27/10/2013 - Os locais de execução logo abaixo das forcas e patíbulos tendem a ser ignorados pelos historiadores. Mas recentemente alguns arqueólogos tem demonstrado interesse em desvendar e compreender como prisioneiros medievais eram torturados e mortos - e como viviam os seus executores. O jornal alemão Der Spiegel publicou um extenso artigo descrevendo o trabalho da arqueóloga Marita Genesis e Jost Auler, ambos especialistas na história por tráz das execuções públicas e privadas. De fato, o que não falta na Europa são lugares usados para essa sinistra atividade, muitos deles sancionados pelos governos como forma de impor a lei e a ordem. Marita e Jost já realizaram escavações em vários lugares e atualmente tem planos de escavar a colina de Pottenstein no sudeste da Áustria para ver o que descobrem no lugar, usado por mais de dois séculos como campo de execução de criminosos e traidores bávaros. A pesquisa meticulosa desses lugares, considerados por muitos uma atividade macabra e a análise dos restos mortais encontrados nesses sítios tem se mostrado extremamente valiosa do ponto de vista histórico.
"Estamos desvendando um passado do qual pouco se fala, por ter sido considerado tabu até pouco tempo. Execuções públicas e privadas marcam a história da Europa. Praticamente todas as nações praticaram execuções em algum momento de sua história, mas essas jamais foram matéria de um estudo profundo. É uma pena pois, podemos aprender muito a respeito de uma sociedade examinando a maneira como essa mesma sociedade se livrava de seus indesejados" contou Jost.
O trabalho dos cientistas tem revelado uma surpreendente quantidade de informações, muitas das quais ausentes dos textos e documentos sobreviventes. Por exemplo:
Evidências encontradas em um campo usado para execuções nos arredores de Dover, na Inglaterra atestam a brutalidade da Idade Média. Os cientistas descobriram restos de ossos espalhados por um descampado que servia de cemitério na época. Eles acreditam que partes da anatomia dos criminosos executados, eram negociadas por coveiros com camponeses em busca de "lembranças". Um assassino famoso, depois da execução podia ser secretamente esquartejado por um coveiro ganancioso que negociava os restos do indivíduo com curiosos que quisessem levar para casa um souvenir.
Em alguns lugares, durante o período de grande superstição, vigorava a crença que certas partes da anatomia de um indivíduo executado podiam vir a ser úteis. Dentes de um criminoso condenado, as mãos de um ladrão, a língua de um delator, as orelhas de um guarda ou mesmo a genitália de um estuprador poderiam ser surrupiados na calada da noite por pessoas que acreditavam que aqueles pedaços continham alguma força mística ou concediam algum poder sobrenatural.
Em um cemitério de condenados na Hungria, os arqueólogos descobriram que uma quantidade considerável de crânios estavam ausentes. Ao estudar os costumes locais, os pesquisadores descobriram que na Idade Média as famílias de pessoas afetadas pelo condenado ofereciam dinheiro para receber a cabeça do criminoso. Em alguns casos essas cabeças eram queimadas e suas cinzas espalhadas por plantações. Vigorava a crença de que as cinzas da cabeça de um condenado propiciavam uma farta colheita.
Na Itália, os restos de bruxas condenadas eram especialmente valiosos. Dedos, línguas, unhas, pelos pubianos e fios de cabelo eram resgatados para se transformar em amuletos de proteção contra o mal olhado de outras feiticeiras. Persistia a crença de que as bruxas tinham uma espécie de resistência a magia carregada em seus corpos mesmo após a sua morte. Ter um amuleto confeccionado com o dedo de uma bruxa e seu cabelo para usar em volta do pescoço podia afastar feitiços. Na Alemanha, epiléticos coletaram o sangue do famoso fora da lei Schinderhannes, comparado a Robin Hood, por acreditarem que isso poderia curá-los. Dizem que a cabeça do notório pirata alemão Klaus Störtebeker teve de ser vigiada por guardas a fim de que ela não fosse roubada.
A tarefa de resgatar essas "lembranças" na maioria das vezes era facilitado pelos procedimentos empregados após a execução. Na maioria das cidades da Europa, os cadáveres das pessoas executadas ficavam em exposição, como um recado para outros criminosos. Os restos eram pendurados em portões, muros e praças públicas. Em alguns lugares eles adornavam a entrada de prédios públicos, cadeias e quartéis. Na Sérvia por exemplo, o cadáver dos executado ficavam pendurados no portão de entrada das cidades com um grande cartaz onde ficava registrada a razão da condenação. Para os que todos soubessem do crime, pessoas instruídas eram pagas para ler em voz alta o que dizia o cartaz para cada um que chegava.
Não devia ser uma visão agradável adentrar uma cidade e encontrar cadáveres e restos humanos pendendo nas muralhas, secando ao sol. Corvos costumavam se agrupar nessas muradas para bicar o rosto dos mortos, arrancando nariz, lábios e orelhas. Os olhos eram o alvo principal das aves carniceiras atraídas pelo brilho. Há um registro histórico, de que certa vez os corpos de mais de trinta criminosos foram dispostos sob o portão de entrada da cidade de Augsburg, próximo de Munique. Na ocasião, uma comitiva imperial que passava pela região, deu meia volta ao se deparar com a hedionda visão.
