RELIGIÃO, CULTOS E OUTROS

A misteriosa história por trás das seguidoras de Inri Cristo

inricri topoPor Leilane Menezes, 20/08/2017 - Inri Cristo, 69 anos, é famoso. Não recusa convites para participar de programas humorísticos, já fez ponta em uma peça de teatro e concede entrevistas nas quais, em geral, é tratado como piada. Vestido em túnica branca e com coroa de espinhos de plástico, se apresenta como a reencarnação de Jesus Cristo. Ergueu um culto ao redor de si mesmo e está sempre acompanhado de mulheres sorridentes que usam vestidos longos azuis e maquiagem. Na web, elas ficaram conhecidas por fazer clipes com paródias místicas de músicas pop. Para além do humor, pouco se sabe sobre elas. Pode não parecer, mas seguir Inri Cristo é sério para quem faz essa escolha de vida.

A rotina dessas mulheres, inclusive, envolve muitos segredos e perguntas sem respostas. Elas dividem com o “messias” uma casa construída no Núcleo Rural Casa Grande (DF), área rural do Gama, a 30km do Plano Piloto. O terreno de 20 mil m² abriga o reino de Deus na Terra — ou pelo menos é nisso que acreditam os habitantes da Suprema Ordem Universal da Santíssima Trindade (Soust), fundada em 1986 por Álvaro Inri Cristo Thais.

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Dezenas de mulheres — e homens, em menor quantidade — entregaram por livre arbítrio seus destinos nas mãos dele. Abdicaram de uma vida sexual (o celibato é umas das regras), abandonaram suas famílias e profissões para viver numa comunidade onde ele, que tem o dobro da idade da maioria delas, dita as regras. Inri diz como elas devem se vestir, agir, pensar, se alimentar e até a maneira de se limpar depois de ir ao banheiro — o uso de papel higiênico ali é abolido, somente água purifica.

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Obediência é um dos princípios básicos para quem decide integrar a Soust. As seguidoras precisam estar dispostas a fazer todo o serviço doméstico, além de cortar os cabelos e as unhas dos pés de Inri. Consideram-se uma família, na qual todos trabalham “pelo bem comum e pelo amor”. Qualquer insubordinação, porém, pode ser punida com castigos que elas chamam de “disciplinas” — a retaliação pode ser lavar a louça ou a salada do dia, por exemplo.

As moradoras aceitaram também que o “messias” lhes desse um novo nome. Assinoê, Ádri, Alara, Alysluz e Adeí são alguns exemplos. Todos começam com a letra “a”. “As mulheres ficaram do meu lado na cruz, o uso da letra é uma homenagem a elas. Quem determina os nomes é o meu pai (Deus)”, explica Inri. O líder do grupo justifica o fato de viver cercado do sexo feminino e diz que a relação é de um pai com suas filhas. “Muitos querem viver aqui, mas poucos são os escolhidos. É preciso reconhecer quem eu sou (Jesus) e as mulheres têm mais sensibilidade”, afirma. Com homens, segundo Inri, o processo é mais complicado. “Eles têm mais dificuldade em provar que acreditam verdadeiramente em mim.”

As seguidoras, em geral, passaram dos 30 anos e vieram de várias partes do Brasil, mas especialmente do Rio Grande do Sul, onde Inri começou sua carreira como líder religioso. Não saem sozinhas e só as que atendem pedidos de entrevistas têm telefone liberado. O contato delas com as pessoas que vivem lá fora é motivo de reprovação, caso não seja em atividades relativas à Soust. Os parentes biológicos podem receber notícias ou fazer visitas, mas qualquer meio de comunicação deve ser autorizado por Inri. “A princípio, meus genitores questionaram minha decisão, todavia, acredito que hoje compreendem a escolha que fiz”, afirma a discípula Ádri.

Ádri admite que se sente vigiada, mas não acha que isso seja um problema. Para ela, os que vivem fora dos muros da Soust é que estão presos. “Somos nós que abrimos a porta aos que estão na prisão, que é o mundo caótico onde a maioria vive, para que adentrem os domínios da Soust. Somos livres não apenas fisicamente, mas espiritualmente”, diz.

Nós não almejamos ir a lugar nenhum, pois Inri nos ensinou a sermos felizes em nossa própria companhia"
Ádri

Na pesquisa “Inri Cristo e seus discípulos: um estudo sociológico das motivações na adesão ao movimento messiânico”, o doutor em ciências da religião Edson Martins, da Universidade Metodista de São Paulo, relatou que a maior parte dos seguidores era pouco instruída e de baixa renda.

“Em movimentos como o do Inri, essas pessoas sentem-se em um espaço privilegiado, onde eles podem ser alguém, individualizados, adquirindo um reconhecimento social que não possuíam, fortalecendo a autoestima, sentindo-se valorizados e encontrando um sentido para a vida e razão para viver”, afirma o doutor em ciências da religião.

O advogado criminalista Euro Bento levanta algumas questões sobre a legalidade do que ocorre na Soust. “Seria preciso um inquérito policial para avaliar até que ponto essas mulheres são livres e se ele engana as pessoas que doam dinheiro com promessas de cura ou de salvação, isso seria charlatanismo e há pena prevista em lei”, afirma Euro Bento.

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Para os discípulos, a casa no Gama é o Éden e isso é tudo que importa. “A Soust é um país místico no interior do Brasil. Conforme a revelação que Inri recebeu do pai, Brasília é a Nova Jerusalém do Apocalipse”, explica Ádri.

O “Éden” de Inri, entretanto, é cercado de arames farpados e câmeras de vigilância. Tem, inclusive, uma torre de observação para avistar quem chega. Homens com rádios para a comunicação fazem a segurança do local. Aparentemente, só a proteção divina não basta.

