HISTÓRIA E CULTURA

O genocídio sérvio na Croácia e o silêncio do Vaticano

genocroacia129/01/2019 - Na matéria de hoje falaremos do assassinato de meio milhão de sérvios, judeus e ciganos na Croácia. Esse evento é um dos mais infames crimes contra a humanidade, e o mais perturbador foi o papel da Igreja Católica croata nesta tragédia. O texto é um tanto extenso, mas intercalado de muitas imagens históricas, algumas não deixam a desejar em nada às imagens sobre os campos de concentração germânicos, no que se diz a respeito do fator de impacto causado.

 

O genocídio sérvio na Croácia

Quando Adolf Hitler atacou a Iugoslávia em 6 de abril de 1941, ficou imediatamente evidente que a Wehrmacht (nome dado ao conjunto das forças armadas alemãs durante a segunda guerra mundial. O termo significa "forças de defesa") contava com o apoio de grupos traidores dentro do Estado iugoslavo. O exército do país estava entre a espada e a parede, superado pela imensa máquina de guerra alemã e apunhalado pelas costas por terroristas pró-nazis membros do Partido Ustasha, uma perigosa organização croata de extrema-direita. Inclusive os comandos de algumas unidades, de maioria croata, estiveram em conversações com os nazistas, abrindo-lhes praticamente as portas do país. (Nota: Nesse período Croácia, Sérvia e Montenegro, faziam parte da Iugoslávia. A Croácia tinha governo próprio, mas mesmo assim fazia parte do "Reino Iugoslavo").

O Estado independente da Croácia foi declarado em 10 de abril de 1941, no mesmo dia em que a 14ª divisão panzer alemã entrou em Zagreb, capital da Croácia, e foi recebida com entusiasmo pela população. A invasão da Iugoslávia por parte das tropas de Hitler presumiu a divisão do país em duas nações independentes. A católica Croácia via a realização do sonho de ser independente da Sérvia ortodoxa acontecer. Nos termos de sua organização e ideologia, o novo Estado croata era uma nação totalitária fundada no princípio de um Führer que, desde que mantivesse sua subordinação à Alemanha, podia fazer e desfazer de seus caprichos.

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O líder político que passou a governar o país foi Ante Pavelic, chefe dos ustachis. Pavelic e seus seguidores estiveram exilados na Itália sob a proteção de Mussolini, já que eram procurados pelos governos da França e Iugoslávia acusados de planejar os assassinatos do rei Alexandre da Iugoslávia e do primeiro-ministro francês Louis Barthou, mortos em 1934 em um atentado na França. Pavelic estabeleceu na Croácia, com a ajuda de seus padrinhos nazistas, o NDH "Nezavisna Drzava Hrvatska" (Estado independente da Croácia).

A participação da Igreja em todo processo

Em 14 de abril, o bispo primaz da Croácia, Alojzije Stepinac, reunia-se com Pavelic para transmitir-lhe sua felicitação, enquanto todos os sinos das igrejas do país soavam como forma de celebrar a vitória. em troca de apoio Stepinac recebeu de Pavelic a nomeação de Supremo Vicário Apostólico Militar do Exército Ustashi. A imprensa católica se desfazia em bajulação ao ditador. Tal aliança não é de se estranhar, pois uma investigação da comissão iugoslava de crimes de guerra estabeleceu que o arcebispo Stepinac havia sido um dos principais agentes na conspiração que facilitou à conquista da Iugoslávia.

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No final das contas, a Igreja Católica levou séculos sonhando com a ideia de um reino católico nos Balcãs, algo que finalmente aconteceu quando Pavelic e Hitler galgaram ao trono a Tomislav II, cuja função foi meramente decorativa. A identidade do Estado estava baseada mais na afiliação religiosa que na etnicidade. O fanatismo católico dos ustashi estava decidido a converter a Croácia em um país católico mediante uma combinação de conversões religiosas forçadas, expulsão e se necessário fosse, extermínio.

