VERDADES INCONVENIENTES

Fábrica da Foxconn - Escravidão contratada?-Parte1

foxconn5Ameaças e violência para quem investiga fornecedores da Apple - 19/02/2010 - A sede corporativa da Apple, sua megamáquina de relações públicas e sua base principal de consumidores estão nos EUA. Os produtos, por outro lado, vêm diretamente de fabricantes da China. Assim como a Apple, eles são bons em manter segredos. Ao contrário da Apple, eles às vezes usam violência para tanto. Escrevendo uma denúncia sobre a cadeia de fornecimento da Apple, repórteres da Reuters revelaram o que já sabemos: há uma pressão imensa nas empresas sob contrato com a Apple de impedir vazamentos de informações sobre produtos futuros; essas empresas têm um passado negro no tratamento de seus empregados; e trabalhar para uma ...

dessas empresas é de dar medo. Nós comentamos esses problemas  quando a Foxconn foi acusada de levar um empregado, Sun Danyong, a cometer suicídio por causa do vazamento de um protótipo de iPhone ano passado. (Depois do ocorrido, a Foxconn fez acordo com os pais de Danyong, que receberam mais de US$50.000 de indenização e vão receber pensão todo ano, e parece que assim morreu a história.) Mas, na época, nossa imagem da Foxconn foi composta de recortes de reportagens de várias fontes, com os departamentos de relações públicas piorando a situação. Por isso, até hoje não houve uma ilustração melhor do problema como esta:

Depois de receber uma dica de um funcionário do complexo de Longhua, próximo à fábrica da Foxconn, que por sua vez também fabrica componentes para a Apple, o correspondente pegou um táxi para visitar as instalações em Guanlan, que fabrica produtos para uma grande variedade de empresas. Assim que parou em uma rua para tirar fotos em frente ao portão e ao local de inspeção de segurança, um guarda gritou. O repórter continuou tirando fotos antes de voltar ao táxi que o esperava. O guarda, então, bloqueou o veículo e ordenou ao motorista que parasse, ameaçando tirar sua licença.

O correspondente saiu do carro e insistiu que estava dentro dos seus direitos já que estava tirando as fotos do lado de fora do complexo, a partir da estrada pública. O guarda segurou seu braço e um segundo segurança o derrubou. Enquanto uma multidão de trabalhadores da Foxconn olhava, eles tentaram levar o correspondente para dentro da fábrica.

O repórter exigiu ser libertado. Quando isso não aconteceu, ele conseguiu se soltar e começou a se afastar. O guarda mais velho o chutou nas pernas. O segundo segurança ameaçou bater nele novamente se tentasse se escapar novamente. Alguns minutos depois, um carro da segurança da Foxconn chegou, mas o repórter se recusou a entrar nele. Em vez disso, chamou a polícia.
Depois que as autoridades chegaram e mediaram a situação, os guardas pediram desculpas e o assunto foi resolvido. O repórter saiu do local sem prestar queixa formal contra os seguranças, mesmo que a polícia tivesse sugerido a opção. "Você é livre para fazer o que quiser", disse o policial. "Mas esta é a Foxconn e eles têm um status especial aqui. Por favor, compreenda".
Então, deixe-me entender: se você for um repórter fora de uma fábrica da Foxconn, você pode ser arrastado, chutado, ameaçado enquanto sabe que as relações com a Apple tornam a Foxconn "especial". (Ah, e você soube do novo iPad, ele é muito demais!)

Para a Apple, isso significa duas coisas: ou eles fizeram negócio com uma empresa que tem predisposição à violência como forma de segurança, ou as exigências extremas da Apple por confidencialidade fizeram a empresa se comportar desse jeito.
Em nenhuma das situações dá pra acusar a Apple de ser a culpada. Nos dois casos, no entanto, eles estão pelo menos em silenciosa complacência.

