HISTÓRIA E CULTURA

Absinto: Entre Mitos, Realidade e a fada verde

garrafaabs5Existe uma trilha pouco explorada em Val-de-Travers, na Suíça, onde os visitantes que adentram as florestas podem deparar-se com pequenos mananciais que escondem garrafas de absinto. A bebida aguarda discretamente que os excursionistas a descubram para desfrutar de um gole. Ao longo da história, essa bebida esteve associada a diversas controvérsias. Em diferentes períodos, foi acusada de induzir alucinações, o que a tornou atrativa para os artistas da época. O absinto também foi vinculado à explosão de fúria de Jean Lanfray, resultando no trágico assassinato de sua família em 1905. Algumas fontes sugerem que Vincent Van Gogh teria consumido absinto antes de cortar sua própria orelha.

Um dos primeiros textos neste blog, Noite Sinistra, foi um conto de terror que escrevi durante o consumo de vinho, explorando as possíveis alucinações causadas pela bebida. Convido os leitores a explorar mais sobre o misticismo que envolve o absinto. Os esconderijos de Absinto - Esses esconderijos, conhecidos como fontaines froides (ou fontes frias), servem como testemunho do halo de mistério que envolvia o absinto no passado. Essa tradição nasceu não apenas da água e da flora do vale, mas também do amor e da ingenuidade dos habitantes locais. Atualmente, entusiastas do absinto mantêm esses esconderijos secretos, buscando equilibrar a tradição local com a história do renascimento moderno da bebida.

Embora as origens do absinto sejam incertas, a crença popular sugere que a receita foi descoberta por um médico francês chamado Pierre Ordinaire por volta de 1792. Ordinaire residia em Couvet, no Val-de-Travers. A bebida, inicialmente vendida pelas irmãs do convento de Couvet como um elixir, tornou-se amplamente difundida. Sua popularidade cresceu até a década de 1840, quando foi administrada às tropas francesas como um medicamento antipirético.

Os "poderes" do absinto estão intimamente ligados à sua composição potente, feita de losna (Artemisia absinthium), anis, funcho e outras ervas, com um teor alcoólico que, em alguns casos, atingia 70%. No século XIX, destiladores na Suíça e nas proximidades da França, especialmente em Pontarlier, começaram a comercializar a "fada verde". Sua popularidade foi acompanhada por rumores de causar alucinações.

Popularização na França

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Em 1910, as autoridades suíças oficialmente proibiram a venda e produção de absinto, o que paradoxalmente aumentou sua popularidade entre a elite parisiense. Apesar da proibição, os destiladores de absinto continuaram suas atividades clandestinas por décadas no Val-de-Travers, onde as autoridades faziam vista grossa. Cartas do século XIX foram encontradas, mencionando garrafas de absinto escondidas ao longo das trilhas na floresta.

A 'fada verde' que inspirou grandes artistas

Essa bebida serviu como fonte de inspiração para diversos artistas, desde Édouard Manet, que chocou o Salão de Paris de 1859 com sua obra "O Bebedor de Absinto", até Pablo Picasso, que criou uma escultura com o nome da bebida. Durante a Belle Époque, a "fée verte" (ou "fada verde", devido à sua cor característica) tornou-se a bebida da moda entre escritores e artistas em Paris. As cinco da tarde ficaram conhecidas como "Hora Verde" na cidade, marcando o auge do consumo de absinto.

O absinto moldava e desfazia laços de amizade, ao mesmo tempo em que gerava percepções e estados etéreos que permeavam obras artísticas. A bebida desempenhou um papel significativo na formação de diversos movimentos artísticos, tais como simbolismo, surrealismo, modernismo, impressionismo, pós-impressionismo e cubismo. Uma análise mais aprofundada da composição química do absinto antigo revela alguns de seus segredos. O sabor licoroso derivava do boldo ou do anis, mas a erva do absinto também continha tujona, que possuía um efeito levemente alucinógeno. Contudo, acredita-se que esse efeito tenha sido amplificado pela mitologia que cercava a bebida. O impacto poderoso no cérebro, na verdade, provavelmente resultava do alto teor alcoólico. Apesar disso, a aura mística do absinto persiste até os dias atuais.