Pavelic, um herói nacional

O clero apoiava o regime com um entusiasmo fanático. A maioria dos católicos compartilhavam as metas ideológicas dos ustashi e receberam muito bem o fim da tolerância religiosa imposta pela antiga Iugoslávia (como a Iugoslávia era um país que reunia diferentes etnias e assim religiões, o estado deveria assumir neutralidade religiosa e permitir que as diferentes etnias mantivessem seus próprios costumes, caso contrário poderiam sofrer com revoltas). O Papa em pessoa recebeu Pavelic em uma audiência, e bendisse a toda a delegação dos ustashi deslocada à Roma, incluída a representação da Irmandade dos Grandes Cruzados, encarregados de converter ao catolicismo os sérvios por meio de táticas que, como veremos, não eram precisamente evangelizadoras.

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O início dos massacres

Durante seus quatro anos de existência como Estado independente (1941-1945), na Croácia foram executados mais de 750.000 sérvios, judeus e ciganos. Dos 80.000 judeus da Iugoslávia, 60.000 foram assassinados, a grande maioria deles na Croácia. A maioria dessas matanças foram cometidas pelos ustashi, aliados dos nazistas. A Croácia foi o único país, junto com a Alemanha, em que funcionaram campos de extermínio em grande escala na Segunda Guerra Mundial. Ao contrário dos nazistas, que idealizaram um sistema de extermínio industrial e discreto, o genocídio na Croácia e Bósnia-Herzegovina se caracterizou pela execução em lugares públicos. O historiador austríaco Freidrich Heer comentava em 1968 que o que ocorreu na Croácia era o resultado do "fanatismo arcaico de épocas pré-históricas". Segundo este especialista, Pavelic foi "um dos maiores assassinos do século XX". Isto não é obstáculo para que, curiosamente, Pavelic seja visto como um herói na Croácia moderna.

O "herói" croata costumava referir-se aos sérvios da seguinte maneira; "Os eslavo-sérvios são o desperdício de uma nação, o tipo de gente que se vende a qualquer um e a qualquer preço...". Engana-se que pensa que o líder croata era o único a pensar de tals modo, visto que o próprio arcebispo Stepinac chegou a declarar:

"Depois de tudo, os croatas e os sérvios pertencem a dois mundos distintos, pólo norte e pólo sul, nunca se darão bem a não ser por um milagre de Deus. O cisma da Igreja Ortodoxa é a maior maldição da Europa, quase mais que o protestantismo. Aqui não há moral, nem princípios, nem verdade, nem justiça, nem honestidade."

Em 12 de junho de 1941, todos os judeus e sérvios da Croácia se encontraram com o fato de que sua liberdade de movimento havia sido restringida. O ministro da Justiça, Milovan Zanitch, não tinha o menor receio em declarar o cruel sentido destas medidas:

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"Este Estado, nosso país, é só para os croatas e para ninguém mais. Não haverá caminhos nem medidas que os croatas não empreguem para fazer que nosso país seja realmente nosso, limpando dele de todos os ortodoxos sérvios. Todos aqueles que chegaram em nosso país há trezentos anos devem desaparecer. Não ocultamos nossas intenções. É a política de nosso Estado e para sua promoção a único coisa que faremos será seguir fielmente os princípios dos Ustashi".

Nesse momento inicia-se os massacres, visando "limpar a Croácia" e devolver a soberania do país ao povo croata. Mile Budak, ministro da Educação do governo croata, declarava em Gospic em 22 de julho de 1941:

"As bases do movimento ustasha são a religião. Para as minorias, como os sérvios, judeus e ciganos, temos três milhões de balas. Mataremos um terço da população sérvia, deportaremos outro terço, e o resto lhes converteremos à fé católica para que, desta forma, sejam assimilados aos croatas. Assim destruiremos até seu último rastro, e tudo o que restará será uma memória aziaga deles..."

