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Como é a Ilha de Sentinela do Norte, a mais isolada do mundo

ilhaafas1Por Rafael Battaglia, 23/11/2018 - No dia 16, um missionário foi morto pelos habitantes da ilha, que é lar de uma das tribos mais antigas e desconhecidas do planeta. Em um mundo com Google Maps, é de se imaginar que todos os cantos da Terra já foram explorados, certo? Errado. Escondida entre a Índia e Mianmar, no sudeste asiático, está a Ilha Sentinela do Norte, lar de um povo nativo isolado, e proibida para visitação. O lugar ganhou os jornais na última semana pois John Chau, um missionário norte-americano, morreu após ser atacado pelos habitantes de lá no última dia 16. De acordo com as últimas informações, ele foi levado ilegalmente por pescadores, ...

que o deixaram na costa da ilha. Ainda não se sabe se vai ser possível resgatar o corpo de Jon. Não é a primeira vez que um caso como esse acontece. Em 2006, um barco naufragou perto de Sentinela do Norte e dois pescadores foram mortos. Pouco se sabe sobre lá, mas uma coisa é certa: os nativos não querem saber de nenhum contato com o restante do mundo.

Atlas impreciso

Encontrar informações sobre a ilha é quase tão difícil quanto ser bem recebido pelos seus habitantes. Sentinela fica no Oceano Índico – mais especificamente, na Baía de Bengala, entre a Índia, Mianmar e Tailândia. Ela pertence ao arquipélago de Andamão e Nicobar, uma região sob administração da Índia. A ilha é considerada por muitos como um dos locais mais isolados do mundo. Os primeiros registros históricos do lugar são documentos árabes e persas que diziam que as ilhas da região eram habitadas por canibais (afirmação provavelmente exagerada devido à recepção hostil daquele povo).

Em 1771, um explorador britânico mencionou a existência de Sentinela do Norte. O domínio britânico que transformou a Índia em uma parte do império cuidou de explorar a região de Andamão. No entanto, os moradores de Sentinela, assim como os de outras ilhotas, mostravam-se sempre contrários aos colonizadores.

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Acordo de paz

Em 1967, quando a Índia já era um Estado independente, o governo indiano tentou contato com os sentineleses, sem sucesso. De acordo com uma reportagem do The Times of India sobre o assunto, a expedição foi recebida pelos nativos de uma forma, digamos, peculiar: eles viraram de costas para os barcos e ficaram em uma pose como se estivessem se preparando para fazer o número dois.

A Índia tentou estabelecer comunicações novamente em 1970 e em 2004, mas não deu em nada. Desde os anos 60, o governo proíbe qualquer tipo de visita à ilha. A medida busca proteger tanto os desavisados de uma recepção regada a flechadas e pedradas quanto os próprios sentineleses: vivendo isolados, eles não possuem os mesmos anticorpos (nem são expostos aos mesmos micróbios) que nós, e facilmente poderiam morrer de doenças com as quais já estamos acostumados.

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A ilha misteriosa

Os 72 km2 da ilha são ocupados por cerca de 50 pessoas. Não, 250. Ou talvez 400. Não existe um número exato – nem uma estimativa realmente confiável – já que até hoje não há registros de alguém que tenha entrado na ilha e saído para contar a história. Em 2001, a Índia, durante o censo nacional, tentou contabilizar quantos sentineleses haviam por ali, mas a contagem não passou de poucas dezenas. Os habitantes avessos a estranhos ainda preservam características pré-neolíticas – estima-se que a tribo de Sentinela do Norte exista há mais de 60 mil anos. As armas, rudimentares, são feitas de pedra, ossos de animais e fragmentos de metal. Não se sabe se eles são agricultores ou apenas coletores, e a moda de lá se restringe a folhas, cordas e pequenas tiaras na cabeça.

Isolados, mas nem tanto

Além dos sentineleses, há outras tribos isoladas pelo mundo, e a maioria está no Brasil. O que faz sentido, se pensarmos na dificuldade que é explorar uma floresta densa como a Amazônica. A ONG Survival International, que defende a preservação desses povos, diz que há pouco mais de 100 tribos desse tipo no planeta. Após a morte do missionário Jonh Chau pelos sentineleses, a organização criticou o governo da Índia, alegando que eles deveriam reforçar a proteção da ilha, para que os sentilenses permaneçam isolados – mas não sozinhos.

 

O homem que sobreviveu a contato com tribo isolada que matou o americano John Chau: 'Estava claro que eu não era bem-vindo'

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27/11/2018 - "Fico muito triste pela morte deste rapaz que veio da América. Mas ele cometeu um erro. Teve chance suficiente para se salvar. Mas insistiu e pagou com a vida", diz o antropólogo indiano octogenário T N Pandit, uma das poucas pessoas que já teve contato com a tribo que vive na Ilha Sentinela do Norte, parte do arquipélago indiano de Andaman e Nicobar, no Oceano Índico.

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A tragédia envolvendo o americano John Allen Chau, de 27 anos, morto a flechadas pelos aborígenes, chamou a atenção para a tribo - que continua sendo um dos povos mais isolados do mundo.

Os pescadores que levaram Chau ilegalmente para a ilha, em 17 de novembro, disseram ter visto membros da tribo arrastando e enterrando seu corpo na praia. Mas as autoridades indianas estão com dificuldade para resgatá-lo - quando chegaram perto da ilha, avistaram os aborígenes armados com arco e flecha para recebê-los.

