CURIOSIDADES

Testamentos Pet: Quando Animais São Herdeiros Oficiais e a Lei Aprova

herdeiropet12023 - "Toda essa situação teve início após o animal deixar a área externa, saltar sobre o sofá e dirigir-se à cama", relata Cinthya Macedo Pimentel, dirigindo um olhar materno para Nina, sua Sem Raça Definida (SRD). Além de advogada especializada em sucessões, Cinthya utiliza essa perspectiva evolutiva para justificar a herança destinada a um animal - uma herança formalizada por meio de testamento e juramentada. "Estamos lidando com famílias multiespécie, onde o animal é considerado mais um membro da família. O que antes poderia parecer estranho, hoje é aceitável." Ela compartilha um caso recente: uma cliente de meia-idade em São Paulo decidiu redigir um testamento designando duas parentes como responsáveis por seus animais - cinco cachorros e dois gatos. A cliente expressou o desejo de que todos os animais recebam cuidados, alimentação e assistência médica ao longo de suas vidas.

Para viabilizar isso, as parentes utilizarão os rendimentos provenientes do patrimônio deixado pela cliente, incluindo duas propriedades. Foi estabelecido que duas parentes seriam herdeiras legatárias, permitindo que, caso a primeira não aceite a responsabilidade, a segunda assuma. Além disso, foram indicados herdeiros diretos para essas parentes, no caso de seu falecimento antes do último animal. Quando não houver mais animais para cuidar, os bens serão transferidos para o responsável daquele momento. Um aspecto peculiar desse testamento é que os animais não são especificados, pois podem variar até a morte da tutora. A cliente mora em um sítio, onde há espaço para acomodar uma população variada, considerando que alguns animais são idosos e podem falecer em breve. Anualmente, por meio de uma declaração registrada em cartório de notas, um veterinário e os animais sob tutela serão indicados. Essa declaração será entregue ao executor do testamento.

Cinthya destaca que a cliente não tem filhos nem cônjuge, mas possui um pai vivo. Como ascendente, o pai é um herdeiro necessário, recebendo automaticamente 50% do patrimônio se a filha falecer antes dele. Se o pai falecer primeiro, 100% dos bens serão destinados às duas herdeiras legatárias, com a responsabilidade de zelar pelo bem-estar dos animais. "Na verdade, costumo sugerir a criação de uma previdência privada em nome de uma terceira pessoa, com uma justificativa explícita para essa nomeação", afirma a advogada. Essa "pessoa" poderia ser o animal. Cinthya, por exemplo, especificou que sua previdência seria destinada à sobrevivência de Nina, sua companheira há nove anos. No entanto, ela observa que essa abordagem não seria viável para sua cliente devido à rotatividade de animais e às restrições da previdência quanto à obrigatoriedade do beneficiário.

No contexto do testamento, a formalidade é essencial, respaldada pelo tabelião. Embora haja aproximadamente 150 milhões de animais de estimação no país (dados de 2021 do Censo Pet do Instituto Pet Brasil), legar patrimônio a um membro não humano ainda é encarado com reservas pela sociedade. Isso explica o desejo de anonimato por parte dos testadores, que preferem manter o assunto confinado às discussões no escritório de advocacia. Porém, no cenário das celebridades, a situação é diferente. Deixar herança para animais de estimação tem ganhado destaque, não tanto pela abordagem "humanitária" de influenciadores, mas pelos valores significativos envolvidos.