A campanha de limpeza étnica teve começo quase que de imediato. Boa parte da legislação e estrutura administrativa do novo Estado se adaptou para que se ajustasse tanto quanto mais possível ao direito canônico. Stepinac viu com particular beneplácito a lei que decretava a pena de morte pelo aborto e a lei que impunha trinta dias de cárcere por insultar. A oposição política foi varrida da vida pública. Proibiu-se a publicação de textos em cirílico, o alfabeto empregado pelos sérvios. Assim mesmo, começou-se uma campanha de "arianização", o que agradou muito aos nazistas, que denegou os matrimônios mistos entre católicos croatas e membros de outras etnias. Na entrada dos parques se instalaram cartazes no que se podia ler: "Proibida a entrada de sérvios, judeus, ciganos e cachorros".

Enquanto isso, o infame campo de concentração de Danica começou a receber suas primeiras vítimas: No princípio judeus, e logo todos os classificados como "indesejáveis", isto é, os não-católicos, que representavam mais de 60 por cento da população. As atrocidades que se cometeram nos campos de concentração da Croácia não têm comparação, e em alguns casos superam as dos nazistas. Djordana Diedlender, guarda do campo de Stara Gradiska, deu este estremecedor testemunho durante o julgamento contra o comandante do campo, Ante Vrban:

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"Naquela época, chegavam diariamente novas mulheres e crianças ao campo de Stara Gradiska. Ante Vrban ordenou que todas as crianças fossem separadas de suas mães e levadas a uma habitação. Disse a dez de nós que as levássemos até ali envoltas em mantas. As crianças gritavam por toda a habitação e uma delas pôs um braço e uma perna na porta de forma que esta não pode ser fechada. Vrban gritou: "Empurre-na!". Eu não o fiz, e assim ele deu uma batida com a porta destroçando a perna da criança, depois pegou-lhe pela outra perna e a lançou contra o muro até matá-la. Depois disto, continuou metendo as crianças ali. Quando a habitação ficou cheia, Vrban usou gás venenoso e matou a todas."

O prazer de matar

A ferocidade dos ustashi alarmou inclusive os próprios nazistas, que temiam que uma repressão brutal contra uma população tão grande desembocasse num levante armado. Em 17 de fevereiro de 1942, Reinhard Heydrich, um dos maiores artífices da Solução Final (o plano dos altos hierarcas do Terceiro Reich para exterminar os judeus) e, como tal, não caracterizado por sua piedade, expressava sua inquietude ao Reichführer das SS, Heinrich Himmier:

"O número de eslavos massacrados pelos croatas das formas mais sádicas está estimado em 300.000 [...]. A realidade é que na Croácia os sérvios que restaram vivos são aqueles que se converteram ao catolicismo, a quem lhes é permitido viver sem ser molestados [...]. Devido a isto, está claro que o estado de tensão servo-croata é uma luta entre a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa."

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Ante a fria eficiência dos nazistas, que haviam convertido o genocídio num sinistro tipo de produção em massa, os ustashi faziam da morte de suas vítimas algo pessoal, comprazendo-se em sua tortura pública e humilhação. Esta é outra a razão de que se conserva um grande número de testemunhos fotográficos de semelhantes atrocidades. Trata-se retratos de "recordação" tirados por carrascos. Neles se podem ver barbaridades dificilmente concebíveis por uma mente sensata: desde sessões de tortura animadas por um excitado público até procissões de cabeças cravadas em lanças pelas ruas de Zagreb.

