QUALIDADE DE VIDA

Alimentos Trangênicos - Parte 6

transgenicos7Burocracia no laboratório - Cientistas reclamam de travas impostas por regulamentação  - Um ponto em comum entre os personagens que discutem a importância dos organismos geneticamente modificados - cientistas, organizações não-governamentais, governo e sociedade - é que a tecnologia deve avançar. Os ganhos que a engenharia genética promete nos campos agrícola e médico são muitos e podem representar retorno para quem investir na pesquisa.  Apesar disso, alguns cientistas vêem a regulamentação brasileira como um entrave ao desenvolvimento desses estudos. Segundo o pesquisador Marcelo Menossi, do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética da Unicamp, ...

há tantas barreiras que praticamente tiram de campo as universidades e os centros de pesquisa estatais do trabalho com transgênicos. 'Acaba ficando tão caro que não há como viabilizar esse tipo de pesquisa em ambiente público', afirma. 'Do jeito que está, somente as empresas multinacionais conseguirão fazer essas pesquisas. E isso é terrível para o desenvolvimento tecnológico do país.'

Qualquer entidade que planeja trabalhar com OGMs ou derivados deve pedir à CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) uma avaliação do projeto e obter o Certificado de Qualidade em Biossegurança (CQB). A comissão oferece um parecer sobre o pedido, com base em estudos e documentos preparados pela instituição solicitante. A fiscalização fica a cargo dos ministérios correspondentes: Saúde, Agricultura e Meio Ambiente.

Entre os estudos que devem ser apresentados estão análises de impacto ambiental e registros de segurança. 'É preciso obter o que chamamos de 'protocolo de boas práticas agrícolas, de laboratório e de fabricação' ', esclarece o coordenador de pesquisas Elíbio Rech, da Embrapa Recursos Genéticos. Para experimentos em campo, a entidade também precisa do Registro Especial Temporário, fornecido pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), pelo Ministério da Agricultura e pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). 'Esses alimentos são avaliados do início ao fim do processo', diz o professor Flavio Finardi, da Universidade de São Paulo.

Para a bióloga Vera Lúcia Imperatriz Fonseca, especialista em meio ambiente da comissão, a análise rigorosa dos pedidos é essencial para garantir a segurança que envolve essas pesquisas. 'Analisamos todas as evidências e fazemos todos os testes possíveis antes da liberação', diz. Mesmo com o grau de exigência, a CTNBio acompanhou 86 experimentos em campo no Brasil durante a última safra, referente a 2002/2003.

A dificuldade enfrentada pelos pesquisadores que trabalham com transgênicos é mais uma face do quadro que os cientistas brasileiros enfrentam todos os dias. 'Fazer pesquisa no Brasil é muito difícil. Tudo custa muito caro e às vezes o cientista não tem as informações de que precisa', teoriza Paola Cardarelli, da Fiocruz. 'Há investimentos muito pequenos na biotecnologia e poucos grupos trabalhando com isso no país.'

As carências não impedem que os pesquisadores defendam o desenvolvimento da biotecnologia em solo nacional. A vantagem, dizem, é a obtenção de produtos focados para a realidade brasileira. Feijão resistente a pragas de estocagem e cana-de-açúcar que armazena mais sacarose são apenas alguns dos projetos conduzidos no país. 'São produtos preparados para o nosso solo, o nosso meio ambiente, os nossos vírus', afirma Cardarelli. 'Fazer ciência no Brasil é difícil, mas quem permanece aqui não se arrepende.'

Atenção: contém trasngênico

Pode se acostumar com a frase acima. Em breve, ela vai estampar produtos que você compra de forma corriqueira. Com a chegada ao mercado da soja transgênica plantada no Sul do Brasil, a rotulagem é o principal meio para o consumidor escolher se adquire ou não esse alimento.

'O consumidor não conhece o caminho que a soja percorreu do campo até sua mesa', diz Finardi. 'O rótulo é essencial para que ele escolha se compra ou não.'

Não que hoje os organismos geneticamente modificados estejam fora carrinho do supermercado do brasileiro. Segundo o grupo ambientalista Greenpeace e o Instituto de Defesa do Consumidor, tais produtos são vendidos desde 2000. Ainda durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, um decreto exigia a rotulagem de produtos com mais de 4% de transgênicos em sua composição. Porém, a exigência não foi posta em prática porque o país não reconhecia oficialmente a produção de organismos geneticamente modificados.

