No vasto e complexo universo do sistema judicial brasileiro, um caso singular atravessou as fronteiras do mundo material e entrou na história da jurisprudência do país. Este episódio envolve a figura de Francisco Cândido Xavier, conhecido como Chico Xavier, um dos médiuns mais respeitados do Brasil, e uma carta psicografada que teve impacto direto na decisão de um tribunal. Trata-se do caso de José Divino Nunes, acusado do homicídio de Maurício García, em Goiás, em 1976.
O Contexto do Crime
Maurício García, um jovem de 21 anos, foi morto em circunstâncias controversas. Ele foi atingido por um disparo de arma de fogo, e o principal suspeito era seu melhor amigo, José Divino Nunes. Ambos haviam tido uma discussão pouco antes do ocorrido, relacionada a dívidas e outras questões pessoais. A acusação se baseava no fato de que José Divino estava presente no momento do disparo, e o cenário sugeria a possibilidade de um ato intencional. A família de José Divino, no entanto, afirmava que o disparo havia sido acidental. Não havia provas concretas que determinassem se a morte foi fruto de um homicídio premeditado ou de um acidente trágico. Foi nesse contexto que o caso ganhou uma dimensão extraordinária.
A Intervenção Mediúnica
No espiritismo, acredita-se que é possível que os mortos se comuniquem com os vivos por meio de médiuns. Chico Xavier, na época amplamente reconhecido por sua capacidade de psicografar mensagens de entes falecidos, foi procurado pela família de José Divino para esclarecer o caso. Durante uma sessão mediúnica, Chico Xavier psicografou uma carta que alegadamente era de Maurício García. Na mensagem, Maurício afirmava que sua morte havia sido acidental e inocentava José Divino de qualquer intenção maliciosa. A carta descrevia com detalhes os últimos momentos de Maurício e trazia elementos que somente pessoas próximas ao jovem poderiam conhecer.
O Impacto no Tribunal
A carta foi apresentada como prova no julgamento de José Divino, em 1979. Embora o sistema judicial brasileiro não reconheça oficialmente documentos psicografados como provas legais, a carta foi aceita no tribunal como parte do conjunto de evidências, devido ao impacto emocional e à repercussão do caso. O advogado de defesa usou a carta para reforçar a tese de que a morte havia sido acidental. Ele argumentou que não havia motivos concretos para José Divino cometer um crime contra seu melhor amigo. Além disso, testemunhas e perícias corroboraram a possibilidade de disparo involuntário. O tribunal do júri, formado por cidadãos comuns, foi profundamente impactado pelo teor da mensagem psicografada. A emotividade do caso e o respeito por Chico Xavier, uma figura de reputação ilibada, desempenharam um papel importante na percepção dos jurados.
O Veredito
José Divino foi absolvido. O júri considerou que não havia evidências suficientes para condená-lo por homicídio e que a possibilidade de acidente era plausível. A carta psicografada, embora não tenha sido a única base para a absolvição, teve um peso significativo na narrativa apresentada pela defesa.
As Repercussões do Caso
O caso gerou debates intensos no meio jurídico e na sociedade brasileira. De um lado, estudiosos questionaram a admissibilidade de uma carta mediúnica como evidência em um tribunal. Para outros, o caso demonstrou a necessidade de um sistema judicial mais humanizado, que considerasse todas as dimensões da experiência humana, incluindo aspectos espirituais.
O Legado de Chico Xavier
Chico Xavier sempre afirmou que sua intenção era servir como um instrumento da paz e da verdade. Ele evitava polêmicas e destacava que o reconhecimento ou não de suas psicografias cabia às pessoas envolvidas. Seu trabalho como médium trouxe conforto a inúmeras famílias e gerou reflexões profundas sobre a relação entre fé, justiça e ciência.
Considerações Finais
O caso de José Divino Nunes permanece único na história judicial brasileira. Ele não apenas exemplifica a influência do espiritismo na cultura do país, mas também levanta questões sobre os limites do que pode ser considerado prova em um julgamento. Mais do que isso, o caso evidencia como a justiça, em algumas situações, busca respostas que vão além do visível e do tangível, em busca da verdade.