pares. O caso mais ostensivo é o do Tribunal de Justiça de São Paulo, o maior do país. Ali, 29 dos 352 desembargadores receberam mais de R$ 400 milhões em benefícios como férias atrasadas e gratificações. Apesar das pressões de colegas que não participaram do banquete, até agora não há explicação convincente para a distribuição de tais regalias.

Outro problema crônico do judiciário brasileiro, que nos permite afirmar que temos uma casta de privilegiados que dominam por completo esta estrutura é a prática corrente de nepotismos e compadrios na ocupação dos espaços, que formalmente deveriam ser públicos. Um exemplo desta situação pode se verificar no Rio de Janeiro, segundo o jornal Folha de S.Paulo, 16% dos integrantes do Judiciário no estado do Rio são parentes de outros membros desse poder. (2) Esta situação seguramente se reproduz em maior ou menor grau nos outros estados.

Outra questão polêmica e poucas vezes enfrentada, no âmbito da magistratura, é a venda de decisões e sentenças, as primeiras via liberação de indenizações milionárias por liminar ou tutela antecipada, principalmente contra bancos e empresas grandes. Sem uma fiscalização, contando com um forte corporativismo que acoberta toda e qualquer investigação sobre questões neste campo, o tema é tratado como inexistente, mesmo havendo inúmeros casos em que pesem tais suspeitas.

Esta total ausência de transparência junto a sociedade, converteu a carreira jurídica num verdadeiro eldorado para aqueles que buscam ganhos volumosos, criando-se uma verdadeira indústria em seu entorno. Exemplo disto é a proliferação das faculdades de Direito no Brasil, que representam uma garantia de altos salários. Em 2010, o então conselheiro do CNJ Jefferson Kravchychyn descobriu que o país tinha mais cursos de Direito (1.240) do que todo o resto do planeta junto (1.100). O bacharel em Direito tem o maior rendimento por hora entre todos os trabalhadores com curso superior, segundo pesquisa de 2015 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Infelizmente, a atual conjuntura política brasileira não nos permite vislumbrar mudanças neste cenário. Desejo, no entanto, estar enganado...

 

Por que o Judiciário e o Ministério Público não se constrangem

 

Por Vanessa Elias de Oliveira, Cláudio Couto e Fábio Kerche, 18/09/2020 - Com a recusa do governo em enfrentar o problema, não há quem controle essa elite da burocracia pública formada por juízes, promotores e procuradores. O tema da reforma administrativa está no centro do debate público. Muitos dados sobre o funcionalismo já foram explicitados, assim como apresentadas as críticas à reforma proposta pelo governo. Uma delas é a ausência de juízes e promotores na Proposta de Emenda Constitucional enviada ao Congresso. O governo a justificou alegando serem órgãos não subordinados ao Executivo, razão pela qual ele não poderia propor alterações relacionadas a seus funcionários; isso caracterizaria um vício de iniciativa. Muitos juristas, entretanto, já questionaram a validade de tal pretexto, afirmando que o presidente poderia, sim, incluí-los na PEC.

A omissão voluntária do governo nessa questão não foi (e, provavelmente, não será) suficiente para mobilizar o Judiciário e o MP a proporem suas próprias reformas, assim como o fato de o Legislativo já ter também apresentado a sua reforma não constrangeu seus membros ou Conselhos Superiores. O silêncio continuou e seria difícil esperar algo diferente disso.

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No entanto, além do silêncio vergonhoso sobre a necessária reforma, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) adotou duas medidas que vão além, propondo novos e acintosos gastos. A primeira delas, do dia 28 de agosto, determina que os Tribunais Federais e do Trabalho comprem um terço das férias de 60 dias de todos os juízes que solicitarem a conversão do benefício em abono salarial. O gasto total com a medida pode chegar a R$ 164 milhões, segundo levantamento da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) e da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), que ajuizaram a ação. A segunda delas, aprovada no dia 8 de setembro, permite aos tribunais regulamentar o pagamento de um terço do benefício dos magistrados que atuam simultaneamente em mais de uma vara do Judiciário, ou que acumulam “acervo processual” sob sua responsabilidade, como compensação. A proposta foi apresentada pela Associação dos Magistrados Brasileiros. Ambas as medidas foram aprovadas nos estertores da presidência do Supremo Tribunal Federal e do CNJ de Dias Toffoli, árduo defensor dos privilégios dessa elite estatal.

