PESSOAS ESPECIAIS

Harriet Tubman

marrie topo27/01//2021 - Harriet Tubman foi espiã e enfermeira da União durante a Guerra Civil dos Estados Unidos. Ela foi escravizada, conquistou a própria liberdade, ajudou outras dezenas de pessoas a escaparem e se transformou em heroína nos Estados Unidos. Agora, 108 anos após sua morte, a abolicionista negra Harriet Tubman poderá passar a ilustrar a nota de US$ 20. Nesta semana, a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, afirmou que o governo do presidente Joe Biden está ...

analisando maneiras de "acelerar" o processo para colocar a imagem de Tubman na cédula. Seu retrato substituiria o de Andrew Jackson, o sétimo presidente americano (1829-1837), que estampa a nota de US$ 20 desde 1928. "É importante que nossa moeda reflita a história e a diversidade de nosso país", disse Psaki. Ainda não há data prevista para a mudança, que inicialmente havia sido anunciada ainda durante o governo de Barack Obama, em 2016. Na época, a expectativa era de que o novo design seria finalizado até 2020. O fato de Jackson ter sido senhor de escravos e também ter papel importante na remoção violenta de indígenas de territórios no sul do país levaram críticos a pedirem que ele fosse retirado da nota de US$ 20. O plano inicial era incluir o sétimo presidente em uma cena no verso da cédula.

Mas o presidente Donald Trump, que assumiu o poder em 2017, é um admirador de Jackson, a quem considera um "presidente do povo". Quando ainda era candidato, Trump atribuiu a ideia de mudar a cédula ao "politicamente correto". Durante seu governo, colocou um retrato de Jackson no Salão Oval. Nos EUA, cabe ao secretário do Tesouro aprovar o design final das cédulas. O secretário do Tesouro de Trump, Steven Mnuchin, disse que, na reformulação da nota, o foco principal são os elementos de segurança, e não o retrato, e que questões técnicas impediriam que a nova cédula entrasse em circulação antes de 2028.

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Aviso no jornal Cambridge Democrat oferecendo uma recompensa de 100 dólares (o equivalente a 3 000 dólares, atualizado para valores de 2016) pela captura de cada um dos escravos fugidos: "Minty" (Harriet Tubman) e seus irmãos Henry e Ben

A demora nas mudanças recebeu críticas de democratas. Mas uma porta-voz do Bureau of Engraving and Printing, agência ligada ao Departamento do Tesouro responsável pela produção das cédulas, disse à BBC News Brasil que não houve atraso no cronograma durante o governo Trump e que o processo é naturalmente demorado. "A principal razão pela qual cédulas são reformuladas é segurança contra falsificação", esclareceu a porta-voz, ressaltando que o processo de design é complexo e exige vários testes até que as notas estejam prontas para produção. Ela afirmou que ainda não foram selecionadas imagens finais para o novo design.

Escravidão

Não se sabe a data exata do nascimento de Tubman. Segundo o National Park Service, agência do governo federal responsável por monumentos e propriedades históricas, pesquisas recentes indicam que ela nasceu no início de 1822, em uma área chamada Peter's Neck, no condado de Dorchester, no Estado de Maryland. Seu nome era Araminta Ross, mas ganhou o apelido de Minty. Os pais, Harriet Green e Benjamin Ross, eram escravizados. Ela tinha quatro irmãos e quatro irmãs e começou a servir como escrava doméstica aos cinco anos de idade. Na adolescência, passou a trabalhar como escrava na lavoura.

"Sinais precoces de sua resistência à escravidão e seus abusos foram demonstrados aos 12 anos de idade, quando interveio para impedir que seu mestre espancasse um homem escravizado que havia tentado escapar", diz a historiadora Debra Michals em artigo publicado pelo Museu Nacional de História das Mulheres.

"Ela foi atingida na cabeça com um peso de quase um quilo, o que a deixou com dores de cabeça severas e narcolepsia pelo resto da vida", afirma Michals.

Michals observa que, ao contrário do que muitos acreditam, a Underground Railroad, uma rede secreta de rotas e esconderijos para dar apoio àqueles que escapavam da escravidão fugindo para o norte do país ou para o Canada, não foi criada por Tubman, e já existia desde o fim do século 18, organizada por abolicionistas negros e brancos. Nessa rede de apoio, os fugitivos eram guiados por pessoas chamadas de "condutores". No trajeto, escondiam-se em igrejas, escolas e casas de apoiadores. A rede tinha várias rotas diferentes em diversos Estados.