Há também a proliferação de produtos fabricados com microorganismos geneticamente modificados (MGMs), como iogurtes, bebidas fermentadas e carnes embutidas. 'Se temos de rotular produtos que contêm ou foram produzidos por OGMs, aquele 'leitinho' fermentado também precisa ser rotulado', lembra Cardarelli. Segundo a cientista, os MGMs têm sido usados pela indústria alimentícia nos últimos 40 anos. Com isso, cerca de 25% dos alimentos industrializados podem conter microorganismos transgênicos. 'O consumidor precisa saber o que compra. A falta de informação é um dos principais vilões da polêmica que envolve os OGMs no Brasil.'

Fábrica biotecnológica

A Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), vinculada ao Ministério de Agricultura, é hoje um dos principais centros de pesquisa biotecnológica do Brasil. Seus estudos na área de engenharia genética dividem-se em dois grupos principais: a criação de biofármacos, utilizando plantas e animais como biorreatores, e o desenvolvimento de variedades de plantas transgênicas resistentes a pragas e doenças. Entre os alimentos focados pela Embrapa estão o feijão, a batata, o mamão e o tomate. 'A Embrapa imagina que o mundo pode ser melhor pela introdução da tecnologia', afirma o coordenador de projetos Elíbio Rech. 'Se foi feito por uma empresa privada, ela vai produzir, claro. Mas se feito por nós a tecnologia pode ser transferida para pequenos produtores.'

Paralelamente, um dos principais projetos desenvolvidos pela empresa é a adaptação genética de sementes de soja resistentes ao herbicida glifosato às diferentes regiões do Brasil. O estudo é feito em cooperação com a multinacional Monsanto, que detém a patente da semente no país. Em outra parceria, dessa vez com a Basf, a Embrapa desenvolve soja sem um antinutriente chamado fitato, que impede o aproveitamento de sais minerais pelo corpo.

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Cautela e água benta

Ainda que a engenharia genética seja uma ciência poderosa, a precaução não deve ser colocada de lado

Por Miguel Pedro Guerra

Muito se tem falado sobre os transgênicos ultimamente e praticamente todo mundo tem alguma opinião sobre o assunto. Mas este tema não pode progredir na base do ser a favor ou contra, porque suas implicações são muito sérias. Nenhum cientista deixa de reconhecer o poder da tecnologia do DNA recombinante. O problema está em algumas de suas aplicações, nas implicações e nas incertezas. E isto envolve a natureza, a saúde humana e a economia. Sob o prisma ambiental, a liberação de plantas transgênicas é um evento recente e ainda não foi possível uma avaliação precisa e rigorosa de seus impactos no ecossistema. Além disso, o artigo 225 da nossa Constituição prevê a necessidade de estudos de impacto para atividades potencialmente danosas, como é o caso dos transgênicos.

Do ponto de vista da saúde humana, a incorporação de novas proteínas - decorrência de grande parte dos eventos de transgenia - na cadeia alimentar deve ser precedida de amplos estudos para evitar, por exemplo, a ocorrência de alergias provocadas pelas modificações genéticas. É falacioso o argumento de que a sempre citada agência americana FDA (que regula alimentos e remédios no país) tenha atestado sobre a segurança alimentar de plantas transgênicas, porque esta agência não conduziu teste algum a este respeito e, numa simplificação surpreendente, liberou essas plantas para o cultivo com base no conceito de equivalência substancial. Por este conceito, plantas transgênicas são equivalentes às não-transgênicas. O leitor que julgue... Para piorar, a legislação americana não prevê a rotulagem e, assim, não é possível avaliar os efeitos desses produtos na cadeia alimentar.

Sob o prisma econômico, e no caso específico da soja, não há estudos conclusivos que atestem sobre a relação entre custo de produção e produtividade. O que é certo é que nossa produtividade é maior do que a americana - majoritariamente transgênica -; que o Brasil é o único grande produtor mundial de grãos não-transgênicos e que os importadores da soja brasileira mostram uma clara preferência pela não-transgênica. Deveríamos abrir mão desta vantagem?