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Há armas de fogo na casa de Jesus. Os moradores carregam revólveres, que, segundo eles, estão dentro da lei. As armas foram compradas após um ataque aos discípulos, afirma Inri Cristo em entrevistas, sem revelar o modelo nem o número de registro delas.

Logo na chegada ao terreno onde moram, uma placa com uma caveira desenhada traz o aviso: “As asas do azar, da desgraça e da morte roçarão a vida dos que transgredirem a lei do silêncio quebrando a paz da casa do senhor”. O “messias” e suas seguidoras são vizinhos de muitas casas de festa, o que frequentemente torna-se um problema para quem gosta de sossego.

Eloneida Maria vive em frente ao terreno. Relata que Inri recebe muitas visitas, mas que os moradores de sua casa são silenciosos. Só fazem barulho nos domingos à noite, quando jogam sinuca e bebem (o álcool não é proibido). “As moças nunca estão sozinhas, só saem em uma van com vidro escuro. Não pode ser normal viver assim, sem socializar com o mundo”, opina.

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O paraíso brasiliense é guardado a sete chaves. Inri Cristo não permite visitas aos dormitórios — que podem ser individuais ou coletivos — nem a áreas da casa fora do espaço onde dá entrevistas, um salão externo com altar montado. “Quer conhecer uma pessoa? Veja seu habitat”, diz, ao recusar acesso da reportagem à casa.

Tudo ali é mantido por meio de doações, segundo Inri, vindas de pessoas a quem ele chama de “beneméritos”. O todo-poderoso não revela exatamente de onde vem o dinheiro necessário para sustentar os cerca de 20 moradores da Soust.

Um imóvel parecido com esse pode custar mais de R$ 1 milhão, segundo anúncios feitos na região. Para comprar a casa, Inri Cristo vendeu bens em Curitiba (PR), onde vivia anteriormente. Um deles aparece na internet com preço de R$ 100 mil. Com esse patrimônio, comprou a casa na área rural do Gama, em 2006 — naquela época o valor era bem menor do que hoje. Ele não revela, entretanto, quanto pagou pela casa.

A falta de transparência é padrão em várias entidades religiosas. A Soust, por exemplo, rejeita o título de religião, mas tem CNPJ de igreja e isenção de impostos. “Doações são a caixa preta de toda e qualquer igreja. Elas não pagam à Receita Federal, mas devem declarar o que recebem. Nem sempre o fazem, por isso tanto segredo”, explica o advogado Euro Bento Maciel Filho.

Inri Cristo nasceu em Indaial (SC). Diz ter sido entregue por uma parteira a um casal de agricultores. Inri estudou durante apenas três anos em uma escola formal, onde foi alfabetizado. “Me formei em sociologia na vida, nesse laboratório com cobaias vivas. O que se ensina nas faculdades é ultrapassado”, diz.

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Álvaro Thais passou a reivindicar o direito de ser chamado de Inri (acrônimo de Rei dos Judeus, que estava escrito na cruz) Cristo. Brigou durante 15 anos na Justiça do Paraná, que o acusava de falsidade ideológica, até que ganhou autorização para incluir o nome em sua identidade oficialmente. Nesse meio tempo, invadiu igrejas para discursar, foi preso e expulso de vários países por onde passou com sua pregação.

Vinde a mim as criancinhas
Inri afirma que menores de 21 anos não podem viver na Soust, mas há quem tenha crescido ali. Fotos mostram Alara Radar, uma das discípulas mais atuantes nas redes sociais, ainda criança recebendo bênçãos de Inri.

Alara mudou-se quando era um bebê para a sede da Soust, que ficava em Curitiba, com os pais. A mãe dela era uma costureira de calçados que viu Inri Cristo na TV e encantou-se por aquele homem que dizia ser Jesus.

“Eles se mudaram e nunca mais tivemos contato, pois o Inri não deixa”, diz uma tia de Alara, Aparecida Nascimento, localizada pela reportagem. Não há informação sobre o paradeiro dos pais biológicos de Alara, a quem o Metrópoles pediu entrevista, mas não teve resposta.

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Outra seguidora, que ganhou o nome de Adeí Schmidt, 37 anos, conheceu Inri aos 12, acompanhada da mãe. Aos 13, já viajava sozinha com ele, com autorização da família. Após completar a maioridade, foi viver definitivamente na Soust. “Tinha 19 anos e era o momento de entrar pra faculdade, mas escolhi seguir Inri Cristo. Na Soust estudei línguas, filosofia e aprendo os ensinamentos de Inri”, afirma.

Sou livre dentro da minha realidade, o que Inri nos ensina é a liberdade consciêncial"
Adeí Schmidt

As portas da Soust nunca estão destrancadas, mas podem ser abertas a qualquer momento, segundo Inri Cristo. Quem desejar deixar a entidade precisa apenas comunicar a decisão.Discípulos também podem ser expulsos. Há relatos de cerimônias em que as túnicas dos desertores são queimadas. Quem sai não pode mais voltar. “Do muro para fora, estão sozinhos, eu não me responsabilizo pelo que fazem fora daqui”, afirma o homem que diz ser Jesus Cristo.

A definição de distopia ajuda a entender a sensação de estar presente nessa realidade alternativa. A palavra quer dizer “lugar ou estado imaginário em que se vive em condições de extrema opressão, desespero ou privação; antiutopia”. O modo como vivem as discípulas de Inri Cristo é parte de uma história real, mas que poderia ser enredo de ficção. Filme de terror para alguns, comédia na visão de outros.

Fonte: https://www.metropoles.com