Liberdade

Em 1844, "Minty" se casou com John Tubman, um homem negro livre. Nessa época, também mudou seu nome para Harriet, o mesmo de sua mãe. Tubman temia ser vendida para outro senhor de escravos quando escapou de Maryland pela primeira vez, em 1849, aos 27 anos de idade, ao lado de dois de seus irmãos, Ben e Harry. Seu marido se recusou a ir com eles e, dois anos depois, casou-se com uma mulher negra livre. Essa primeira tentativa de fuga foi fracassada. Em 3 de outubro de 1849, a senhora de escravos Eliza Brodess publicou um anúncio no jornal local oferecendo recompensa de US$ 100, o equivalente a cerca de US$ 3,3 mil (R$ 17,7 mil) em valores atuais, por cada um dos três fugitivos que fossem recapturados: Minty (Tubman), Ben e Harry.

Algumas semanas depois eles acabaram retornando à fazenda onde eram escravizados. Mas Tubman logo escapou novamente, desta vez sozinha, e conseguiu chegar à cidade da Filadélfia, onde a escravidão não era permitida. Lá, começou a trabalhar como doméstica e cozinheira. O dinheiro economizado financiou várias viagens de volta a Maryland nos 11 anos seguintes, para ajudar a guiar outros escravizados em busca de liberdade no norte. Ela se tornou a mais famosa entre os "condutores" da Underground Railroad e ficou conhecida como "Moisés de seu povo". "Conforme declarações da própria Tubman e extensa documentação sobre suas missões, sabemos que ela resgatou cerca de 70 pessoas - familiares e amigos - em aproximadamente 13 viagens a Maryland", diz um artigo sobre ela publicado pelo National Park Service.

"Em encontros públicos e privados durante 1858 e 1859, Tubman repetidamente disse que havia resgatado entre 50 e 60 pessoas em oito ou nove viagens. Isso foi antes de sua última missão, em dezembro de 1860, quando ela trouxe sete pessoas", diz o texto. Acredita-se que, além das pessoas que conduziu pessoalmente, ela ajudou cerca de outros 70 escravizados indiretamente, dando instruções sobre como chegar ao norte por conta própria.

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Missões

As missões de resgate eram perigosas. A Lei do Escravo Fugitivo de 1850 endureceu leis semelhantes anteriores e estabelecia que autoridades e cidadãos brancos em qualquer lugar do país deveriam ajudar a recapturar pessoas escravizadas fugitivas dos Estados onde a escravidão era permitida. Caso fosse recapturada, além de ser submetida a castigos físicos, Tubman seria escravizada novamente. Segundo historiadores, ela usava disfarces em suas missões e contava com a ajuda de pessoas de confiança, que indicavam a melhor rota e ofereciam abrigo. O trajeto era feito a pé, a cavalo, de barco e de trem. Ela seguia rios, estrelas e fenômenos naturais para achar a direção ao norte, e usava canções como forma de comunicar ao grupo situações de perigo ou segurança.

Tubman carregava uma pistola, não apenas para proteção contra caçadores de escravos, mas também para desencorajar fugitivos que pudessem mudar de ideia e desistir da jornada, o que colocaria em risco a segurança do resto do grupo. Ela nunca foi capturada e se orgulhava de jamais ter perdido um "passageiro". A experiência e o conhecimento adquiridos durante mais de dez anos refazendo o trajeto a transformaram em figura valiosa durante a Guerra Civil (1861-1865). Com a guerra, a Underground Railroad deixou de atuar na clandestinidade e passou a se somar aos esforços da União contra os Estados Confederados escravocratas. Tubman atuou como espiã e enfermeira para as tropas da União e teve papel de destaque em operações de inteligência e de resgate de escravizados.

De volta ao norte, ela ajudava os ex-escravizados a encontrarem emprego e moradia, e arrecadava dinheiro para apoiar os recém-libertos. Ela convivia com abolicionistas, políticos, escritores e intelectuais e, após o fim da guerra, teve participação importante em outras causas, entre elas a luta pelo voto feminino. Em 1859, Tubman comprou uma propriedade em Auburn, no Estado de Nova York, onde posteriormente estabeleceu um lar de idosos. Ela se casou pela segunda vez, com Nelson Davis, que também havia sido escravizado e lutou na guerra como soldado da União. Em 1874, eles adotaram uma filha. Tubman morreu em 1913 e foi sepultada com honras militares no cemitério de Fort Hill, em Auburn. Quando a mudança na nota de US$ 20 for realizada, Tubman se tornará a primeira pessoa negra a estampar uma cédula da moeda americana.

Últimos anos

Apesar de seus anos de serviço, Tubman nunca recebeu um salário regular e, por anos, foi-lhe negado desagravo. Seu status não-oficial e os pagamentos desiguais oferecidos a soldados negros causaram grande dificuldade na documentação de seu serviço, e o governo dos EUA demorou para reconhecer sua dívida a ela. Seu constante trabalho humanitário por sua família e ex-escravos, enquanto isso, mantinham-na num estado de pobreza constante, e suas dificuldades em obter uma pensão governamental sobrecarregavam-na excessivamente.

