HISTÓRIA E CULTURA

Da série Mala de Garupa (Luiz Carlos Felix)

mgarupa3A chegada do trem aos domingos - Os trens da VFRGS, eram o que melhor serviam Timbaúva, abastecia a comunidade e os moradores, pois era o meio de transporte até a capital. Suas chegadas na estação era uma festa para a população, principalmente aos domingos. A maioria das famílias provinhamdo meio rural, as mulheres moravam na cidade com os filhos na escola e os homens cuidando das lavouras e de suas criações, lá na campanha.

Estas famílias eram assíduas na chegada do trem de passageiros aos domingos, pela falta de programa na comunidade. Perto da hora desciam rumo à estação. Os homens ainda de pijama, com a cuia de mate numa mão e a garrafa térmica na outra. Um costume que cada final de semana ganhava mais adeptos. Até seu Onofre Barão, Agente da Estação, aderiu à ideia e, aos domingos, colocava o quepe vermelho de chefe e de pijama se postava entre os amigos, formando uma roda chimarrão.

Assim, por muito tempo, essa tradição seguia firme. Até que um certo dia, o seu Onofre Barão recebe um telegrama da Chefia nos seguintes termos: “Senhor Agente – Comunico ao Senhor que na chegada dos trens estejas devidamente uniformizado vg sobretudo na chegada do trem de passageiros. Att. Jota Rubirosa – Chefe Regional”. As reuniões dominicais continuavam, seu Onofre, sério, devidamente uniformizado com sobretudo de lã, caminhava lentamente com as mãospara trás, entre os grupos. Quando Juca Cabral perguntou: - Que isto Onofre? Com este calor de sobretudo? Pois é amigo – recebi orientação da Chefia para estar devidamente uniformizado, “sobretudo” na hora da chegada do trem de passageiros....

Dedico ao meu querido cunhado Francisco Mário Chiesa, antigo Presidente da Rede Ferroviária Federal S.A.- Corpo e alma de ferroviário

 

A noiva do Almirante

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A Praça Piedade era o ponto de encontro dos moradores da redondeza. Ali se reuniam pessoas com vários interesses. Isabelita, sem muitos dotes de beleza, era uma morena alta, que se vestia muito bem, e com malhas apertadas, denotando todaa sinuosidade de seu corpo, tinha dois objetivos: passear com sua cadelinha Lady e conhecer o príncipe encantado. Jamais perdeu a esperança de concretizar seus sonhos. Agora, morando só, pela perda da mãe, resolveu ir à luta. A cadelinha Lady sempre faceira e festejando os outros cães, mas seu predileto era um da mesma raça. Isabelita não descuidava dasbrincadeiras dos animaizinhos. Assim conheceu o dono do Jack, um senhor bem mais velho, carrancudo e de poucos amigos, e sempre ficava só, no mesmo banco.

Através da proximidade dos cachorrinhos, começou a sentar-se próximo aocidadão, e falar sobre os filhotes. Depois de vários dias de contatos, se apresentaram: - Meu nome é Artidor, sou Almirante da Reserva. - O meu é Isabelita, também aposentada. Assim acabou o papo daquela manhã. Outros encontros se sucederam sem nenhum avanço ou definição de um horizonte para Isabelita. Ela achava que estava perdendo tempo, investindo no novo conhecido. Certo dia, ao final da manhã chamou a Lady que não atendia e saiu acompanhado do Almirante que também procurava o seu Jack. Para surpresa do casal os animais estavam acasalados, atrás de um arbusto. Aquele atoos aproximou e tornaram-se amigos. Como morava só num amplo apartamento, viúvo e com um único filho no exterior, precisava de uma companheira para preencher seus momentosde solidão. Contou toda a sua vida e a rotina a ser seguida em sua casa.

