VERDADES INCONVENIENTES

Nestlé e o escândalo das águas em São Lourenço - Parte 2

escanlou7Exploração - “Nestlé-free zone” (área sem Nestlé) diz o cartaz, com o sinal de proibido sobre o logo da empresa, na porta da casa de Alzira. “Aqui não entra mais nada da Nestlé. Proibi, e quando saio também nunca tomo água da Nestlé. Tomo qualquer outra se for preciso.” Na disputa entre a multinacional e o grupo de moradores, a dificuldade de acesso às informações da empresa alimenta sua revolta. “A gente não tem controle de nada, não sabe quanto sai de água para o engarrafamento, não sabe nem se eles pagam ICMS para cá.”

Entre os documentos que Alzira guarda em sua casa está a cópia de um estudo sobre a região do Circuito das Águas, publicado, em 1998, pela Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais Serviço Geológico do Brasil (CPRM) – uma empresa pública federal vinculada ao Ministério de Minas e Energia.

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Entre as conclusões apontadas na época estava o rebaixamento contínuo dos níveis estáticos das fontes. Ou seja, a distância entre a superfície do terreno e o nível da água dentro do poço, antes de ser iniciado o bombeamento, tinha aumentado. Com isso, a água da fonte alcalina, por exemplo, que antes brotava na superfície, já estava a três metros do chão. Também mostrou que o nível da água no aquífero, o nível piezométrico, havia sofrido rebaixamento.

O estudo ainda apontou que os aquíferos tinham produtividade limitada e que, portanto, as demandas deveriam “limitar-se às adequações existentes”. Também comparou a qualidade química e a vazão das águas de então com um estudo realizado no início do século 20. Os resultados indicaram que houve diminuição em peso dos principais componentes das águas, além de acentuada redução de vazão em duas fontes de São Lourenço. Diz o documento: “possivelmente este fenômeno esteja associado a ações antrópicas como desmatamento em áreas de recarga e à superexploração dos aqüíferos através dos poços em explotação [extração para fins econômicos] e dos novos poços perfurados”.

O promotor Guimarães conta que há muitos questionamentos em torno disso, pois embora o estudo indique a exploração das águas como causa possível dos problemas identificados, não afirma isso com certeza. A conclusão do documento apontou a necessidade de estudos complementares, que permitissem um maior conhecimento da dinâmica dos aquíferos, o controle de fontes potencialmente contaminantes na região e a determinação das reservas de água mineral, com o que seria possível estabelecer “um regime de exploração racional dos aquíferos”.

“É uma área muito sensível, que possui uma condição geológica muito particular, por isso a necessidade de um estudo maior e mais completo”, explica Décio Antônio Chaves Beato, que é hidrogeológo da CPRM e trabalhou na pesquisa de 1998. “O resultado das ações de hoje muitas vezes é percebido apenas no longo prazo e, se descobrirmos o problema só muitos anos depois, talvez seja tarde ou fique mais difícil de revertê-lo”, ressalta. Ele conta que um estudo desse tipo pode levar até quatro anos. Outro risco, diz, vem do fato de a área urbana da cidade estar muito próxima das fontes, por isso seria necessário um grande controle ambiental na cidade.

Novo Estudo

A pesquisa mais completa sobre a área, sugerida em 1998, nunca foi feita. “Vamos ao parque e sentimos que a água está diferente. Precisamos de um estudo que compare a qualidade da água hoje com o que era antes, para saber o que está acontecendo, mas parece que isso não é óbvio”, contesta Nair, do Amar’Água. O promotor Guimarães aponta outras questões importantes sobre a região que precisariam ser esclarecidas, como a determinação de onde fica a área de recarga de água dos aquíferos, das áreas que não podem ser urbanizadas por conta disso e se há algum problema de contaminação. “Só que esses estudos ficam caros e precisa haver uma demanda política para a CPRM, pois se trata de uma empresa pública”, diz.

