VERDADES INCONVENIENTES

Os privilégios do judiciário brasileiro....A VERGONHA NACIONAL ! Parte 2

togpri10Como Raymundo Faoro explica os privilégios do Judiciário - 09/11/2018, por rafael Valadão - Os ilustres ministros do Supremo Tribunal Federal tiveram um generoso ajuste em seus salários aprovado pelo Senado. Nossos paladinos da justiça poderão receber quase R$40.000 todos os meses como paga por seu conhecimento iluminado e por seus inestimáveis serviços prestados à sociedade brasileira.

Além de acréscimos ao salário, como auxílio-moradia e outras benesses, os juízes da nossa Suprema Corte gozam do prestígio que merecem todos os mestres do Direito e da Justiça que, num esforço abnegado e desinteressado, zelam pela saúde jurídica do país. Dito assim parece absurdo, mas a verdade é que nosso Judiciário se organiza e se comporta como uma casta privilegiada. Seus membros se veem a si mesmos, talvez não conscientemente, como criaturas abençoadas por Deus e admiradas pelos homens. O recente aumento no salário dos ministros do STF, aprovado pelos senadores e provavelmente sancionado por Temer em breve, é parte dos privilégios estamentais a que os semideuses de toga acreditam ter direito.

Acontece que os ministros do STF, e os membros do Poder Judiciário de maneira geral, são parte do estamento burocrático que constitui o Estado brasileiro. O termo foi popularizado pelo cientista político e jurista Raymundo Faoro e se refere ao grupo de burocratas que administram a máquina estatal ao mesmo tempo em que pretendem se sobrepor à sociedade civil como o estrato tecnicamente qualificado (e intelectualmente iluminado) para comandar o curso da vida nacional. Pertencem ao estamento burocrático menos os profissionais da política e mais os agentes públicos cuja inserção no Estado não se deu mediante eleições livres, mas por outras vias como a nomeação ou o concurso público. Os agentes públicos cuja participação no Estado dependa de conhecimentos específicos são isolados dos demais e cercados de tratamento diferenciado, porque sua qualificação técnica os coloca em posição superior em relação aos demais funcionários do governo. Mas essa distinção qualitativa entre os funcionários públicos não é propriamente uma característica do estamento burocrático. Então o que caracteriza os membros do estamento?

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É a mentalidade patrimonialista e a distinção honorífica. Vamos ver como o jurista explica cada uma dessas características. Em sua obra maior, Os Donos do Poder, Raymundo Faoro reconstrói a história política do Brasil e analisa a permanência do patrimonialismo como um elemento psicológico e material marcante na classe dirigente do governo, isto é, o estamento burocrático. Esse estamento é considerado patrimonialista porque tende a confundir as riquezas do Estado com as suas próprias, sem distinguir claramente o patrimônio público dos bens privados, querendo apropriar-se ao máximo possível dos bens materiais ligados à esfera pública. Os membros do estamento burocrático usufruem de benesses e regalias financiadas pelo pagador de impostos porque se diferenciam dos demais estratos sociais. É essa distinção que os autoriza publicamente a gozar de seus próprios privilégios estamentais.

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Realiza-se, por parte de seus próprios membros ou por parte de outros estratos, uma distinção honorífica que separa o estamento burocrático de todo o restante da sociedade. Nas palavras do próprio Faoro, esse grupo seleto “fundado no sistema patrimonial do capitalismo politicamente orientado, adquiriu o conteúdo aristocrático, da nobreza da toga e do título”. É a classe dos iluminados pelo saber jurídico, dos “doutores” e “excelências”, dos magistrados responsáveis por decifrar os textos legais e emitir juízos impecáveis que façam cumprir a justiça.

Não se trata, evidentemente, de fazer troça dos profissionais do Direito. Trata-se de analisar os condicionantes culturológicos do meio jurídico, e particularmente dos altos tribunais federais, que caracterizam o estamento burocrático analisado por Raymundo Faoro. O jurista se inspirou no sociólogo alemão Max Weber, um dos autores clássicos da Sociologia, para elaborar sua análise do caso brasileiro. Faoro se baseou na teoria weberiana de estratificação social que elenca três tipos ideais de estrato: classe, estamento e partido. Weber não cai no erro marxista de reduzir a organização dos estratos sociais a uma luta interminável entre classes inimigas. Ele considera que classes, estamentos e partidos podem coexistir na mesma sociedade e não se eliminam logicamente, mas, ao contrário, se complementam na mesma composição social e participam de modo diverso da vida em sociedade. Faoro tomou a noção de estamento de Weber e devemos voltar ao sociólogo alemão para compreender o nosso caso.