A medida provisória da soja abre um precedente para a liberação de outros transgênicos no Brasil? Sim, infelizmente. E nem é propriamente um precedente e sim uma regra, neste país em que vários outros interesses têm primazia sobre os sociais. A MP abre espaço para que novas plantas transgênicas sejam liberadas sem estudos de impacto ambiental, sem sabermos os efeitos sobre a saúde e sem darmos importância às tendências mundiais de mercado. Neste particular, o europeu, ainda sob os impactos da doença da vaca louca, busca cada vez mais alimentos seguros e de qualidade biológica.

É uma questão ética importante: ao liberar algo vetado pela justiça, a MP abre, em tese, precedente para a liberação de outras plantas de cultivo proibido.

Alegam os defensores dessas tecnologias que risco zero não existe. Ninguém defende a adoção de risco zero. Contudo, deveríamos ouvir nossos avós quando dizem: 'cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém'. Os cientistas deveriam ser mais humildes frente às incertezas. Eles e o governo, agora neotransgênico, deveriam ouvir a opinião pública.

(Miguel Pedro Guerra é professor do programa de pós-graduação em Recursos Genéticos Vegetais da UFSC.)

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Inversão no campo

Decisões judiciais prejudicam avanço das pesquisas com organismos geneticamente modificados no Brasil

Por Clayton Campanhola

Nem bem acabou a venda da soja geneticamente modificada para tolerância a glifosato colhida em 2003, e os agricultores brasileiros voltam a vivenciar o debate sobre o plantio na safra 2003/2004 da soja Roundup Ready - ou 'Maradona', como foi apelidada pelos gaúchos desde que sementes das variedades comercializadas na Argentina foram trazidas ilegalmente para o país na década de 1990.

Ao ser lançada a tecnologia na Argentina, país que vinha crescendo rapidamente como competidor pelos mesmos mercados de exportação do Brasil, era previsível que o 'agricultor da fronteira' buscaria a mesma tecnologia. Quem saiu perdendo? Perdeu o meio ambiente, porque o monitoramento a longo prazo, preconizado pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança e indicado para esse tipo de cultura, não foi realizado. Hoje o Brasil teria dados cientificamente coletados para possivelmente indicar as modalidades de manejo da nova tecnologia. Perdeu o agricultor, porque além de viver com os sobressaltos da ilegalidade, passou a cultivar material não adaptado e não indicado pela pesquisa nacional, correndo sérios riscos de aumentar a incidência de doenças pelo baixo controle fitossanitário do material. Perdeu o Brasil, porque passou a cuidar de biossegurança de organismos geneticamente modificados na esfera judicial quando as discussões deveriam ter ocorrido, primeiramente, na área técnica. Perdeu a ciência porque, devido aos 'respingos' do processo que envolve a soja-RR desde 1998, as pesquisas com outras culturas foram prejudicadas por inúmeros processos judiciais e pela redução do investimento público e privado.

A esperança dos pesquisadores e dos agricultores está depositada no prometido projeto de lei que vem sendo preparado pelo Poder Executivo e que deve chegar ao Congresso ainda em 2003. Somente com uma nova legislação que esclareça, sem deixar brechas, as competências dos vários setores responsáveis pela análise técnica e pela fiscalização dos OGMs, estará sanado o atual impasse. Certamente não será com a edição de sucessivas MPs, à semelhança da 131, que o Brasil será inserido no grupo daqueles países que podem usar a biotecnologia de modo seguro e sustentável.

Os agricultores clamam por decisões permanentes que dêem a eles a certeza de que estão no caminho certo. Essa resposta deve ser dada pela pesquisa, com propostas para cada caso. Este é o pulo do gato. Se a soja-RR pode ser tratada com um monitoramento a longo prazo, não significa que isso se aplique ao cultivo de milho, algodão, canola, girassol, arroz ou feijão. Produtos diferentes precisam de análises de impacto ambiental e de segurança alimentar diferentes, decididas caso a caso.

Para tanto, é preciso urgentemente reestruturar os canais de decisão, de maneira que eles possam acompanhar a velocidade do progresso científico. Esta é a única maneira de evitar que o ocorrido com a soja-RR se repita com outras culturas, não pelo fato de que não seja necessário que se faça pesquisa e se aprenda a como manejar as novas tecnologias, mas porque a simples proibição legal não terá, no Brasil, os efeitos desejados na preservação do meio ambiente, da saúde ou do direito de escolha do cidadão. (Clayton Campanhola é presidente da Embrapa.)