Em busca de apoio para a solicitação desse novo estudo, o grupo Amar’Água entrou em contato com deputados mineiros. Em outubro, o relator do projeto do novo Código de Mineração na Câmara, Leonardo Quintão (PSDB), protocolou um ofício junto à CPRM solicitando que fosse verificada a possibilidade de elaboração de um novo estudo. “Mas não tivemos mais retorno”, conta Alzira. Quintão não atendeu às solicitações de entrevista da reportagem. Já o deputado mineiro Gabriel Guimarães (PT), presidente da Comissão Especial do Novo Código de Mineração, prometeu acompanhar a questão: “Esse é um pleito justo, legítimo, e me comprometo publicamente a acompanhar o andamento desse estudo que é fundamental para a preservação das águas e a sustentabilidade da região.”

“Segundo a Nestlé, ela extrai menos da metade do que está autorizada pelo DNPM. Sem esse estudo, fica difícil, senão impossível, de dizer se há ou não superexploração”, ressalta o promotor Pedro Paulo Barreiros Aina, que instaurou a Ação Civil Pública contra a empresa em 2001 e também defende a necessidade de um estudo novo. Ele explica como é definido o limite de explotação pelo DNPM: “O órgão utiliza um teste de bombeamento para verificar quanto tempo o poço leva para se recuperar depois de a água ser bombeada por um certo número de horas”.

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Procurada pela reportagem, a Nestlé informou, em resposta por e-mail, que em 2013 extraiu apenas 44% do volume de água total autorizado pelo DNPM: “Corresponde ao necessário para o atendimento da demanda de vendas, da comunidade e do fontanário do parque”. O DNPM não atendeu às solicitações de entrevista da reportagem, mas, de acordo com informações obtidas com o órgão por meio da Lei de Acesso à Informação, a capacidade de vazão do poço aprovada é de 10 metros cúbicos por hora, ou seja, 10 mil litros por hora, por um período máximo de 12 horas por dia. Isso tanto para abastecer a indústria, o bebedouro do Parque das Águas e o Fontanário Público (água gasosa). A empresa não divulgou a quantidade extraída, mas segundo os cálculos feitos pela reportagem, a quantidade deve ser de cerca de 1,6 milhão de litros por mês, que correspondem a 44% dos 3,6 milhões de litros autorizados pelo DNPM. Em um ano, a empresa deve retirar, portanto, uma média de 19 milhões de litros de água.

Divulgação de pesquisas

Presidente da Comissão das Águas da Câmara Municipal de São Lourenço, o vereador Agilsander Rodrigues da Silva (Partido Social Liberal – PSL), o Gil, conta que, em 2010, foi feita uma avaliação do aquífero de São Lourenço pela universidade suíça Neuchatel, promovida pela Nestlé. “Fiz um requerimento na Câmara questionando esse estudo e pedindo para me mandarem, mas não tive acesso a ele até hoje”. Para o vereador, falta à empresa dar mais publicidade e transparência aos trabalhos e pesquisas que realiza. Ele ainda questiona o motivo de o estudo ser feito por uma universidade estrangeira. “Por que não uma universidade brasileira? Por que não a Universidade Federal de Itajubá, que tem um curso de engenharia hídrica, ou a Unicamp, a USP, que têm um grau elevadíssimo de pesquisa?”

A associação Amar’Água também solicitou acesso ao estudo pelo Conselho Municipal de Conservação e Defesa do Meio Ambiente (Codema), mas o pedido foi negado pelo DNPM por serem dados de “divulgação restrita e sigilosos”, como diz a resposta enviada ao órgão a que Alzira teve acesso. Segundo a assessoria da Nestlé, os resultados da pesquisa foram divulgados em setembro de 2010 em reunião com o grupo “Amigos do Parque”. Ainda segundo a empresa, a universidade suíça foi escolhida por ter reconhecimento mundial no setor de águas e o estudo foi realizado para garantir a explotação sustentável das águas para engarrafamento e devidamente validado pelas autoridades fiscalizadoras. A empresa, no entanto, não enviou uma cópia do estudo, como solicitado pela reportagem.

“A comunicação dessas empresas com a população é muito difícil. Elas se respaldam muito no sigilo industrial para não divulgar certas informações. Mesmo para a Justiça dificultam o acesso a certos dados”, pontua Guimarães. O promotor conta que há um novo inquérito civil em curso, que analisa se as reclamações da população sobre a exploração das águas procedem e o que pode ser feito judicialmente. “Apuramos responsabilidades, se há dano ou perspectivas de dano que possa ser evitado, de uma fonte se extinguir, por exemplo”, explica. O inquérito está em fase de perícia técnica.