Relatos de um infiltrado no inferno: a fábrica da Foxconn

24/05/2010 - O jornal chinês Southern Weekly mandou o repórter Liu Zhi Yi, de 20 anos, para trabalhar infiltrado na fábrica da Foxconn em Shenzhen, China. Por 28 dias, ele vivenciou as terríveis condições a que são submetidos os mais de 400.000 empregados, montando iPods, iPads e iPhones o dia inteiro sem parar.

Não há a menor dúvida. Os suicídios da Foxconn foram causados por stress de trabalho. Em meio ano, houve nove tentativas de suicídio com sete mortes confirmadas na fábrica da Foxconn em Shenzhen. No mês passado este número subitamente subiu para 30 novas tentativas de suicídio, fazendo com que a empresa contratasse conselheiros e até monges budistas para libertar as almas dos suicidas do purgatório.

A Foxconn é uma das principais fabricantes contratadas pela Apple. Milhares de Mac Minis, iPods, iPhones e iPads são montados diariamente na fábrica de Shenzhen, que opera 24 horas por dia, sem parar. A empresa também produz para a Intel, Dell e HP, entre outras.

Depois da sexta tentativa de suicídio em abril, o Southern Weekly – descrito pelo New York Times como o mais influente jornal liberal da China – mandou um jovem repórter para se infiltrar como um empregado na fábrica. Ao mesmo tempo, mandaram um repórter sênior para conversar com os executivos da Foxconn. A missão: descobrir o que estava realmente acontecendo na fábrica e determinar as verdadeiras razões dos suicídios.

Durante os 28 dias de investigação, Liu Zhi Yi se impressionou ao descobrir como os empregados vivem uma espécie de escravidão contratada. Eles trabalham o dia todo, parando apenas para comer rapidamente ou dormir. Eles repetem a mesma rotina todos os dias, exceto nos feriados públicos. Liu concluiu que, para muitos dos empregados, a única saída possível deste ciclo é acabar com a própria vida.

Liu, um estudante de graduação, foi escolhido para a tarefa por sua idade, já que a fábrica só contrata jovens de vinte e poucos anos. Ele foi contratado sem problemas. Só assinou um documento especial: um acordo de horas extras que diz que a empresa não seria responsável pelas suas longas horas de trabalho. Segundo Liu, este acordo voluntário anula as leis estatais chinesas.

Os trabalhadores da Foxconn só sorriem no dia 10 de cada mês. Este é o dia em que ganham seus salários. Neste dia, as máquinas de caixa eletrônico dentro da fábrica ficam lotadas com as filas. Os seus salários mensais começam em 900 Yuan — cerca de R$ 235.

maior parte dos trabalhadores não têm opinião sobre os populares produtos da Apple que eles montam. A maioria não ganha o suficiente para ter um. Os seus salários só dão para comprar alguma cópia barata. Enquanto fãs de gadgets no mundo inteiro discutem qual iPod devem comprar, os trabalhadores da Foxconn debatem os méritos das diferentes imitações.

Histórias da fábrica

Liu teve suas conversas mais interessantes com outros funcionários durante as refeições. Alguns lhe contaram que sentiam inveja dos colegas que estavam doentes. Eles ganham folga e podem descansar um pouco. Eles também discutiram acidentes na fábrica: um trabalhador teve seu dedo cortado durante a produção. Alguns trabalhadores acham que as máquinas estão amaldiçoadas. Eles consideram perigoso usar as máquinas.

Outro empregado me contou sobre uma das atividades favoritas na fábrica: deixar coisas caírem no chão. Por quê? Os empregados passam dolorosas oito horas de pé, então eles consideram que se abaixar para pegar um objeto caído é o momento de maior descanso do seu dia de trabalho.

Os carrinhos da fábrica são chamados de "BMW" pelos trabalhadores. Enquanto os puxam e empurram, sempre com altas pilhas de produtos, eles imaginam as BMWs que esperam um dia conseguir comprar.

Segundo um trabalhador, eles não conseguem viver sem estes sonhos. Eles sonham em ficar ricos um dia. Alguns gastam parte do seu salário em bilhetes de loteria e apostas em corridas de cavalos.