A apresentadora de TV americana Oprah Winfrey, de 68 anos, anunciou que seus cinco cães herdarão coletivamente US$ 30 milhões (aproximadamente R$ 153 milhões), com cada um possuindo seu próprio fundo fiduciário. O estilista alemão Karl Lagerfeld, falecido em 2019 aos 85 anos, destinou uma fortuna de cerca de R$ 460 milhões para Choupette, sua gata tortie creme-azul da Birmânia. A cantora americana Taylor Swift, de 33 anos, estabeleceu que sua gata Olivia Benson receberá um patrimônio líquido de US$ 97 milhões (cerca de R$ 495 milhões). Manchetes também divulgaram que a escritora brasileira Nélida Piñon, falecida aos 85 anos em dezembro passado, deixou quatro apartamentos de luxo à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio, para suas duas filhas caninas, Suzy Piñon, pinscher de 13 anos, e Pilara Piñon, chihuahua de 3.

Desconsiderando os valores monetários envolvidos, é relevante destacar distinções entre o sistema jurídico romano e o anglo-saxão nesse contexto. Maíra Pereira Vélez, advogada defensora dos direitos dos animais e presidente da Comissão de Defesa dos Direitos dos Animais da OAB-SP, aponta que nos Estados Unidos é possível legar uma herança diretamente em nome de um animal, o que não ocorre no Brasil. Segundo ela, de acordo com nossa legislação sucessória, é viável elaborar um testamento visando o bem-estar de um animal, mas o beneficiário efetivo do patrimônio será uma pessoa física ou jurídica. Essa entidade assumirá a responsabilidade de garantir o cumprimento das disposições testamentárias, como o conforto do animal, o local de residência e a escolha do veterinário. Isso ocorre porque, perante a lei brasileira, os animais ainda não são reconhecidos como sujeitos de direito, embora alguns tribunais reconheçam certos direitos em casos de divórcio e separação, especialmente em ações de guarda e pensão.

De acordo com Tauanna Vianna, advogada com doutorado e mestrado em direito civil, especializada em direito de família e sucessões, há uma gradual aceitação de que os animais não devem ser tratados como objetos, mas sim como seres sencientes, capazes de sentir sensações. No entanto, essa perspectiva não é unânime. Ao discutir a guarda de um animal nos tribunais, alguns juízes tratam a questão como uma questão de propriedade, enquanto outros a enquadram na esfera de direitos familiares. Apesar da aprovação em ambas as casas legislativas (Câmara dos Deputados e Senado), o projeto de lei (PL nº 6.799, de 2013) que alteraria o artigo 82 do Código Civil, reconhecendo os animais como titulares de direitos, enfrenta obstáculos.

Maíra destaca que o projeto retornou a comissões específicas para discussão sobre seu alcance, e a resistência parte, em grande medida, da bancada ruralista, que teme reconhecer os animais como sujeitos de direito, devido à sua criação para fins alimentares e de vestuário. No contexto de testamentos, seja em nome do animal ou não, surge a pergunta: como assegurar que o animal de estimação receberá o que foi destinado a ele? Maíra sugere a presença de três figuras-chave: o testamenteiro, responsável por abrir e comunicar as disposições do testamento, um administrador da herança, especialmente se for substancial, e um fiscalizador, que pode ser uma pessoa ou entidade, como uma associação. Tauanna acrescenta que o Ministério Público também pode ser acionado, embora não fiscalize rotineiramente a vida das pessoas, mas esteja disponível para receber denúncias de terceiros.

No caso de Choupette, além de suas duas cuidadoras, Françoise e Marjorie, e dos boatos sobre suas preferências, 130 mil seguidores no Instagram acompanham o luxuoso cotidiano legado por Lagerfeld. Choupette desfruta de refeições à mesa, check-ups, viagens de jatinho e férias no campo, e conta com um chef, motorista particular, guarda-costas e agente em seu círculo. Lagerfeld comparava a gata à infanta Margarida Maria Teresa, retratada no quadro "As Meninas" de Diego Velázquez, onde a princesa é cercada por empregados. No Instagram, Choupette encara a câmera com seus olhos azul-safira, expressando: "Eu te amo, papai!"

REFERENCIAS:   YOUTUBE

                          ANDA

                          PORTAL CÃES E GATOS

                          JUSBRASIL

                          FORUM ANIMAL