Urbanização

Afastando-se do Parque das Águas, dos cafés, restaurantes e lojas de artesanato, doces e queijos que o cercam, vemos novos bairros em construção. São residências de veraneio, condomínios e hotéis. Castelinhos em estilo europeu que convivem com casas de campo brasileiras e habitações populares. Cercado por sete colinas, o município de 41 mil habitantes e 58 quilômetros quadrados quer crescer.

O turismo ainda é o principal motor da economia de São Lourenço, que tem o segundo maior número de leitos em hotéis do estado, atrás apenas da capital, Belo Horizonte. Mas São Lourenço diversificou suas atividades nos últimos anos e hoje é também um polo regional de serviços de saúde, educação e comércio. “Na última década, a cidade saiu da faixa de 600 pontos comerciais para 1.600. As fábricas de doces e malhas se profissionalizaram. Hoje exportam, e o número de turistas tem aumentado de 12% a 17% ao ano”, diz o prefeito Zé Neto. Para o promotor Bergson Guimarães, no entanto, o descontrole da ocupação das áreas de recarga – onde a água da chuva, que irá se tornar mineral, se infiltra no solo – e o aumento das fontes de poluição podem ter consequências até mais graves que a própria exploração comercial da água. “Sem conhecimento técnico-científico dessa área, ela pode estar sendo impermeabilizada de forma irresponsável”, diz.

Overeador Gil acredita que um estudo maior sobre a região, como o solicitado à CPRM, seria importante inclusive para ajudar a redefinir o Plano Diretor do município. “Precisamos atualizá-lo até para assegurar a qualidade de vida em São Lourenço. Já que somos um município muito pequeno, precisamos ter muito cuidado com a expansão urbana. Com esse estudo em mãos, poderíamos mudar o foco dessa discussão, porque teríamos como comprovar onde estão as áreas de recarga.” Ele cita o caso do Conjunto Habitacional Santa Helena, construído em 2011. “Dizem que está numa área de recarga, mas não temos essa certeza e teve autorização do Codema”, explica. Gerente do departamento de meio ambiente de São Lourenço e membro do Codema, Janimayri Forastieri de Almeida Albuquerque diz que um laudo técnico apontou que aquela área não tinha uma importância tão grande para a recarga, ainda que fosse considerada. A construção do loteamento foi liberada com algumas condicionantes, como o calçamento com paralelepípedos e bloquetes, de modo a facilitar a infiltração de água na área.

“Ficamos preocupados se devemos ou não impedir que uma obra seja construída porque não temos certeza sobre quais são as áreas de captação de água”, conta. Para ela, é importante que seja feito um estudo em toda a região e não só em São Lourenço: “Às vezes deixamos de crescer para poupar um lugar, quando um município vizinho pode estar atacando uma área até mais importante para a recarga. O estudo da CPRM pode esclarecer essa situação e nos dar parâmetros para estabelecer parcerias de proteção dessas áreas.”

Poluição

Outros problemas do crescimento urbano são o lixo e o esgoto da cidade. No município há água encanada para todos, mas o esgoto coletado ainda não é tratado. Em construção, a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) deve ser inaugurada em 2015, segundo o prefeito. Enquanto isso, os detritos de São Lourenço são despejados no rio Verde, numa área a jusante – abaixo – de onde ocorre a captação de água para as fontes, o que, segundo Janimayri, não traz grandes impactos para a água mineral. “Não significa que estamos certos de jogar esgoto, até porque precisamos despoluir o rio”, ressalta. O professor Reginaldo Bertolo, do Instituto de Geociências da USP, lembra que outro cuidado importante deve ser a eficiência da captação desse esgoto. Como a pressão nesses encanamentos é mínima, quando não negativa – ao contrário do que acontece com a água, que chega às casas com alta pressão –, é muito difícil identificar vazamentos na rede de esgoto.