Parte importante da sociedade brasileira se escandalizou com o silêncio eloquente do Judiciário e do MP, e analistas demonstraram dados que comprovam que a elite jurídica da burocracia pública é a mais privilegiada de todas. Segundo o Atlas do Estado Brasileiro, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o Judiciário é o poder que apresenta a maior remuneração média dentre os três Poderes, o dobro daquela apresentada pelos funcionários do Legislativo e mais do que o triplo daquela dos servidores do Executivo. Dados de levantamento da FGV Social, baseado no Imposto de Renda de 2018, demonstram que membros do Ministério Público (procuradores e promotores) têm renda média mensal de R$ 53,5 mil e do Judiciário (ministros, juízes e desembargadores) de R$ 51,7 mil. Os ganhos mensais acima do teto do funcionalismo público são a regra — e não a exceção — para a elite jurídica da burocracia pública. Os penduricalhos que engordam os salários da magistratura para além do teto custaram ao menos R$ 415 milhões ao país em 2019, num cálculo que não considera o STF e a Justiça Eleitoral, segundo matéria da revista Piauí de 7 de setembro de 2020.

Além de abrigar a elite dos funcionalismos públicos, o Judiciário brasileiro é o mais caro do mundo, segundo levantamento feito pelo cientista político Luciano Da Ros em 2015, mas, infelizmente, isso não se transforma em eficiência. A Piauí reforça esses cálculos, mostrando que enquanto nosso Judiciário consumiu R$ 100 bilhões dos cofres públicos em 2019, o que equivale a 1,5% do PIB, o Judiciário espanhol gastou 3,1 bilhões de euros (algo em torno de R$ 18 bilhões), equivalente a 0,47% do PIB da Espanha.

Há enorme desigualdade dentro do que se denomina, indiscriminadamente, por “funcionalismo público”, e as carreiras jurídicas são as mais privilegiadas, o que já foi explicitado pela grande imprensa. No entanto, ainda assim a elite jurídica da burocracia pública não se constrange com isso. Por quê?

São muitas as causas dos fenômenos sociais e para elas não há explicações unicausais. Não vamos aqui apresentar “a” explicação, mas trazemos ao debate público um aspecto que precisa ser ressaltado e, principalmente, enfrentado.

O Judiciário e o Ministério Público são instituições infensas ao controle externo. A expectativa de que a criação do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), em 2004, e do Conselho Nacional de Justiça, em 2005, representaria o controle externo dessas instituições judiciais não se concretizou.

Conselhos nem sempre são criados para aumentar o controle. Em muitos casos, quando observamos outras democracias, esses órgãos colegiados servem para reforçar a autonomia dos magistrados. É o que acabou acontecendo no Brasil. Tanto o CNJ quanto o CNMP são majoritariamente compostos por membros do próprio Judiciário e do MP, gerando um ambiente propício para a defesa de interesses corporativistas. Em consequência, tais conselhos nacionais atuam mais no sentido de reforçar a independência do Judiciário e do Ministério Público do que como instrumento de accountability, o que permitiria uma responsabilização mais ágil e cotidiana de juízes e promotores quando estes não agissem baseados na estrita observância da lei. Decisões recentes do CNJ sobre o pagamento de compensações salariais aos juízes só reforçam nosso ponto.

Conforme dados que apresentamos em artigo prestes a sair na Revista de Administração Pública, a atuação desses conselhos como mecanismo para controlar a ampla autonomia de juízes e promotores trouxe poucos resultados. No CNMP, dos quase 3.000 processos disciplinares que entraram no conselho entre 2010 e 2019, foram geradas 203 punições de diferentes tipos (2,1% dos casos), mas quase metade foi relativamente leve, com censura ou advertência. No CNJ, num total de mais de 10 mil processos entre 2007 e 2018, apenas 153 casos (1,5%) resultaram em punição, sendo que a mais grave punição é a aposentadoria compulsória (mantendo-se a remuneração).

Portanto, o CNMP e o CNJ não exercem o papel de controle externo efetivo. Obter uma punição de um juiz ou de um promotor é uma corrida de obstáculos com poucas chances de sucesso. Obviamente, os magistrados sabem disso, e não parecem se amedrontar pelos órgãos inicialmente pensados para impor limites ao Judiciário e ao MP. E, como os membros do Judiciário e do MP não colocam seus mandatos à prova em eleições, também não são controlados por nós, cidadãos eleitores, diferentemente dos políticos eleitos para o Legislativo e o Executivo.

Com a recusa do governo em enfrentar o problema, não há quem controle essa elite da burocracia pública formada por juízes, promotores e procuradores. Estes, quase sem constrangimentos, podem conceder aumentos e benesses a si próprios num contexto em que se discute a reforma administrativa e a diminuição de gastos com o funcionalismo público.

E seus conselhos nacionais, que deveriam atuar como instituições para pensar a política de recursos humanos do Judiciário e do MP, não se sentem obrigados a propor reforma ou corte de gastos para os seus funcionalismos. A “magistocracia”, para usar a feliz expressão de Conrado Hübner Mendes, garante seus privilégios assegurados pela independência e pela certeza de que ninguém os controla, por mais estranho que isso devesse parecer em democracias.

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