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No mundo

Conheça os países que estão no centro da discussão sobre plantações transgênicas

Estados Unidos

O país é o maior produtor de organismos geneticamente modificados e seu principal defensor. Segundo a ISAAA (Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações de Agrobiotecnologia), os EUA respondem por dois terços das áreas cultivadas no mundo, com ênfase em milho, soja, algodão e canola. Eles foram a primeira nação a plantar OGMs comercialmente, em 1996, e são os que mais exportam e consomem: a chance de comer um transgênico em território norte-americano é mais do que a metade. O país é sede de três das cinco maiores empresas do setor de biotecnologia: DuPont, Dow Chemical e Monsanto. As outras duas multinacionais ficam na Europa: a Novartis localiza-se na Suíça e a Aventis, na França.

Argentina

O país sul-americano e vizinho do Brasil é o segundo em produção de organismos geneticamente modificados: em 2002, ele correspondia a 23% da área total no mundo com plantações transgênicas, de acordo com a ISAAA. Toda a soja cultivada na Argentina é modificada. Segundo o Departamento de Agricultura dos EUA, a produtividade da soja argentina na safra 2002/2003 é igual à obtida na de 1997/1998, antes da adoção dos transgênicos. Os produtores argentinos desenvolveram a soja apelidada de 'Maradona' - adaptada da Roundup Ready da Monsanto - que foi importada ilegalmente para o Sul por agricultores brasileiros. Apesar da importância dos OGMs no país, a rotulagem de bens não é obrigatória.

Europa

O velho continente possui uma posição mais cautelosa em relação aos transgênicos, em especial os países que compõem a União Européia. A legislação do bloco é a mais rigorosa do mundo em relação aos OGMs: qualquer carregamento ou produto que contenha pelo menos 0,9% de ingredientes transgênicos em sua composição deve ser rotulado. Essa posição causou rusgas com o governo norte-americano, maior exportador mundial de OGMs. Porém, a exigência é feita não apenas pelos órgãos de fiscalização, mas pelos consumidores: uma pesquisa realizada no continente em 2001 mostrou que 94% dos europeus querem ter o direito de escolher - e 70% deles não querem comer transgênicos.

China

O país é atualmente o quarto maior produtor mundial de organismos geneticamente modificados, atrás apenas de Estados Unidos, Argentina e Canadá. No país, o algodão Bt, resistente a insetos, ultrapassou a produção da variedade convencional. A China é um dos países em desenvolvimento que mais investem em biotecnologia: calcula-se um aumento de 400% no orçamento de pesquisa no setor até 2005. Atualmente, o governo chinês é o maior importador mundial de soja e, ainda que não tenha restrições quanto a transgênicos, ele exige a certificação de procedência do produto. O país é o centro de origem da planta e quer evitar que variedades selvagens sofram contaminação genética


TRANSGÊNICOS: O QUE ESTÁ EM JOGO?

Com relação a esse tema, vivemos no Brasil, neste final de 98, um momento em que a história está como que suspensa. O plantio da soja transgênica no país foi endossado pelo organismo governamental responsável pelas questões de biossegurança, mas sua autorização foi impedida por uma liminar concedida pela Justiça. hora é de tomada de posição e de discutir amplamente o tema com a sociedade. Dada a gravidade do tema, o Governo da Frente Popular não terá o direito de se omitir.

Esse texto, organizado a partir de informações extraídas da grande imprensa e de documentos de organizações brasileiras e internacionais, não pretende esgotar o assunto, mas apenas subsidiar o início de um processo de debate que deverá envolver diretamente entidades, movimentos sociais, especialistas, produtores e consumidores, capilarizando-se na sociedade gaúcha e repercutindo no país e no exterior.

O QUE SÃO OS TRANSGÊNICOS


A busca, através de cruzamento, de novas variedades vegetais a fim de obter plantas mais produtivas ou resistentes a pragas é prática antiga e habitual na agricultura de todas as sociedades.

As técnicas modernas de engenharia genética permitem que se retirem genes de um organismo e se transfiram para outro. Esses genes "estrangeiros" quebram a seqüência de DNA - que contém as características de um ser vivido organismo receptor, que sofre uma espécie de reprogramação, tornando-se capaz de produzir novas substâncias. Esses são os chamados transgênicos, ou organismos geneticamente modificados (OGMs)

A VIDA MANIPULADA IRRESPONSAVELMENTE

O problema não está no avanço da ciência. Os progressos da engenharia genética poderão ser fundamentais para a melhoria da qualidade de vida no planeta. Mas a verdade é que o conhecimento produzido até o momento ainda é muito restrito frente à complexidade dos seres vivos.