Já os resíduos sólidos urbanos são despejados num lixão desde 1989. “Como não temos área rural, nem sem água, não temos um local passível de licenciamento ambiental de aterro sanitário”, explica Janimayri. Para resolver o problema, São Lourenço criou um consórcio com os municípios vizinhos e, em parceria com a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional, Política Urbana e Gestão Metropolitana (Sedru), implantará uma usina de triagem e compostagem com embolsamento. “Resumidamente, faremos a triagem, a compostagem e o que sobrar de resíduo orgânico vai ser embalado. Depois de certo tempo, essas grandes embalagens são abertas e o que está ali se tornou um composto orgânico que pode ser usado em áreas de reflorestamento”, explica Janimayri. Ela conta que essa é uma tecnologia ainda inédita no Brasil e seu início está previsto para agosto deste ano. Já o lixão existente deve passar por um processo de recuperação, uma exigência para o licenciamento ambiental.

Retorno

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Pela exploração das águas minerais de São Lourenço, a Nestlé pagou ao governo brasileiro R$ 515.107,07 em 2012. Em 2013, até o dia 13 de dezembro, esse valor era de R$ 445.545,41, segundo dados obtidos com o DNPM pela Lei de Acesso à Informação. “O lucro das empresas engarrafadoras é muito maior e elas ainda reclamam da tributação, fazem questionamentos jurídicos”, relata Guimarães. Como essa água é considerada um recurso mineral, está sujeita a uma contribuição chamada Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem), que é dividida entre União (12%), Estado (23%) e município produtor (65%). Em 2013, São Lourenço deve ter recebido, portanto, cerca de R$ 290 mil pela exploração que a empresa faz de suas águas.

O recurso é a única receita a que têm direito os municípios onde há explotação de água mineral, além do ICMS. De acordo com a legislação, a Cfem para a água mineral corresponde a 2% sobre o faturamento líquido da venda do produto mineral. “Fico preocupado porque o valor é muito pouco perto do que a água representa para o Brasil e para o município”, diz o vereador Gil. O prefeito Zé Neto concorda que a Cfem é pequena, mas ressalta que a empresa também patrocina eventos da cidade, como o Festival de Inverno. “Às vezes o apoio é na divulgação ou com distribuição de água mineral, outras vezes financeiramente, mas não é essa a grande significação, os valores são muito pequenos. O grande retorno social que eles podem fazer é manter o parque e preservá-lo bem cuidado para atrair turistas”, defende.

Entre os eventos patrocinados pela empresa está a Comenda Ambiental Estância Hidromineral de São Lourenço, em que são condecoradas, no Dia Mundial da Água, personalidades que contribuíram para o desenvolvimento do meio ambiente, da cultura e do turismo. Na entrega das medalhas de 2013, que incluiu dois gerentes da própria Nestlé, o Amar’Água esteve presente, protestando. Em suas camisetas pretas, um leão, símbolo das fontes do parque, chora.

“Os organizadores não gostaram, mas foi um protesto pacífico. Não tinham o que fazer. E conseguimos várias assinaturas para nosso abaixo-assinado”, lembra Letícia Rodrigues, que fez a ilustração das camisetas usadas pelo grupo. A estudante de direito de 19 anos é a mais jovem participante do Amar’Água. Ela, que era criança quando houve a primeira grande mobilização pelas águas de São Lourenço, em 2001, conta que conseguiu alguns apoios na faculdade, ainda que muitos desconheçam as discussões sobre água mineral. “Falta informação, e alguns também não querem saber o que se passa”, diz.No dia 22 de março deste ano, na entrega da Comenda das Águas, os manifestantes estiveram presentes e foram novamente impedidos de entrar com seus cartazes no espaço reservado ao evento, na praça em frente ao parque. Do lado de fora, fizeram seu protesto.


Pode ser a gota d'água

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17/03/2015 - A briga da comunidade da estância mineira São Lourenço com a suíça Nestlé tem novo capítulo. Os moradores acusam a empresa de secar o famoso Parque das Águas do município e o Ministério Público pede que a empresa pague estudo de impactos ambientais. A maior empresa de alimentos do mundo, a suíça Nestlé não vive o melhor de seus dias nas relações com ambientalistas e defensores dos animais. Na Califórnia, uma ação pública, apresentada em fevereiro, alega que a ração Beneful, da divisão Nestlé Purina PetCare Company, causou a morte de centenas de cães. O motivo seria as toxinas presentes no alimento para os totós. A empresa negou o problema e afirmou que casos similares foram alegados no passado e considerados improcedentes pelos tribunais. No Brasil, em que a marca Purina é vendida, mas não a ração Beneful, os problemas são outros, e envolvem a divisão Nestlé Waters.