Há outros tipos de sonho, também. Liu diz que alguns deles reclamam de suas vidas amorosas. Eles não conseguem encontrar amantes naquele ambiente, então precisam encontrar alternativas: em alguns "internet cafes" — escondidos em restaurantes fora da fábrica – os jovens podem ter acesso a vídeos pornôs clandestinos. No entanto, os homens dizem que os filmes ficam chatos depois de um longo período de tempo.

Muitos não falam sobre os suicídios. Alguns fazem piada com eles. Um dos problemas pode ser a falta de comunicação e amizade entre os colegas de trabalho. Muitos trabalhadores nem sabem os nomes das pessoas que trabalham ao seu lado. De fato, segundo o Southern Weekly, os trabalhadores acham difícil se relacionar uns com os outros por usarem sempre os mesmos uniformes e realizarem sempre as mesmas tarefas todos os dias. Eles não têm assuntos interessantes para conversar porque só trabalham. Se um empregado fica muito estressado, ele geralmente não tem com quem dividir os seus problemas ou para quem pedir ajuda.
Talvez os 100 conselheiros contratados pela Foxconn ajudem. E eu acharia legal se eles pudessem ter cinemas e shopping centers dentro da fábrica para ajudá-los a relaxar. Mas, no fim, o mais importante é que a Foxconn realmente precisa ser mais humana e preocupada com a saúde física e mental dos seus empregados, em vez de tratá-los como cachorros.

Fabricante chinês de iPhone eleva salários para frear suicídios

28/05/2010 - A direção de uma fábrica de eletrônicos chinesa na qual pelo menos nove funcionários já cometeram suicídio neste ano prometeu nesta sexta-feira aumentar os salários em 20%. A companhia Foxconn, de Taiwan, dona da fábrica na cidade de Shenzen, no sul da China continental, anunciou a medida depois de ter sido registrado o que aparentemente foi o décimo suicídio de um funcionário, na noite da quarta-feira. A empresa fabrica aparelhos eletrônicos para a Apple, entre eles o iPhone e o novo iPad, e também para Dell, Nokia e Sony. As duas últimas gigantes do setor já afirmaram estar preocupadas com a situação, e a imprensa local questionou as condições de trabalho na fábrica.

Um porta-voz da companhia citado pela agência Reuters afirmou que o aumento nos salários já estava planejado há meses, mas não deixou claro quando ele será implementado nem se ele tem relação com as mortes.

Salários

Um funcionário começa a trabalhar na fábrica de Shenzen ganhando atualmente um salário de cerca de 900 yuans por mês (cerca de R$ 242). No total, a Foxconn emprega mais de 300 mil pessoas na fábrica chinesa.Ativistas que defendem os direitos dos trabalhadores afirmam que os funcionários, muitos deles vindos da zona rural, fazem longas jornadas de trabalho no parque industrial isolado, que tem dormitórios para eles.O anúncio do aumento dos salários ocorreu depois de uma rara visita do presidente da empresa, Terry Gou, à fábrica de Shenzen, acompanhado por jornalistas chineses e ocidentais.Gou disse aos jornalistas que estavam sendo instaladas redes para evitar que mais pessoas pulem para a morte.

As redes estão sendo colocadas ao redor de praticamente todos os dormitórios e prédios do imenso complexo, que, de acordo com o correspondente da BBC em Xangai, Chris Hogg, "é uma verdadeira cidade, com lojas, postos de correio, bancos e piscinas de tamanho olímpico".Setenta psicólogos foram contratados para dar aconselhamento aos funcionários."Nós também estamos treinando nossos empregados para se tornarem conselheiros voluntários. Mais de cem funcionários receberam o treinamento e nós esperamos que o número cresça para mil em um mês", disse Gou.

De acordo com a agência de notícias estatal chinesa Xinhua, na quinta-feira um jovem de 23 anos, que trabalhava na Foxconn havia cerca de um ano, se atirou do sétimo andar do prédio onde ficava seu dormitório às 23h20 da quarta-feira. Se confirmado, esse foi o décimo suicídio na empresa este ano.Além dos suicídios, outros três funcionários também tentaram se matar em Shenzen e outro se suicidou em outra fábrica da Foxconn, desta vez no norte da China.