A soja, por exemplo, contém entre 100 mil e 200 mil genes. Os cientistas estudaram talvez 20 desses genes, isto é, 0,02%. Isso significa que é conhecido apenas 0,02% do que há para saber do genoma desse organismo. Mas mesmo assim, com esse conhecimento mínimo, as empresas de biotecnologia desenvolvem plantas que estão sendo cultivadas comercialmente, interagindo com o meio ambiente e consumidas por seres humanos e animais.

As empresas de biotecnologia afirmam que fizeram testes suficientes para comprovar que tanto o cultivo quanto a ingestão de alimentos transgênicos são seguros.

O certo seria mapear todos os genes, no caso, da soja, decifrando a função de cada um, para que se pudesse fazer alterações controladas. Os cientistas, na verdade, não sabem o que estão fazendo, podem estar modificando mais de uma característica do organismo.

Foi o que aconteceu no Japão, que protagonizou a maior catástrofe decorrente da utilização de organismos geneticamente modificados. Em 1989, 5000 pessoas ficaram doentes, 1500 se tornaram permanentemente inválidas e 37 morreram devido ao consumo de um suplemento alimentar, o triptofano. A empresa Showa Denko alterou geneticamente uma bactéria natural visando a produção mais eficiente de triptofano. A manipulação fez a bactéria produzir uma substância altamente tóxica, que só foi detectada quando o produto já estava no mercado.

Entre as possíveis conseqüências do uso irresponsável da engenharia genética, estão o empobrecimento da biodiversidade, na medida em que essas plantas modificadas geneticamente podem interagir no meio ambiente com as variedades naturais; a eliminação de insetos e microrganismos benéficos ao equilíbrio ecológico; o aumento da contaminação dos solos e lençóis freáticos, devido ao uso intensificado de agrotóxicos e, ainda, o desenvolvimento de plantas e animais resistentes a uma ampla gama de antibióticos e agrotóxicos.

Com relação à saúde humana, o aparecimento de alergias provocadas por alimentos geneticamente modificados; o aumento da resistência a antibióticos e o aparecimento de novos vírus, mediante a recombinação de vírus "engenheirados" com outros já existentes no meio ambiente.

Caso algumas dessas conseqüências negativas da engenharia genética ocorram, será impossível controlá-las, pois à diferença de outros poluentes químicos, os OGMs, por serem formas vivas, são capazes de sofrer mutações, se multiplicar e se disseminar no meio ambiente. Ou seja, uma vez aí introduzidos, não podem ser removidos.

Como lembra o Greenpeace, todas as substâncias responsáveis por catástrofes ambientais em nossa época contaram com o endosso de cientistas "responsáveis": o DDT, o ascarel, a talidomida.

 

A SOJA TRANSGÊNICA


A linhagem em questão é a GTS 40-30-2, mais conhecida como Roundup Ready, ou soja RR. A soja RR foi obtida a partir da inserção de três genes "estrangeiros" na planta da soja. Um deles foi extraído de um vírus e um outro de uma bactéria encontrada no solo, a Agrobacterium sp.

Essa modificação genética não incrementa a produtividade da cultura, ou o valor nutricional do grão.

O efeito conhecido desse gene, alegado como economicamente vantajoso, consiste em possibilitar a substituição de vários herbicidas por apenas um, o Roundup, da Monsanto.

O glifosato - cujo nome comercial é Roundup - é a terceira maior causa de problemas de saúde em agricultores americanos, em virtude do alto grau de alergias de vários tipos que provoca. Quando no solo, mantém um poder residual por grandes períodos, afetando também os lençóis freáticos.

Cerca de 70% dos alimentos processados têm soja ou milho entre seus ingredientes. A soja está presente em cerca de 60% dos alimentos vendidos nos supermercados.

A VIDA MANIPULADA PELO LUCRO

A Monsanto é a maior produtora de herbicidas do mundo, e está entre as cem empresas mais lucrativas dos EUA.
Apenas nos últimos dois anos, investiu US$ 6,7 bilhões na aquisição de outras companhias norte-americanas de sementes e biotecnologia, tornando-se a maior empresa do ramo.