Inclusive os endurecidos fascistas italianos que controlavam uma porção da Croácia durante a guerra estavam horrorizados com os ustashi, e conseguiram resgatar a um grande número de judeus e ortodoxos, negando-se a devolver para uma morte certa, os refugiados que chegavam à sua zona de controle. O arcebispo Stepinac se queixou desta atitude dos italianos ante o bispo de Mostar, os italianos voltaram e reimpuseram sua autoridade civil e militar. As igrejas cismáticas reviveram imediatamente depois de seu regresso e os sacerdotes ortodoxos, até então escondidos, reapareceram com liberdade. Os italianos pareciam favorecer os sérvios e prejudicar os católicos, como ante o ministro para assuntos italianos em Zagreb:

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"Ocorre que nos territórios croatas anexados pela Itália se pode observar uma queda constante da vida religiosa e um evidente virada do catolicismo ao cisma. Se a parte mais católica da Croácia deixar de sê-la no futuro, a culpa e responsabilidade ante Deus e da história será da Itália católica. O aspecto religioso deste problema o transforma em minha obrigação de falar em termos simples e abertos desde o momento em que sou o responsável pelo bem-estar religioso da Croácia."

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Os frades assassinos

O mais escandaloso de todo este sórdido assunto é que não foram poucos os sacerdotes e, sobretudo, freis franciscanos, que estiveram no comando destes campos da morte. Com poucas exceções aqui e ali, o fenômeno aqui descrito era característico dos massacres ustashi. A diferença dos extermínios em outros países durante a Segunda Guerra Mundial, é de que era quase impossível imaginar uma expedição punitiva ustashi sem a presença de um sacerdote no comando, tratando-se geralmente de um franciscano. O mais conhecido deles foi o frei franciscano Miroslav Filipovic, que dirigiu o campo de Jasenovac, onde se deu uma morte atroz a milhares de pessoas. Outro franciscano daquele campo, Pero Brzica, ostenta um recorde ainda mais macabro se é que é possível.

Ante à chegada de novos prisioneiros, ficou evidente a necessidade de assassinar aos já existentes para dar lugar aos recém chegados. O pessoal do campo se mostrou entusiasmado ante esta perspectiva:

"O franciscano Pero Brzica, Ante Zrinusic, Sipka e eu apostamos para ver quem mataria mais prisioneiros em uma só noite. A matança começou e depois de uma hora eu matei muitos mais que eles. Sentia-me no sétimo céu. Nunca havia sentido tal éxtasis em minha vida. Depois de um par de horas havia conseguido matar a 1.100 pessoas, enquanto os outros só puderam assassinar entre 300 e 400 cada um. E depois, quando estava experimentando meu mais grandioso prazer, notei um velho campesino parado me olhando com tranquilidade enquanto matava minhas vítimas e elas morriam com o maior sofrimento.

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Essa olhada me impactou; de imediato me congelei e por um tempo não pude me mover. Depois me aproximei dele e descobri que ele era do povoado de Klepci, próximo de Capijina, e que sua família havia sido assassinada, sendo enviado a Jasenovac depois de javer trabalhado no bosque. Falava-me com uma incompreensível paz que me afetava mais que os desgarradores gritos que se sucediam ao meu redor. De imediato senti a necessidade de destruir sua paz mediante a tortura e assim, mediante seu sofrimento, poder restaurar meu estado de êxtase para poder continuar com o prazer de infligir dor.

Apontei-lhe e lhe fiz sentar comigo num tronco. Ordenei-lhe a gritar: "Viva Poglavnik Pavelic!", ou te corto uma orelha. Vukasin não falou. Arrenquei-lhe uma orelha. Não disse uma uma palavra. Disse a ele outra vez que gritasse: "Viva Pavelic!" ou te arranco a outra orelha. Então a arranquei. Grite: "Viva Pavelic!", ou te corto o nariz, e quando lhe ordenei pela quarta vez gritar "Viva Pavelic!" e lhe ameacei arrancar o coração com meu cuchillo, olhou-me e em sua dor e agonia me disse:

"Faça seu trabalho, criatura!". Essas palavras me confundiram, congelou-me, e lhe arranquei os olhos, logo o coração, cortei-lhe a garganta de orelha a orelha e a joguei no poço. Mas algo se rompeu dentro de mim e não pude matar mais durante toda essa noite.

O franciscano Pero Brzica me ganhou a aposta, havia matado a 1.350 prisioneiros. Eu paguei sem dizer uma palavra."