Pandit também viveu uma situação de tensão quando visitou a ilha como parte de uma expedição do governo em 1991. Em conversa telefônica com a BBC, ele conta que se lembra claramente do encontro com os aborígenes:

"Quando eu estava distribuindo cocos, me distanciei um pouco do resto do grupo e comecei a me aproximar da praia. Um garoto sentinela fez uma cara engraçada, pegou uma faca e sinalizou para mim que cortaria minha cabeça. Chamei imediatamente o barco e parti em retirada", se recorda.

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Rostos sombrios

"Levamos panelas e frigideiras de presente, uma grande quantidade de cocos, ferramentas de ferro, como martelos e facas compridas. Também fomos acompanhados de três homens onge (outra tribo local) para nos ajudar a 'interpretar' o discurso e o comportamento dos sentinelas."

Esta é a lembrança de sua primeira visita à tribo, ocorrida em 1973.

"Mas os guerreiros sentinelas nos encararam com rostos irritados e sombrios, totalmente armados com seus longos arcos e flechas, preparados para defender suas terras contra 'intrusos'. Às vezes, eles viravam as costas para nós e se agachavam como se quisessem defecar", contou em um ensaio publicado em 1999.

"O porco vivo amarrado que levamos de presente também foi menosprezado. Foi simplesmente perfurado com a lança e, em seguida, enterrado na areia."

Como se sabe muito pouco sobre eles, não faltam mitos sobre os sentinelas.

"Nas ilhas e em Port Blair (o porto mais próximo) havia até uma crença popular de que os habitantes da Ilha Sentinela do Norte eram na verdade prisioneiros de Pathan (grupo étnico originário do Afeganistão e do Paquistão) que haviam escapado das prisões britânicas e camuflavam sua altura e pele pálida deixando o cabelo crescer", diz TN Pandit no mesmo artigo.

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Contato, mas sem comunicação

andit e seus colegas começaram a conduzir expedições para estudar e fazer contato com a tribo na década de 1970. Mas só conseguiram algum avanço em 1991.

"Ficamos intrigados por que eles permitiram."

"Foi decisão deles nos encontrar, e a reunião aconteceu nos termos deles. Nós saltamos do barco e ficamos com água até o pescoço, distribuindo cocos e outros presentes. Mas não nos deixaram pisar na ilha."

Pandit diz que não estava preocupado em ser atacado, mas sempre foi cauteloso quando estava perto deles.

"Durante nossas interações, eles nos ameaçaram, mas nunca chegaram ao ponto de matar ou ferir alguém. Sempre que ficavam agitados, recuávamos."

"Os sentinelas não eram altos nem baixos. Carregavam arcos e flechas. Conversavam entre si, mas não conseguíamos entender seu idioma. Parecia com as línguas faladas por outros grupos tribais da região."

"Tentamos nos comunicar com a linguagem de sinais. Mas eles estavam ocupados coletando os cocos."

Estima-se que existam entre 50 e 150 pessoas da tribo na Ilha Sentinela do Norte. Seus membros são conhecidos por pescar com arcos e flechas. Se alimentam basicamente de javali, raízes, tubérculos e mel. E não têm fama de navegantes. As expedições para levar presentes aos sentinelas foram canceladas pelo governo. O contato com várias tribos do arquipélago, que correm risco de extinção e vivem isoladas do mundo, é proibido com o intuito de protegê-las de doenças e preservar seu estilo de vida.

Ferozmente protetor

Os sentinelas são conhecidos ainda por proteger seu território e atacar intrusos. Em 2006, dois pescadores que chegaram muito perto da ilha foram mortos pela tribo. Quando as autoridades indianas realizaram a vistoria aérea da ilha após o tsunami de 2004, um membro da tribo tentou derrubar o helicóptero com uma flecha.

Passado colonial

As Ilhas Andaman são o lar de quatro tribos "africanas" - os grandes andamanenses, os onge, os jarawas e os sentinelas. Já as Ilhas Nicobar abrigam duas tribos "mongóis" - os shompen e nicobareses. Os colonizadores britânicos estabeleceram uma colônia penal no arquipélago para abrigar rebeldes que participaram da revolta popular de 1857, descrita por historiadores nacionalistas como a primeira guerra da Independência da Índia. E logo se viram lutando contra as tribos locais. A primeira guerra entre as tropas do Raj Britânico e os grandes andamanenses ocorreu em 1859. Durante a era colonial, também foram protagonizadas expedições punitivas a áreas tribais habitadas pelos jarawas. As guerras e a disseminação de doenças levaram a um declínio na população de todos os grupos nativos. Mas os sentinelas, que viviam em uma ilha isolada, escaparam de grande parte dos conflitos coloniais.

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Sem violência

Mas sua reputação violenta permanece. Pandit acredita, no entanto, que a fama é injusta. "Os sentinelas são um povo que ama a paz. Eles não buscam atacar as pessoas. Eles não visitam áreas próximas e causam problemas. Esse foi um incidente raro." A Marinha Indiana e a Guarda Costeira patrulham rotineiramente a área, mas de vez em quando intrusos conseguem se aproximar da ilha - como o turista americano. Pandit é favorável à retomada do contato amigável com a tribo sentinela, resgatando as missões para distribuição de presentes na ilha. "Devemos tentar estabelecer uma comunicação limitada com eles. Mas não podemos perturbá-los. Devemos respeitar o desejo deles de serem deixados em paz", pondera.

Fonte: https://super.abril.com.br
           https://www.bbc.com