Na tipologia weberiana, as classes sociais são determinadas por fatores econômicos tais como os níveis de acumulação privada de bens materiais e a posição da classe no mercado; os partidos se definem como associações de indivíduos interessados em conquistar o poder ou apenas influenciar as decisões tomadas pelos poderosos. E o estamento? Esse é definido pelo status de seus membros, isto é, pela consideração valorativa de seus integrantes em relação à sociedade. Isso envolve vários fatores afetivos e subjetivos que compõem os sentimentos de admiração e de respeitabilidade. É pela confluência desses fatores que a gente acha bonita, por exemplo, a farda militar e a toga do juiz – são elementos subjetivos que despertam em nós o reconhecimento do status. Por essa razão, os membros do estamento são ciosos de sua condição singular e buscam garantir seus privilégios estamentais que, afinal, dão sentido à sua posição distinta na hierarquia social. Nas palavras de Weber:

Em contraste com as classes, os grupos de “status” são normalmente comunidades. Com frequência, porém, são do tipo amorfo. Em contraste com a “situação de classe” determinada apenas por motivos econômicos, desejamos designar como “situação de status” todo componente típico do destino dos homens, determinado por uma estimativa específica, positiva ou negativa, da honraria (…) Para todas as finalidades práticas, a estratificação estamental vai de mãos dadas com uma monopolização de bens ou oportunidades ideais e materiais, de um modo que chegamos a considerar como típico. Além da honra estamental específica, que sempre se baseia na distância e exclusividade, encontramos toda sorte de monopólios materiais. Essas preferências honoríficas podem consistir no privilégio de usar roupas especiais, comer pratos especiais que são tabu para outros (…).

Raymundo Faoro recupera a categoria weberiana de estamento e chega à conclusão de que o Brasil, ao longo de toda a sua história, sempre foi comandado por dirigentes que se pretendiam os senhores absolutos dos destinos da nação, antes e depois de nossa Independência em 1822. Patrimonialismo e estamento são dois marcadores na história brasileira. Essa classe dirigente evoluiu ao longo do tempo sem nunca perder a distinção, deixando de ser a nobreza católica de Portugal e passando a ser a classe político-jurídica dos bacharéis em Direito, inicialmente formada em Coimbra e depois nas faculdades do Recife e de São Paulo. Não é demais lembrar que a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco já nos rendeu alguns presidentes da República, entre eles Michel Temer. Essa classe dirigente, tendo conquistado o comando do Estado, passou a reservar para si as regalias a que acreditavam ter direito. São os privilégios estamentais que os distinguem da sociedade e esses privilégios são sintomáticos da cultura patrimonialista em que nossa classe política (e jurídica) se formou historicamente.

Pois bem, o que Faoro diria do aumento escandaloso no próprio salário que os ministros do STF fizeram aprovar no Senado? O jurista veria decepcionado que o estamento burocrático continua firme e forte, disposto a defender suas mordomias com unhas e dentes. Max Weber diria que a solidariedade própria do estamento faz com que juízes federais, incluindo os deuses togados do Supremo, se unam na defesa de seus privilégios estamentais. Foi assim que, há não muito tempo, os juízes ameaçaram entrar em greve como forma de protesto contra a remoção de seu auxílio-moradia, no modesto valor de quase R$5.000 por mês. É curioso que os paladinos do Judiciário parecem convencidos de que representam mesmo a elite iluminada da sociedade, pois não hesitam em justificar suas regalias da forma mais ridícula. Foi assim que, perguntado sobre as causas do aumento no salário dos ministros, o presidente do STF, o petista Dias Toffoli respondeu que agora seria possível rever a questão do auxílio-moradia. Na maior cara de pau, o sujeito está dizendo o seguinte: agora que já garantimos aumento em nossos proventos, podemos muito bem pensar em abdicar do auxílio-moradia.

Em texto originalmente publicado no Globo e replicado pelo Instituto Millenium, o historiador e jornalista Marco Antonio Villa destrincha, em números, os privilégios a que os ilustres ministros do STF têm acesso. A lista de Villa é longa e revoltante: os ministros têm direito a auxílios de toda sorte, todos custando milhões aos cofres públicos. Os semideuses togados têm direito a auxiliares que, entre outras coisas, são responsáveis por puxar as cadeiras de suas excelências no plenário do tribunal. É isso mesmo que você leu: o dinheiro suado do pagador de impostos financia um empregado cuja única tarefa é mover a cadeira para que o juiz possa sentar-se confortavelmente. Poderíamos listar aqui todos as benesses pagas aos servidores do Poder Judiciário, sobretudo aos juízes dos tribunais federais, mas não queremos causar náuseas em nossos leitores.