Bulajic, Milán, The Role of the Vanean in the Break-Up of the Yugoslav State: The Mission of the Vatican in the Independent State of Croatia: Ustashi Crímes of Genocide (Documents, facts), op. cit.

Por esta façanha o franciscano recebeu o título de "rei dos cortadores de gargantas".

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Converter-se ou morrer

A barbárie, longe de decrescer, aumentou e chegou a um ponto em que nem sequer a formalidade dos campos de extermínio foi considerada necessária. Povoados inteiros foram assaltados e seus habitantes passados a faca, quando não assassinados com martelos e machados, enforcados ou inclusive crucificados. Os sérvios sofreram as torturas mais atrozes que se enchiam com especial sanha os sacerdotes ortodoxos, muitos dos quais foram queimados, esfolados ou esquartejados vivos. As execuções em massa eram comuns, as vítimas, degoladas e às vezes despedaçadas. Em muitas ocasiões era comum ver pedaços de carne penduradas em matadouros com um cartaz que dizia "carne humana". Os crimes dos alemães em campos de extermínio pareciam pequenos comparados com as atrocidades cometidas pelos católicos.

Os ustashi adoravam os jogos de tortura que se convertiam em orgias noturnas, e que incluíam cravar pregos debaixo das unhas, pôr sal nas feridas abertas, cortar todas as partes humanas concebíveis e competir pelo título de quem era o melhor degolador de suas vítimas. Queimaram igrejas ortodoxas cheias de gente, empalaram crianças em Vlasenika e Kladany, cortaram narizes, orelhas e arrancaram olhos. Certa vez os italianos avistaram a um ustashi que tinha duas correntes de línguas e olhos ao redor do pescoço. Todas as propriedades da Igreja ortodoxa foram saqueadas e confiscadas. A maior parte desta pilhagem foi transferida para a Igreja católica croata, que seguia encantada com o regime.

Além disso, aqueles que sabiam escreve deviam enviar uma carta de agradecimento ao arcebispo Stepinac, que informava pontualmente ao Papa da boa marcha das conversões. Em qualquer caso, os únicos que tinham a opção de salvar a vida mediante conversão eram os campesinos pobres e incultos das zonas rurais. Todo sérvio educado, com capacidade de conversar ou transmitir algo parecido a uma identidade nacional sérvia era assassinado sem possibilidade de salvação.

Visitante Apostólico

Em 14 de maio de 1941, os sérvios da localidade de Glina foram concentrados num salão de atos por um bando ustashi comandados pelo abade do monastério de Gunic. Na continuação, ordenou-se que mostrassem seus certificados de conversão. Só dois deles dispunham do documento. O resto foi degolados enquanto o abade rezava por suas almas. Entre a venda de certificados de conversão e o saqueio dos tesouros guardados nas igrejas ortodoxas, não resulta em exagero dizer que se houve alguém que obteve benefício econômico do genocídio cometido pelos coatras foi, precisamente, a Igreja Católica. Em contrapartida, durante toda a guerra, a Igreja católica apoiou oficialmente o regime, apesar de seus desmandos e loucuras serem públicos e notórios. O Vaticano não podia alegar desconhecimento destes graves acontecimentos. Em 17 de março de 1942, o Congresso judaico mundial enviou à Santa Sé uma nota de auxílio, uma cópia da qual ainda se conserva em Jerusalém, alertando a respeito dos acontecimentos na Croácia.

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Monsenhor Giuseppe Ramiro Marcone, um beneditino da congregação de Monte Vergine e membro da academia romena de São Tomás de Aquino, era o representante pessoal do Papa no episcopado da Croácia, e mantinha o Santo Padre a par de tudo que ali sucedia. Os defensores do Vaticano alegam que Marcone era um simples "visitante apostólico". Contudo, para o Ministério de Assuntos Exteriores em Zagreb, o padre Marcene tinha status de "delegado da Santa Sé", e nas cerimônias oficiais lhe colocava a frente, inclusive, dos representantes do Eixo, sendo considerado decano do corpo diplomático. Além disso, Marcone, em sua correspondência com o governo ustashi, qualificava-se a si mesmo como Sancti seáis legatus ou Elegatus, mas nunca como "visitante apostólico".