No Brasil, após a aprovação da Lei de Cultivares, que instituiu o monopólio privado da propriedade das variedades vegetais no país, a Monsanto comprou, dentre outras, a empresa Paraná Sementes e a Agroceres. Formou, ainda, uma joint venture com a Cargill, consolidando sua supremacia entre as empresas produtoras de sementes no país.

Recentemente, a Monsanto gastou US$ 18 bilhões na compra da multinacional Delta & Pine Land, proprietária da patente da tecnologia "Terminator" nos EUA e solicitante da patente mundial desse gene .

O gene batizado de "Terminator" (exterminador) torna estéril a segunda geração de sementes usadas na agricultura. É uma técnica que incapacita geneticamente a germinação de uma semente. A eficácia da nova técnica já foi demonstrada em sementes de algodão e fumo, sendo que entre as culturas prioritárias para seu desenvolvimento estão o arroz, o trigo, o sorgo e a soja.

O principal interesse industrial nessa técnica é impedir que o fruto ou grão de uma variedade comercial se torne uma semente, exterminando assim o potencial reprodutivo daquela planta.

Os agricultores, que então seriam obrigados a adquirir novas sementes a cada safra, deixariam ainda de exercer o papel que vêm desempenhando há mais de 10 mil anos: o trabalho de melhoramento das variedades realizado através de cruzamentos e seleção de sementes.

Nos EUA, o governo concedeu a patente para a tecnologia "Terminator", em março de 1998, para o Departamento de Agricultura do governo federal (USDA), em parceria com a Delta & Pine Land. Em maio a Monsanto comprou a empresa, e agora quer comprar do USDA os direitos exclusivos da exploração desta patente.

Enquanto a tecnologia "Terminator" não é implantada em cultivos comerciais, a Monsanto, amparada na lei de patentes norte-americana, emprega detetives para encontrar e levar a julgamento agricultores que reservem de sua colheita sementes de soja Monsanto para as safras seguintes.

O agente laranja, desfolhante utilizado na guerra do Vietnã, era mais um produto da Monsanto.

O LUGAR DO BRASIL NESSA DISPUTA

O Brasil é hoje o segundo maior produtor de soja no mundo, perdendo apenas para os EUA. Os dois países, junto com a Argentina, detêm 90% da produção mundial.

A soja RR já foi patenteada nos Estados Unidos, onde é cultivada há mais de dois anos e ocupa 35% dos 12,5 milhões de hectares de soja plantados neste ano. Na Argentina, ocupa 70% da área plantada . Dos grandes produtores de soja, o Brasil é, então, o único em que a produção geneticamente modificada de soja ainda não foi implantada (OGM free).

De toda a soja brasileira exportada, 90% vai para a Europa, cuja população tem se manifestado contrariamente à produção e ao consumo de alimentos geneticamente modificados.

Pesquisa de opinião, realizada em janeiro de 1997 pela empresa Mori (Market and Opinion Re-search), mostrou que os alimentos modificados geneticamente são rejeitados por 78% dos suecos, 77% dos franceses, 65% dos italianos e holandeses, 63% dos dinamarqueses e 53% dos ingleses. Na Alemanha, uma outra pesquisa aponta 78% de rejeição entre os consumidores.

A resistência dos cidadãos europeus aos alimentos transgênicos tem tido eco em políticas governamentais e nas estratégias de companhias produtoras de alimentos e redes de supermercados (ver nota ).

Para a Monsanto, a rápida aprovação da soja RR no Brasil é questão chave em sua estratégia mercadológica: somente assim conseguirá impor seu produto aos consumidores europeus. Apenas o Brasil teria produção para atender essa demanda. E uma vez quebrada a resistência através da soja, o caminho estaria livre para qualquer outro alimento modificado geneticamente.

Para o Brasil, a contaminação da produção pela soja transgênica vai significar perda de biodiversidade, escravização dos agricultores às sementes de soja vendidas com exclusividade pela empresa e a desvalorização da soja brasileira.

NO BRASIL

A CTNBio - Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia, foi criada em junho de 1996, com a função de examinar a segurança dos organismos geneticamente modificados. Ela emite pareceres, as autorizações, no caso da certificação de sementes ou plantio, cabem ao Ministério da Agricultura.