Não surpreende que o sonho de tantos brasileiros seja passar em algum concurso público, qualquer um, que lhe garanta a estabilidade necessária para executar um serviço monótono e medíocre que traga um salário mediano com a pontualidade de um relógio. Alguns, mais ambiciosos, buscam por todos os meios ser aprovados em concursos jurídicos, querem ser juízes. Querem a toga e o título porque ambicionam pertencer ao estrato privilegiado dos abençoados que parasitam os cofres públicos. Isso acontece porque o patrimonialismo tem por efeito cultural a exposição de sua suntuosidade obscena como um bem conquistado e merecido. Na cultura patrimonialista, o privilégio é visto como mérito. Essa obsessão concurseira é sintomática da honra estamental dos membros do Judiciário no Brasil. Todos querem tê-la e esse elemento psico-sociológico é bem definido por Faoro da seguinte maneira:

O estamento burocrático desenvolve padrões típicos de conduta ante a mudança interna e no ajustamento à ordem internacional. Gravitando em órbita própria não atrai, para fundir-se, o elemento de baixo, vindo de todas as classes. Em lugar de integrar, comanda; não conduz, mas governa. Incorpora as gerações necessárias ao seu serviço, valorizando pedagógica e autoritariamente as reservas para seus quadros, cooptando-os, com a marca de seu cunho tradicional. O brasileiro que se distingue há de ter prestado sua colaboração ao aparelhamento estatal, não na empresa particular, no êxito dos negócios, nas contribuições à cultura, mas numa ética confuciana do bom servidor, com carreira administrativa e curriculum vitae aprovado de cima para baixo.

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Jurista de carreira, Raymundo Faoro conheceu de perto a organização estamental do Judiciário e certamente se sentiria horrorizado com a falta de espírito público dos senhores ministros do STF que, no momento em que as contas públicas fecham o ano no vermelho, se autorizam a um aumento escandaloso no próprio salário, gerando efeito cascata em todo o funcionalismo federal que, aliás, já é abastado o suficiente para levar uma vida descansada. O que falta ao Brasil, entre outras coisas, é uma drástica mudança na mentalidade coletiva e particularmente na dos membros do Judiciário. É preciso que os funcionários do governo se vejam primeiramente como funcionários do povo brasileiro e não como piratas que têm o direito de pilhar o patrimônio público. Temos um longo caminho pela frente para corrigir o patrimonialismo arraigado na mentalidade coletiva. A petição do partido NOVO pela revogação do aumento no salário dos ministros do STF, já assinada por mais de um milhão de brasileiros, é um bom começo.

 

Privilégios públicos incluem salários vitalícios no Judiciário e em cargos nos estados

 

13/09/2020 - Apesar das discussões nos últimos anos para reduzir privilégios no setor público em meio a propostas de redução de despesas, os salários vitalícios ainda beneficiam integrantes do Judiciário e ocupantes de cargos nos estados. Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) têm direito à vitaliciedade e, mesmo ao deixar a corte, recebem salário integral, hoje em cerca de R$ 39,2 mil mensais – teto do funcionalismo público, que, por vezes, é ultrapassado com o acréscimo de penduricalhos.

Uma vez empossado, o ministro só perde o cargo por renúncia, aposentadoria compulsória (aos 75 anos de idade) ou impeachment. De acordo com o STF, há atualmente 15 ministros inativos que recebem vencimentos integrais. Juízes das demais instâncias e integrantes do Ministério Público também são protegidos pela Constituição. O objetivo dessa regra é garantir a independência dos órgãos e evitar perseguições políticas. Mesmo se forem afastados por irregularidades, eles continuam recebendo salário e só perdem o cargo, que é vitalício, após sentença judicial transitada em julgado – quando não há mais possibilidade de recurso.

O ministro Paulo Guedes (Economia) apresentou ao Congresso neste mês uma proposta para reformular o funcionalismo público do país, mas o projeto não atinge juízes, promotores nem ocupantes de cargos eletivos. Ainda mais emblemático é o caso de conselheiros de tribunais de contas, responsáveis pela fiscalização dos gastos nos estados ou na União. A indicação para essas vagas geralmente é política, e o mandato, vitalício.