Os meios de comunicação também faziam eco desta situação. Em 16 de fevereiro de 1942, a BBC emitia o seguinte informe sobre a Croácia:

"As piores atrocidades estão sendo cometidas ao redor do arcebispo de Zagreb. O sangue de irmãos corre em rios. Os ortodoxos estão sendo obrigados a força a se converterem ao catolicismo e não escutamos a voz do arcebispo se pronunciando à rebelião. Em lugar disso, informa-se de que está tomando parte em desfiles nazis e fascistas."

Nem sequer quando a imprensa internacional começou a informar amplamente sobre as barbaridades cometidas por clérigos católicos, o Papa fez algo para deter os sanguinários franciscanos. A própria imprensa católica croata refletiu em suas páginas a perseguição, tratando-a como se fosse a coisa mais normal do mundo. Em 25 de maio de 1941, em Katolicki List, o sacerdote Franjo Kralik publicou uma reportagem intitulada "Por que os judeus estão sendo perseguidos", no que justificava o genocídio da seguinte forma:

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"Os descendentes daqueles que odiaram a Jesus, que o condenaram a morte, que o crucificaram e imediatamente perseguiram a seus discípulos, são culpados de excessos maiores que os seus antepassados. A cobiça cresce. Os judeus que conduziram a Europa e ao mundo inteiro ao desastre — moral, cultural e econômico — desenvolveram um apetite que somente o mundo em sua totalidade pode satisfazer. Satanás lhes ajudou a inventar o socialismo e o comunismo. O amor tem seus limites. O movimento para libertar o mundo dos judeus é um movimento para o renascimento da dignidade humana. O Todopoderoso e Sábio Deus está por trás deste movimento."

A ruína de Stepinac

Quando se viu com claridade que o curso da guerra ia a ser contrário ao Eixo, Stepinac realizou alguns atos de "repentino humanitarismo", atos nos quais se basearam os revisionistas croatas para pedir ao Yad Vashem israelense, a Autoridade Nacional para a Recordação dos Mártires e Heróis do Holocausto, a inclusão de Stepinac em sua "Lista dos Justos". A petição foi negada em duas ocasiões. Um representante da instituição declarou em respeito a isto que "pessoas que, ocasionalmente, ajudaram a um judeu e colaboraram simultaneamente com um regime fascista que foi parte do plano de extermínio nazista contra os judeus ficam desqualificadas para o título de "Justo"".

Os contatos dos ustashi com o Vaticano não terminaram com o final da Segunda Guerra Mundial. Em 25 de junho de 1945, tão só sete semanas depois de concluído o conflito, os ustashi contataram com uma missão papal em Saizburgo, na zona da Áustria que estava sob a administração estadunidense. Pediam ao Papa sua ajuda para a criação de um Estado croata, ou, ao menos, uma união danúbio-adriática na qual os croatas pudessem se estabelecer. A própria Igreja escondeu e ajudou Ante Pavelic a fugir — burlando as autoridades aliadas —, que conseguiu escapar para a Argentina. Em seu leito de morte, e sob a proteção de Franco, recebeu a bênção pessoal do Papa João XXIII. João Paulo II recusou visitar em reiteradas ocasiões os campos de concentração de Jasenovac em suas visitas à Croácia, preferindo receber o ex-líder croata e negador do Holocausto Franjo Tudjman.

Finalmente, um dos fatores que mais chama a atenção desta história é que, ao terminar a guerra, o Vaticano não fez nada para socorrer Stepinac.