Acertado o relacionamento Isabelita assumiu a casa e cuidados da alimentação e remédios com o companheiro. Mas ele colocouuma exigência:“cada um no seu quarto”. Viagens e passeios sempre estavam nos programas. Brasil de norte ao sul. Buenos Aires, Nova York, Paris e Londres. Nos hotéis sempre quartos com duas camas, o que era frustrante para Isabelita, sempre esperando o momento sonhado. O tempo passou e o Artidor chegou com a notícia de que fariam umavolta ao mundonum navio italiano. Radiante, ela pensou ele é homem do mar, e, voltando ao seu ambiente será tudo diferente.
A viagem transcorreu, mas nada mudou, sempre as mesmas coisas, piscina, ginástica, restaurante, bebidas, sestas e cada um na sua cama. À noite jantares e cassino, ela, muito ansiosa, não se conteve e perguntou: -Artidor, será que morrerei virgem? Ele responde: - Sabes, Deus tira a força, mas não tira à vontade que está sempre está dormindo. Ficastranquila, querida, minha pensão ficará para ti, pois pela idade e os problemas de saúde não irei durar muito. Isabelita voltou contente, sabendo que um dia, seria recompensada, pelos seus desejos reprimidos e por tudo que fez pelo Almirante Artidor.

 

O silêncio da Kika

 

Na localidade de Sanga Funda todos conheciam o seu Flor, muito admirado pelas suas proezas, mentiras e cortejado, por sua fama de conquistador. Gostava de dançar e desfilar no carro do ano, sempre bem acompanhado. Na mesa oitavada do carteado, forrada de baeta verde, contava suas aventuras, engrossava o verbo e largava - sou um Porfirio Rubirosa pelos dotes e desempenho. Todos riam, mas nada o atingia,pois semprelevava vantagem. No final da noite, contava as fichas e dizia –riam...o trouxa já vai, boa noite.

Verdade ou não seu Flor continuava prestigiado e assediado, para despeito dos que debochavam de suas aventuras. As namoradas eram cobertas de presentes e gentilezas. Para elas confidenciava segredos de sua vida, que reunidos, dariam belos causos. Andava de namoro firme com Kika, uma linda morena, elegante e charmosa bem mais moça emais alta que ele. Viajaram à Capital para passar uma semana, mas retomaram logo. Quando chegaram à Sanga Funda, pediu que não contasse nada do que acontecera entre eles.

“Tudo é bom enquanto dura...” logo seu Flor partiu,deixando um rito a ser seguido:
- Estar rodeado de beldades.
- Sem choro de carpideiras, nem terços de rezadeiras.
- Lágrimas, só das mulheres amadas.

Tetê, Lola, Carmencita e Dorzinha foram as primeiras a chegar ao velório. Comentavam passagens de sua vida com ele. Miloca chegoumuito triste com véu preto na cabeça e uma rosa vermelha que colocou sobre o corpo. Levantou o lenço de linho branco, que cobria o rosto, e exclamou: - Olhem, ele está sorrindo, como foi feliz conosco!Todas se aproximaram e disseram algumas palavras, mas Kika, que estava afastada do grupo permaneceu em silêncio.

 

As filhas do Comendador

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Na tranquila Sanga Funda, todos eram bem acolhidos. Certo dia numa roda de chimarrão, o assunto era a chegada do Comendador Tinoco e sua família. Miguelão, figura folclórica diz: – Na barbearia do Onofre era o assunto a chegada desse forasteiro, chamado de Comendador e pergunta: – Será gente boa? - Claro retrucou Onofre. - Pensei que Comendador e forasteiro, fossem maus elementos. Comendador Tinoco era convidado para todas as festas e solenidades, sempre acompanhado da esposa e das duas lindas filhas. Liberalina e Gildasia, que despertavam atenção de todos os jovens da comunidade. Era inverno e a Sociedade de AtiradoresLivres e Fortes promovia o Baile da Pelúcia. De boca em boca, os jovens mancebos da localidade, se perfilavam para dançarcom as filhas do Comendador. Elas não “faziam crochê”, isto é, não ficavam sentadas. Dançavam e agradeciam voltando à mesa de seus atentos pais. O baile terminou sem que fossem atingidas pela flecha do cupido dos rapazes,que voltaram da noitada frustrados.

Chega à localidade um circo de burlantim, com diversas atrações, onde destacavam-se os trapezistas “Ases Voadores”. Seria outra oportunidade para a rapaziada encontrar as filhas do Comendador. Circo lotado, a atração era olhar para o camarote da Comendador Tinoco, com dona Eufrásia e suas belas filhas, que não retribuíam os olhares ávidos da rapaziada. Na manhã seguinte Sanga Funda acordou em pânico com a notícia bombástica: Liberalina e Gildásia haviam fugido com a dupla de trapezistas deixando a família arrasada e seus pretendentes raivosos, com a perda das lindas jovens, para os artistas circenses.