Dogmas e Mistérios Espirituais

Borboletas Azuis: Quando a Fé Enfrentou o Fiasco do Apocalipse

Borboletas Azuis: Quando a Fé Enfrentou o Fiasco do Apocalipse

Ah, o fascínio humano pelo apocalipse! Desde tempos imemoriais, a ideia do fim do mundo vem sendo explorada em mitos, religiões e até memes modernos. Mas poucas vezes essa obsessão ganhou um tom tão peculiar quanto na história das "Borboletas Azuis", uma seita mística que surgiu no coração do Nordeste brasileiro nos anos 1960. Fundada por Roldão Mangueira de Figueiredo, um empresário algodoeiro de Campina Grande, esse grupo curioso tornou-se famoso por misturar espiritualidade, previsões catastróficas e... roupas azuis e brancas. Sim, você leu certo: eles tinham um dress code . Mas antes de entrar nessa jornada repleta de cores, profecias e ironias, vamos começar pelo começo.

O Nascimento de Um Sonho (ou Pesadelo?)

Tudo começou no final da década de 1960, quando Roldão Mangueira decidiu trocar o ramo do algodão pelo da salvação espiritual. Ele fundou a seita “Os Borboletas Azuis”, cujo nome já sugere leveza – ou talvez algo mais efêmero. Inspirado por uma mistura peculiar de catolicismo, espiritismo e protestantismo, Roldão criou um movimento único, mas que carregava as marcas de seu tempo: um período marcado pela busca por respostas espirituais e uma dose saudável de desespero existencial.

Logo, ele atraiu seguidores que acreditavam piamente em suas palavras. E que palavras eram essas? Prepare-se, porque a imaginação de Roldão era fértil: ele afirmava que o mundo seria destruído por um dilúvio devastador na década de 1980. Segundo ele, a tragédia começaria com uma bola de fogo cruzando o céu, o Sol girando três vezes (!), trovões ensurdecedores ecoando pela Serra da Borborema e, claro, chuvas ininterruptas por 120 dias. Se isso não é um roteiro para um blockbuster apocalíptico, eu não sei o que é.

A Época de Ouro (e Azul)

Nos anos seguintes, a seita cresceu e chamou atenção. Imagine só: centenas de pessoas andando pelas ruas de Campina Grande vestidas de azul e branco, como verdadeiros uniformes celestiais. Essa característica visual logo rendeu à seita o apelido de “Borboletas Azuis”. Os fiéis frequentavam a chamada “Casa da Caridade Jesus no Horto”, situada no bairro do Quarenta. Lá, realizavam sessões espíritas sobre a misteriosa “Mesa de Caridade” e orações tradicionais ao estilo católico, como o Ofício de Nossa Senhora. Era uma mistura eclética, mas que funcionava para quem buscava conforto espiritual.

No entanto, o líder tinha algumas normas bem peculiares. Além de proibir cores berrantes, esportes e medicina tradicional, ele incentivava seus seguidores a andar descalços para manter contato direto com a terra. Parece uma ideia bonitinha hoje em dia, né? Quase como aquelas práticas de grounding que os influenciadores fitness adoram divulgar nas redes sociais. Mas, na época, isso era visto com certa estranheza – afinal, ninguém quer ser confundido com um hippie perdido nos anos 70.

O Grande Dia (Que Nunca Chegou)

Chegamos então ao clímax da história: 13 de maio de 1980. Para os membros da seita, aquele seria o dia do juízo final. Muitos venderam seus bens, abandonaram empregos e familiares, tudo em nome da fé absoluta em Roldão Mangueira. As expectativas estavam lá em cima, e a cidade de Campina Grande vivia uma atmosfera tensa. Como relatou o Diário de Pernambuco na época, havia até medo de violência contra os integrantes da seita.

E, pasme, nada aconteceu. Bom, quase nada. No dia 13, choveu em Campina Grande. Sim, apenas uma garoa normalzinha, sem trovões dramáticos nem bolas de fogo cruzando o céu. Ah, e em Aracajú, um vento forte causou pânico entre trabalhadores de duas fábricas, que associaram o fenômeno ao fim dos tempos. Mas, fora isso, foi um dia como qualquer outro.

Roldão Mangueira, sentindo o peso do fracasso, simplesmente sumiu. Rumores diziam que ele havia sido internado em uma clínica psiquiátrica em João Pessoa, enquanto outros especulavam que ele teria tentado – sem sucesso – andar sobre as águas do Açude Velho. Uma cena digna de comédia pastelão, se não fosse tão trágica para seus seguidores.

O Declínio Silencioso

Após o fiasco da profecia, a seita sofreu um colapso inevitável. De cerca de 700 fiéis, restaram apenas 67. Com o tempo, até esse número diminuiu drasticamente. Após a morte de Roldão, em 1982, Antônio de França assumiu a liderança, tentando manter viva a chama da fé. Mesmo assim, o grupo continuou se esvaziando, até que apenas duas mulheres permaneceram: Maria Tereza e Helena Fernandes.

As duas se encontravam todas as noites na velha “Casa da Caridade”, onde rezavam e aguardavam a chegada de um novo líder. Na parede, uma foto de Roldão Mangueira ainda presidia as orações, como um símbolo ambíguo de esperança ou ilusão.

Lições de Uma Profecia Falida

Hoje, décadas depois, a história das “Borboletas Azuis” serve como um lembrete curioso de como somos facilmente seduzidos por narrativas apocalípticas. Afinal, quem nunca quis acreditar que estamos vivendo os últimos capítulos de algo grandioso? Mas também é uma lição sobre a fragilidade da fé cega. Quando as promessas não se realizam, o que resta são perguntas e cicatrizes emocionais.

Curiosamente, Campina Grande ainda guarda histórias engraçadas sobre o caso. Dizem que Roldão realmente tentou andar sobre as águas do Açude Velho – e quase se afogou. Isso virou motivo de chacota local, com moradores contando a história como se fosse uma lenda urbana.

Por Que Isso Importa Hoje?

Você pode estar se perguntando: por que reviver uma história tão antiga? Bem, além de ser fascinante, ela reflete questões atemporais. Vivemos em uma era de desinformação, onde teorias conspiratórias e profecias absurdas circulam livremente nas redes sociais. Talvez seja útil lembrar que, às vezes, o mundo não precisa de um dilúvio para seguir em frente.

Então, da próxima vez que ouvir alguém falando sobre o fim dos tempos, lembre-se das “Borboletas Azuis”. Elas podem ter errado a previsão, mas acertaram em cheio ao mostrar que, mesmo diante do caos anunciado, a vida continua. E que, no fim das contas, o azul do céu sempre volta a brilhar – mesmo que seja só metáfora.