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Monstros em Fuga

Longe de ser um mistério histórico, a fuga de milhares de proscritos nazistas à América do Sul e outras partes do mundo é um fato fartamente documentado. No que se sabe que a Santa Sé tomou parte ativa. Personagens tão sinistros como Pavelic, Klaus Barbie ou Joseph Mengele partiram para o exílio fazendo escala prévia no Vaticano. Enquanto isso, na Croácia, os últimos ustashi esperavam que uma oportuna intervenção da diplomacia vaticana propiciasse a criação de um Estado croata independente da Iugoslávia.

Quando ficou claro que Zagreb ia ser libertada pelas tropas aliadas, os ustashi tentaram salvar tudo o que puderam. Em fins de abril de 1945, Pavelic, com plena autorização de seu amigo Stepinac, ordenou que fossem levados ao Monastério franciscano de Zagreb trinta e seis cofres com a macabra pilhagem (jóias e dentes de ouro, principalmente) confiscada das vítimas da matança de sérvios, judeus e ciganos. Contudo, Pavelic reteve consigo outros treze cofres para assegurar sua fuga e um cômodo retiro.

Os monges esconderam o tesouro primeiro na cripta debaixo do altar maior e, mais tarde, num buraco escavado debaixo dos confessionários, onde permaneceu até que fosse recuperado pelas tropas do marechal Tito. Depois de enterrar sua pilhagem, Pavelic partiu sob comando de mil e quinhentos leais em direção à Áustria, esperando contar com o amparo dos britânicos e do Vaticano. Mas não contava com o fato de ser feito prisioneiro pelos estadunidenses, que lhe vinham seguindo a pista desde sua chegada à Áustria. Conseguiram prendê-lo próximo de Saizburgo.

Contudo, quando já se estavam ultimando os preparativos para o julgamento por crimes de guerra, Stepinac e o arcebispo de Saizburgo intercederam para que Pavelic fosse posto em liberdade. Finalmente, o criminoso de guerra encontrou abrigo entre os mesmíssimos muros do Vaticano, ainda que sua estada tenha sido curta. Para evitar o escândalo, Pio XII, consciente de que a vitória aliada havia dado um virada à política mundial, convidou Pavelic a ir embada da Santa Sé disfarçado de sacerdote num automóvel com placa diplomática. Pavelic manteve a identidade falsa durante um tempo sob a alcunha de padre Benares ou padre Gómez. Os estadunidenses seguiram ao escorregadio Pavelic, mas decidiram não agir por deferência da Santa Sé.

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A operação Beneficente

Parte da "operação beneficente" de Draganovic — a quem, por certo, era subordinado do subsecretário de Estado Giovanni Battista Montini, que mais tarde se converteria em Paulo VI — consistiu em arreglar, pessoalmente, a saída até a Argentina de um bom número de criminosos de guerra alemães e croatas. O croata franciscano Draganovic não tinha por aqueles dias um expediente demasiado limpo, já que havia sido oficial ustashi e havia realizado conversões a força de sérvios. Em 1943 Draganovic deixou pra trás sua agitada vida como ustashi e se incorporou ao Vaticano. Assim que não é de se estranhar que mostrasse certo interesse em salvar a seus antigos camaradas.

Houve um momento em que não menos de trinta antigos ustashi, incluindo o próprio Draganovic, congregaram-se no seminário de São Jerônimo (San Girolamo degli Illirici), cinco dos quais, incluindo um sacerdote, estavam na lista dos criminosos de guerra mais procurados. Outros se encontravam refugiados em diferentes instituições católicas, como o Instituto Oriental. Existem, de fato, relatórios confidenciais dos serviços de inteligência estadunidenses da época em que eles, sem rodeios, qualificava o seminário de São Jerônimo como quartel general do que restava dos ustashi. Os serviços secretos aliados não podiam fazer nada, já que San Girolamo, apesar de encontrar-se fora das muralhas do Vaticano, tinha status de território da Santa Sé.