Os salários superam os R$ 30 mil por mês, mas é comum que a remuneração ultrapasse o estabelecido para um ministro do Supremo por causa, por exemplo, de verbas indenizatórias – como despesas médicas, de planos de saúde e diárias de hotel. No caso de juízes e membros do Ministério Público, é necessário passar por um processo de seleção (concurso público), e a chamada vitaliciedade só é alcançada, no primeiro grau, após dois anos de exercício da função. Para membros dos tribunais de contas, porém, a indicação pode ser feita pelo Congresso ou pelo Palácio do Planalto, no caso do TCU, ou pelas Assembleias Legislativas, nos órgãos estaduais.

Nos estados, benefícios vitalícios a ocupantes de cargos eletivos se tornaram costumeiros há alguns anos. Ex-governadores de algumas unidades da Federação chegaram a receber salários integrais após deixar seus cargos – enfrentando questionamentos na Justiça. Ex-presidentes da República não têm direito mais a um pagamento desse tipo. O salário vitalício caiu ainda na Constituição de 1988. No caso dos estados, porém, as benesses foram enxertadas em leis ou Constituições locais. Em 2011, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) intensificou as investidas no STF para derrubar os pagamentos e cortar esse tipo de despesas dos cofres públicos.

Alguns processos ainda estão sob análise. É o caso do Rio Grande do Sul, que cedeu à pressão e mudou suas regras: o salário do governador fica estendido por quatro anos após o fim do mandato. No entanto, a alteração aprovada pela Assembleia Legislativa do estado não atingiu quem já tinha o direito à pensão vitalícia. Por isso, a PGR (Procuradoria-Geral da República) considera esse caso ainda pendente e pediu que a ação movida pela OAB fosse analisada pelo Supremo.

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No fim do ano passado, o STF julgou ilegal o pagamento de pensão para o resto da vida de ex-governadores do Paraná. O valor foi equiparado ao salário de um desembargador do Tribunal de Justiça, de aproximadamente R$ 35 mil. O entendimento foi que o direito a receber dinheiro público deve ser proveniente do trabalho ou da contribuição para aposentadoria. O controle desses pagamentos nos entes da Federação é geralmente mais difícil que na União. Outro exemplo é uma lei de 2008 do Amazonas que permitiu remuneração vitalícia para quem ocupasse a vaga de secretário-executivo-adjunto de Inteligência no estado – cargo de indicação política.

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Em 2012, o então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, apresentou uma ação no STF contra a lei, que, segundo ele, abria brecha para que, após exonerados, ex-secretários continuassem recebendo dinheiro dos cofres públicos. O processo ainda não avançou no Supremo. Mais recentemente, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro foi palco de uma tentativa de criação de salários para o resto da vida para seus integrantes, mesmo após o fim do mandato. A votação beneficiaria os próprios legisladores. Diante da repercussão negativa, a proposta foi rejeitada pelos vereadores. No Congresso, foram várias as tentativas de incluir na Constituição uma proibição a esses benefícios nos casos da União, dos estados e dos municípios, mas elas não avançaram.

Na Câmara, a comissão especial da reforma política, que funcionou em 2017, chegou a aprovar mudanças nos mandatos dos ministros do STF, que passariam a ocupar as vagas por tempo determinado. A proposta foi recebida com resistência no meio jurídico e não avançou. A CCJ da Câmara aprovou no ano passado uma PEC que impede pagamentos vitalícios a prefeitos, governadores e presidentes da República após deixarem o cargo. O relator, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), sustentou que esse tem sido o entendimento do STF ao analisar as ações da OAB. “Cabe ao Congresso Nacional valer-se de suas prerrogativas e afastar definitivamente do ordenamento jurídico tal possibilidade”, disse o deputado na época. Mas o projeto ainda tem de passar por uma comissão especial e, depois, por análise do plenário da Câmara. O Senado também tem de aprovar a proposta para a medida começar a valer. Por ser uma PEC, a ideia precisa de apoio de 60% do plenário da Câmara e do Senado, em dois turnos de votação. Ainda não há prazo nem sequer para que a proposta seja analisada na comissão especial da Câmara.

Fontes: Conselho Nacional de Justiça (CNJ);
             Comissão Europeia para Eficiência da Justiça (CEPEJ)
             Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) 2018
             Câmara dos Deputados
             Supremo Tribunal Federal.
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