Operários suicidas deixam fábrica de eletrônicos em situação desconfortável na China

30/05/2010 - Uma série de aparentes suicídios abalou a administração da Foxconn, uma fabricante de eletrônicos que produz componentes e monta produtos para muitas firmas do Vale do Silício. Centenas de milhares de pessoas moram e trabalham no complexo da fábrica da Foxconn no Sul da China, em condições que os críticos chamam de escravagistas.

Pouco depois das sete horas, meia hora antes do turno da manhã, jovens trabalhadores chineses passam por guardas uniformizados de cinza, pressionando suas identidades corporativas nos portões eletrônicos e esperando a luz verde. Depois, eles se apressam pelo labirinto cinza dos dormitórios e corredores da fábrica.

Cerca de 300.000 pessoas trabalham aqui, na cidade de Shenzhen, perto de Hong Kong, em um gigantesco complexo que pertence à firma taiwanesa Foxconn. Outras 120.000 pessoas trabalham em um complexo menor, a alguns blocos de distância. Elas montam produtos cultuados de marcas digitais mundiais como Apple, Nintendo e Dell, que vão desde o iPhone e iPad até notebooks. Muitos sacrificam sua saúde; outros, suas vidas.

Ma Xiangqian, 18, fazia parte deste peculiar mundo Foxconn, onde tudo é numerado: prédios, máquinas, componentes, produtos acabados e, é claro, pessoas. Por salários de até 1.940 yuans por mês (em torno de R$ 500), o jovem da província de Henan fazia turnos de 12 horas colocando peças plásticas em uma máquina que forma o corpo de computadores da Apple. Depois, ele ia dormir com nove colegas em um quarto de um dos muitos blocos de dormitórios no complexo da fábrica.

Fábrica ou “campus”?

Certa manhã de janeiro, Ma apareceu morto perto da base de um desses prédios. Causa oficial da morte: “Queda de altura”. Um total de 13 casos similares nas fábricas da Foxconn neste ano -10 fatais- produziram laudos similares. A mais recente, no dia 26 de maio, ocorreu horas após uma visita à fábrica de Terry Gou, diretor da empresa dona da Foxconn. E em julho de 2009, um técnico pulou para sua morte após ser suspeito de roubar um protótipo do iPhone.

A série de aparentes tentativas de suicídio abalou a administração da maior fabricante de eletrônicos da China. Liu Kun, 40, que se diz diretor de relações com a mídia, anda com uma camisa suada. Ele evita a palavra “fábrica”, preferindo o termo “campus” –como se a Foxconn fosse uma universidade. Em um carrinho de golfe movido a bateria –guiado por Chen Hongfang, segundo no comando do sindicato da empresa, que é controlado pelo Partido Comunista- Liu mostra ao visitante as ruas ladeadas por palmeiras. Eles querem provar como é boa a vida dos operários.

Liu aponta orgulhosamente cada uma das lojas. Franquias de cadeias de fast-food; a cidade da Foxconn tem um hospital, onde os operários podem se tratar; há um campo de futebol, uma academia de ginástica, uma série de lanhouses, uma sala de ensaio para a trupe de dança da corporação. Monitores de televisão instalados nas ruas –ou nos refeitórios- passam programas de um canal de televisão corporativo.

Essas oportunidades de diversão não mudam o fato que os operários da Foxconn têm que passar suas vidas quase integralmente dentro complexo. Caminhão após caminhão entrega componentes e leva produtos acabados. Não há depósitos na Foxconn. Quando os operários montam um telefone celular ou laptop, o aparelho vai direto para os clientes. Esse fluxo de produtos não pode diminuir. Nas ruas da Foxconn, os trabalhadores têm permissão para andar lado a lado somente em pares. Se houver três pessoas, devem formar uma fila.

PARTE 2