O hóspede mais ilustre de São Jerônimo foi Klaus Barbie, O Carniceiro de Lyón, que lhe foi entregue a Draganovic na estação de trens de Gênova por oficiais de inteligência norte-americanos, que esperavam sacar partido de Barbie no futuro. Draganovic obteve documentos da Cruz Vermelha com o apelido falso para ele e sua família. Barbie e outros nazistas embarcaram de Gênova, em março de 1951, com destino a Buenos Aires, para mais tarde transladar-se à Bolívia.

De fato, os estadunidenses estabeleceram sua própria operação de contrabando de criminosos de guerra - sob o nome de Operação Paperclip —, mediante a qual fizeram com os serviços de cientistas de primeira linha, como Werner von Braun, que deveria ter sentado no banco de Nuremberg por seus experimentos com seres humanos no centro de investigação aeronáutica de Peenemunde (Alemanha), ou o general Reinhard Gehien, que acabou ocupando um posto da máxima relevância na CIA antes de tomar posto nos serviços de inteligência da República Federal da Alemanha.

Assim, toda uma galeria de sinistros personagens, desde Pavelic a Adolf Eichmann, conseguiu suas passagens até a Argentina através da Santa Sé. No caso concreto de Pavelic, Draganovic fez uma exceção e, depois de proporciona-lhe um flamante passaporte da Cruz Vermelha, acompanhou-lhe pessoalmente até Buenos Aires junto a um nutrido grupo de antigos camaradas ustashi.

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Entre os que escaparam também havia alguns - poucos - heróis de guerra genuínos que não foram perseguidos por seu extraordinário zelo no campo de batalha, como o coronel Hans Rudel, que nos comandos de seu bombardeiro Stuka destruiu mais de quinhentos tanques soviéticos e afundou vários barcos. Perdeu uma perna em combate, mas isso não foi impedimento para seguir lutando até o fim da guerra. Rudel era procurado pela União Soviética e apareceu em Bariloche, onde de imediato se fez conhecido por suas grandes qualidades como esquiador.

Stepinac fica para trás

Enquanto isso, na Croácia, Stepinac havia convocado uma conferência de bispos em Zagreb que teve como resultado a proclamação de uma carta pastoral na qual os bispos incitavam a população a se levantar com as armas contra o novo governo do país. Os ustashi que não haviam sido executados ou que não haviam fugido do país se reuniram no campo formando uma organização terrorista com o eloquente nome de "Os Cruzados". A bandeira da organização foi consagrada na capela de Stepinac. Muitos sacerdotes e monges formavam parte da organização, bem como militantes armados, bem desempenhando serviços de espionagem e comunicação. Muita da informação recolhida por estes clérigos espiões terminou em poder dos serviços secretos estadunidenses através do Vaticano.

A colaboração entre os estadunidenses e os rebeldes ustashi não é de se estranhar se tivermos em conta que estes últimos esperavam uma intervenção norte-americana na Croácia. O próprio Stepinac estava convencido de que cedo ou tarde isto iria acontecer. Talvez Stepinac tinha motivos para pensar assim. No fim das contas, por aqueles dias, Pio XII mantinha uma relação mais fluída com a cúpula militar estadunidense estadunidense. Basta um exemplo: em um só dia de junho de 1949 o papa recebeu em audiências sucessivas a cinco generais estadunidenses de primeira linha.

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"Vatican's Holocaust - Nazi Croatia Death Camps", vejam o documentário:

Parte 1 - https://www.youtube.com/watch?v=pWGyTPu6UDE&t=89s
Parte 2 - https://www.youtube.com/watch?v=hQqObZm-Y8I
Parte 3 - https://www.youtube.com/watch?v=AtTve5zRcmA
Parte 4 - https://www.youtube.com/watch?v=CWhps86LwRw
Parte 5 - https://www.youtube.com/watch?v=rDITXh9Ef2c
Parte 6 - https://www.youtube.com/watch?v=QSs5tcxvGok

Fonte: Holocausto Doc
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