Tubman passou seus anos remanescentes em Auburn, cuidando de sua família e de outras pessoas necessitadas. Ela teve diversos empregos para manter seus pais, já idosos, e aceitou inquilinos para ajudar a pagar as contas. Um destes foi um fazendeiro de 1,80m chamado Nelson Charles Davis. Nascido na Carolina do Norte, ele serviu com soldado no 8.º Regimento de Infantaria Negra dos Estados Unidos de setembro de 1863 a novembro de 1865. Davis começou a trabalhar em Auburn como pedreiro e Tubman e ele logo se apaixonaram. Embora fosse 22 anos mais jovem que ela, em 18 de março de 1869, eles se casaram na Igreja Presbiteriana Central. Adotaram uma bebê chamada Gertie em 1874 e viveram felizes em família; Nelson morreu em 14 de outubro de 1888 de tuberculose.

Enquanto isso, os amigos de Tubman e seu apoiadores da época da abolição angariaram fundos para sustentá-la. Uma admiradora, Sarah Hopkins Bradford, escreveu uma biografia autorizada intitulada Scenes in the Life of Harriet Tubman. O volume de 132 páginas foi publicado em 1869 e trouxe a Tubman um retorno de 1 200 dólares. Criticado por biógrafos modernos por sua licença artística e ponto de vista altamente subjetivo, o livro, apesar disso, continua sendo uma importante fonte de informação e perspectiva sobre a vida de Tubman. Em 1886, Bradford lançou outro volume, também com a intenção de aliviar a pobreza de Tubman, chamado Harriet, the Moses of her People.

Diante do acúmulo de dívidas (incluindo pagamentos por sua propriedade em Auburn), Tubman foi vítima em 1873 de um golpe envolvendo transferência de ouro. Dois homens, um chamado Stevenson e o outro John Thomas, alegaram ter em seu poder um tesouro de ouro contrabandeado da Carolina do Sul. Eles ofereceram este tesouro – que valia, disseram, cerca de 5 000 dólares – por 2 000 dólares em dinheiro. Eles insistiram que conheciam um parente de Tubman e ela os acolheu em sua casa, onde ficaram por vários dias. Ela sabia que havia brancos no Sul que enterraram bens de valor quando as forças da União ameaçaram a região, e também que homens negros eram, frequentemente, encarregados de tarefas de escavação. Assim, a situação parecia plausível, e a combinação de seus problemas financeiros e sua boa natureza a levou a concordar com o plano. Ela pediu o dinheiro emprestado de um amigo abastado chamado Anthony Shimer e combinou de receber o ouro tarde da noite. Depois que os homens haviam-na atraído para a floresta, contudo, eles atacaram-na e deixaram-na inconsciente usando clorofórmio, depois roubaram sua bolsa, amarraram-na e amordaçaram-na. Quando foi encontrada por sua família, Tubman estava atordoada e ferida, e o dinheiro fora levado.

Nova Iorque respondeu com indignação ao incidente e, apesar de alguns terem criticado Tubman por sua ingenuidade, a maioria se compadeceu com suas dificuldades econômicas e criticaram duramente os vigaristas. O incidente refrescou a memória do público sobre seu serviço passado e seus problemas econômicos. Em 1874, os deputados Clinton D. MacDougall de Nova Iorque e Gerry W. Hazelton do Wisconsin introduziram um projeto de lei (H.R. 2711/3786) prevendo que Tubman fosse paga "a quantia de 2 000 dólares por serviços prestador ao Exército da União como batedora, enfermeira e espiã".[146] O projeto de lei foi derrotado no Senado.

O Dependent and Disability Pension Act de 1890 tornou Tubman eligível para uma pensão como a viúva de Nelson Davis. Depois de documentar seu casamento e o registro de serviço de seu marido a contento da Repartição de Pensões, em 1895, foi concedida a Tubman uma pensão de viúva de 8 dólares por mês, mais um montante de 500 dólares para cobrir a demora de cinco anos na aprovação de seu pedido. Em dezembro de 1897, o congressista Sereno E. Payne, de Nova Iorque, introduziu um projeto de lei para conceder a Tubman um pensão de soldado no valor de 25 dólares por mês por seu própria serviço na Guerra Civil. Embora o Congresso tenha recebido documentos e cartas que apoiavam as reivindicações de Tubman, alguns membros opuseram-se a uma mulher receber a pensão total de um soldado. Em fevereiro de 1899, o Congresso aprovou e o presidente William McKinley ratificou H.R. 4982, que aprovou um valor intermediário de 20 dólares por mês (os 8 dólares de sua pensão de viúva mais 12 dólares por seus serviços como enfermeira), mas não a reconheceu como batedora e espiã.

Fonte: https://www.bbc.com/ (Alessandra Corrêa)
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