Agravada pela maior estiagem do Sudeste em mais de 80 anos, a empresa voltou a ser investigada pelo Ministério Público de Minas Gerais por, supostamente, estar exaurindo o lençol freático do município de São Lourenço, na Serra da Mantiqueira. A economia local é alimentada principalmente pelo turismo. A estância, chamada de Parque das Águas, já hospedou, em seus tempos áureos, turistas célebres como o então presidente Getúlio Vargas. Embora o conflito tenha se agravado nos últimos meses, a disputa se arrasta de 1998, quando a companhia adquiriu da francesa Perrier as licenças de exploração das fontes da região.

Parecia que a disputa seria resolvida em 2006, quando a Nestlé assinou um “termo de ajustamento de conduta” com o Ministério Público do Estado, assumindo diversos compromissos, como deixar de explorar a Fonte Primavera, uma das mais importantes do parque e que estava comprometida. Com isso, a companhia abriu mão de produzir a marca Pure Life, retirada do local e que modificava a composição original da fonte. A decisão não resolveu o embate. Em 2013, um novo pedido popular de inquérito, por conta da diminuição da vazão das águas no Parque, foi acatado por Leandro Pannain Rezende, promotor de Justiça da comarca de São Lourenço.

“Antigamente, a vazão das fontes era espontânea. Agora, todas passam por bombeamento”, diz Hélio Marques, um dos líderes do movimento Amar’Água, criado há três anos. “Estão bombeando a até 450 metros abaixo do solo, para encontrar água.” No auge da produção da Pure Life, a empresa retirava 1 milhão de litros do precioso líquido por dia. A organização Amar’Água alega que a empresa voltou a extrair, em média, quase o mesmo valor. Lembre-se que o mercado de água mineral engarrafada está aquecido por conta da crise hídrica do Sudeste. O temor é que mais danos irreparáveis aconteçam, como já ocorreu no passado recente.

A Fonte Oriente, que jorrava uma água de teor gasoso, secou em 2008. O monumento da fonte, construído em 1883, é o mais antigo do Parque e deu fama à cidade, a ponto de ter a sua escultura de cabeça de leão reproduzida nos rótulos das garrafinhas da água mineral São Lourenço, vendida pela Nestlé. “O inquérito está demorando porque estamos com dificuldades para encontrar um técnico independente que possa fazer uma perícia desse porte”, diz Rezende. Outro promotor, Bérgson Cardoso Guimarães, responsável pelas promotorias ambientais da Bacia do Rio Grande, prepara um outro estudo ambicioso que pode responder a algumas perguntas da comunidade.

“Estamos preparando um termo de referência, quase um check list, de impacto ambiental, para saber qual o nível atual das águas do Parque e qual o bombeamento correto para o local”, diz. Depois de pronto, Guimarães apresentará o termo para a Nestlé, e pedirá que ela financie o custoso estudo. A companhia afirma ter interesse em conservar as fontes. “A atuação da empresa ocorre de forma totalmente responsável e voltada à preservação dos aquíferos”, respondeu à DINHEIRO, por meio de comunicado oficial. “Sendo assim, a operação segue em condições habituais, com o volume de captação inferior ao que é autorizado pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), do Governo Federal.”

Mas, nesse ponto, cidadãos e promotores concordam que o DNPM não deveria ser o órgão responsável por essa fiscalização. O arcabouço jurídico brasileiro coloca a exploração de água para consumo humano fora da política de recursos hídricos, e dentro da regulação para mineração. Ou seja, permite que um poço seja exaurido, tanto quanto é consentido na extração de bauxita ou de ferro. É essa possibilidade que mais assusta os ambientalistas. Um dos maiores especialistas em água subterrânea do Brasil, o geógrafo Adelino Gregório Alves, chegou a investigar para a DNPM, em 1998, o caso Nestlé. “Quatro meses depois de fazer o estudo, ele foi exonerado do cargo”, afirma Marques. “Ele me garantiu que São Lourenço ficaria sem água em 20 anos, em 2018.”


Fonte: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
www.cidadaniapelasaguas.net
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