Personalidades como Rimbaud, Baudelaire, Paul Verlaine, Emile Zola, Alfred Jarry e Oscar Wilde eram notáveis apreciadores do absinto. Enquanto Jarry o consumia puro, Baudelaire o misturava com láudano e ópio, e Rimbaud combinava com haxixe. Em diários, cartas e obras, eles descreveram o efeito viciante dessa bebida no processo criativo. Em seu poema "Poison," presente no volume de 1857 de "As Flores do Mal," Baudelaire elevava o absinto acima do vinho e do ópio como sua droga preferida.

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Rimbaud via a poesia como algo "alquímico, uma forma de transformar a realidade," e para ele, o absinto era uma ferramenta artística. A desorientação provocada pela bebida era o que conferia ao poeta uma visão prodigiosa do mundo.

Num conto de Guy de Maupassant, um funcionário de um cartório bebe tanto absinto numa festa de um pintor que acaba dançando valsa com uma cadeira e desabando ao chão. No dia seguinte, ele esquece tudo e acorda nu numa cama de um estranho. A reputação prejudicial do absinto contribuiu para seu declínio, sendo associada à decadência e morte de artistas como Baudelaire, Jarry, Paul Verlaine e Alfred de Musset. Há alegações de que Vincent Van Gogh teria consumido absinto antes de cortar a própria orelha.

Com tantos incidentes e até mesmo assassinatos atribuídos a ela, a bebida foi proibida em 1915 na França, Suíça, Estados Unidos e em grande parte da Europa. A "fada verde" desapareceu como fonte de inspiração no século 20, sendo substituída por coquetéis como o martini e, posteriormente, por drogas alucinógenas nos anos 1960. No entanto, referências quase nostálgicas à bebida persistem na literatura do século 20. Ernest Hemingway experimentou o absinto na Espanha nos anos 1920, usando-o como consolo em seu livro "O Sol Também se Levanta."

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Em "Por Quem os Sinos Dobram," Robert Jordan carrega absinto em seu cantil. Hemingway conta em "Morte na Tarde" que parou de participar de touradas, exceto quando tomava três ou quatro absintos, que lhe inflamavam a coragem e distorciam seus reflexos. O livro até traz uma receita de coquetel com absinto: "Coloque uma dose de absinto numa taça de champagne. Adicione champagne gelada até ficar com um aspecto leitoso. Beba três a cinco destes lentamente."

"Para mim, o absinto tem algo de místico, sobrenatural, qualidades que aprecio em bebidas", diz Rosie Schaap, colunista de drinques do New York Times, embora ela aconselhe moderação.

Nos círculos literários atuais, o absinto é mais parte do entretenimento do que da inspiração. Às vezes, a bebida ressurge em coquetéis de lançamento de livros de intelectuais. A nova "encarnação cultural" da bebida é diversificada – aparece em seriados como "Mad Men," foi lançada como marca própria pelo cantor Marilyn Manson ("Mansinthe") e também é vendida em edição de luxo por US$ 10 mil (a vintage "Pernod Fils"). Entretanto, hoje a bebida não é mais uma musa, mas sim uma tentativa de resgatar uma Belle Époque que não existe mais.

Dias Atuais

Hoje, após o levantamento da proibição em 2005, os residentes viram isso como uma oportunidade para promover seu vale. Em 2009, uma comissão conjunta suíça e francesa inaugurou o Caminho do Absinto, uma rota que leva os turistas a passar por destilarias, vilarejos e pousadas nos vales onde o absinto é produzido. E sim, a trilha orienta os turistas por várias fontes históricas com suas garrafas escondidas. A maioria, contudo, permanece oculta, aguardando que excursionistas sedentos as descubram para dar um gole.

Apesar de ser proibida em muitos países, alegações sobre os supostos efeitos alucinógenos do absinto nunca foram comprovadas. No entanto, é sabido que, em grandes quantidades, a tujona, substância ativa da losna, pode ser tóxica e causar problemas nos rins, fígado, além de dor de cabeça, tontura, convulsões, paralisia, entre outros problemas.

No Brasil de outrora, a simples menção da palavra "absinto" era vista como tabu, e o chá de losna, muitas vezes, era referido como chá de erva-de-santa-margarida ou erva-do-fel, mas nunca como chá de sintro ou de absinto, para evitar qualquer relação. A versão comercial da bebida chegou (e foi legalizada) no Brasil em 1999. No entanto, sua receita foi modificada para se adequar às leis brasileiras, que não permitem bebidas com teor alcoólico superior a 54° GL.

REFERENCIAS: BBC

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