Em pouco mais de dois anos, a CTNBio já deu 115 pareceres favoráveis à liberação de organismos geneticamente modificados no ambiente. Até agora todos os 40 pedidos de importação de alimentos transgênicos liberados eram para cultivo experimental, para fins de pesquisas. Desses, 65% tinham como única novidade serem resistentes a herbicidas.

A soja Roundup Ready foi objeto do primeiro pedido para uso em escala comercial, enquanto inúmeros outros organismos geneticamente modificados aguardam pareceres da CTNBio, como milho e algodão.

Para autorizar a soja transgênica, a CTNBio deu-se por satisfeita unicamente com as informações fornecidas pela Monsanto, que afirma que o produto é inofensivo, declarando que a soja RR é idêntica à soja convencional. Como avaliou que não há risco ambiental, a CTNBio decidiu não recomendar o estudo de impacto ambiental. Nas 345 páginas do relatório da Monsanto, é demonstrada a eficácia da planta em resistir ao herbicida Roundup, mas não é apresentado qualquer estudo comprovando a segurança para o consumo humano ou animal, ou as possíveis conseqüências na interação com o meio ambiente.

A Monsanto conta, ainda, com o apoio da EMBRAPA, que tem contrato com a multinacional para a inserção do gene resistente ao veneno nas variedades de soja desenvolvidas pela estatal responsável pela pesquisa agropecuária no país.

Seis entidades da sociedade civil (dentre elas o Idec - Instituto de Defesa do Consumidor, o Greenpeace e a SBPC - Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) contestaram, em documento enviado à CTNBio, o pedido de liberação da Roundup Ready. Pedem normas gerais para alimentos transgênicos antes de qualquer liberação.

Um conjunto de onze entidades solicitou à Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados uma audiência pública para debater a questão dos transgênicos.

Mais de 70 entidades encaminharam à CTNBio manifestos e abaixo-assinados contrários à liberação da soja transgênica e exigindo amplo debate com a sociedade.

Os posicionamentos do governo brasileiro têm sido claros no sentido da liberalidade em relação aos transgênicos. Em reunião realizada em Ottawa, em maio/98, o fórum internacional vinculado à FAO que estabelece normas de identidade e qualidade para alimentos, a Codex Alimentarius Commission, debateu o tema da rotulagem de alimentos geneticamente modificados. A delegação brasileira, alinhando-se aos norte-americanos, posicionou-se no sentido da sonegação aos consumidores das informações sobre origem e natureza dos alimentos.

É a ação das entidades junto à Justiça, como mostra o quadro a seguir, que tem conseguido impedir a disseminação da produção e consumo de alimentos transgênicos no Brasil.

O CRONOGRAMA DAS DISPUTAS JUDICIAIS

24/07/98: a 6ª Vara da Justiça Federal de Brasília, deferindo parcialmente liminar impetrada pelo Greenpeace (reivindicava suspensão da comercialização de óleo feito a partir de soja transgênica, produzido pela Ceval), determinou que a Associação Brasileira de Óleos Vegetais (Abiove) modificasse os rótulos de todos os óleos feitos a base de sementes de soja transgênica, para que as embalagens trouxessem informações sobre a composição do óleo e sobre os riscos à saúde. A autorização para comercialização do óleo de soja transgênica havia sido dada à Ceval pela CTNBio em setembro de 1997, quando foi importado 1,5 milhão de toneladas de soja dos EUA (15% desse produto era modificado geneticamente).

16/09/98: a 11ª Vara da Justiça Federal, aplicando o princípio da precaução , concedeu liminar ao Instituto de Defesa do Consumidor proibindo a União de autorizar o plantio da soja transgênica enquanto não regulamentar a comercialização de produtos geneticamente modificados e realizar estudo prévio de impacto ambiental (EIA-RIMA).

24/09/98: a CTNBio emite parecer favorável ao uso comercial da soja Roundup Ready. Segundo o parecer, não há risco ambiental no cultivo nem risco para a segurança alimentar no consumo da soja geneticamente modificada. Treze dos quinze membros presentes votaram pela liberação (o representante dos consumidores votou contra e o do Ministério das Relações Exteriores se absteve). Apesar do parecer favorável, a liminar concedida em 16/09 impede que o Ministério da Agricultura dê à Monsanto o registro para que comece a produção da soja transgênica.

PARTE 7