Em meados do século XVI, algumas cidades adotaram leis reservando um local específico para a horrível exposição dos mortos. Isso porque às vezes o local escolhido ficava perigosamente próximo de poços públicos de água e de mercados onde se vendia comida.
Em uma época de enorme superstição, surpreendentemente, essas leis desagradavam grande parte da população. As pessoas queriam desejavam ver os corpos apodrecendo sem ter que se deslocar de um canto para outro da cidade. Visitar os cadáveres expostos parecia ser algo extremamente interessante na Idade Média, tanto que guardas e executores cobravam uma pequena comissão para permitir aos interessados se aproximar e ver de perto os corpos, em alguns casos até tocá-los.
Depois de algum tempo de exposição pública, os corpos já em estado deplorável eram descidos do local onde ficavam por dias ou até semanas, transportados até um cemitério qualquer e lançados em alguma vala como lixo. Esses enterros em solo não consagrado eram muito comuns. Não raramente os cemitérios de executados eram considerados como lugares assombrados, terreno fértil para proliferação de mortos vivos e vampiros. Na Itália, o cemitério de Ravena era benzido a cada seis meses para evitar qualquer levante sobrenatural indesejado.
As execuções públicas eram um grande passatempo, um verdadeiro acontecimento que atraia gente de todos os cantos interessados em assistir (e vibrar) com o tormento alheio. Quanto mais notória a vítima ou o crime por ela cometido, maior o interesse. Nobres, ricos senhores e traidores conseguiam atrair verdadeiras multidões ao pátio de execução: homens, mulheres e crianças que se acotovelavam para ver o sangrento espetáculo. Além de curiosos, havia ainda mercadores, vendedores de comida, ladrões, prostitutas e religiosos interessados em aproveitar a comoção.
Poucas coisas eram mais celebradas do que as sessões públicas de tortura que antecediam as execuções. E dentre todas as ignomias e punições aplicadas, a roda talvez fosse a mais terrível. Através desse medonho objeto circular de madeira, o corpo da vítima imobilizada era torcido e lentamente despedaçado para alegria das testemunhas. Alguns poucos minutos na roda podia partir costelas, deslocar ossos e arrebentar a coluna dorsal.
"A multidão fazia um tenso silêncio para ouvir atentamente o som dos ossos se partindo a cada torção do aparelho e quando esta acontecia vibravam e festejavam". contou Auler com base em um documento oficial.
A qualidade do executor era medida pela forma como ele conseguia levar à cargo sua tarefa. Executores podiam ganhar um bom dinheiro agradando a população que lhes oferecia presentes em troca de uma boa performance. Um executor também podia ganhar um bom dinheiro se conseguisse negociar com a vítima ou com um parente desta para garantir uma morte rápida e limpa. Mas tal atividade podia ser arriscada: nos autos de um processo em Toledo, na Espanha, consta que um executor foi condenado a ser açoitado depois que ficou claro que ele havia executado uma vítima de forma muito rápida mediante acordo com o marido desta para que "ela não sofresse demasiadamente".
A roda contudo não era o único método de tortura empregado nas execuções públicas na Europa. Cada lugar possuía os seus métodos característicos.
Robert François Damiens, condenado a execução pública por ousar atacar o Rei Louis XV, sofreu uma sentença incomum levada adiante em praça pública. Oficiais de Justiça usaram pedras de enxofre aquecidas para queimar sua pele e fazê-la descascar. Em seguida usando pinças arrancaram a pele de seus braços, peito e virilha, para que então as feridas fossem cauterizadas com chumbo derretido.
Outro criminoso famoso, o patriota rebelde escocês William Wallace (o mesmo do filme Braveheart) foi torturado no patíbulo de Londres diante de uma multidão. Wallace foi enforcado, suas costelas foram quebradas depois de ser suspenso numa polia, teve partes de seu corpo arrancadas com pinças quentes, seus intestinos foram removidos e queimados quando ele ainda estava vivo, até que, finalmente, ele foi decapitado.
As evidências arqueológicas confirmam que um dos métodos preferidos de execução na Idade Média era a decapitação. O condenado tinha de se ajoelhar diante de um banco e repousar a cabeça sobre esse cepo expondo seu pescoço. O executor usando uma lâmina pesada, geralmente uma espada, executava o golpe mortal. No final do século XVII, machados e blocos de corte passaram a ser utilizados. As guilhotinas entrariam em operação no século seguinte fazendo enorme sucesso na Revolução Francesa, quando elas trabalharam sem parar.
Jovens executores, é claro, tinham de passar por testes que demonstrassem as habilidades necessárias. Documentos encontrados pelos arqueólogos, na cidade alemã de Alkersleben atestam que um executor tinha de praticar por pelo menos dois meses cortando repolhos e abóboras antes de se dedicar a arte de separar cabeças de corpos. despeito do "treinamento", alguns executores ficavam nervosos e erravam o golpe fatal. Vários crânios encontrados pelos arqueólogos atestam que muitas vezes, mais de um golpe era necessário para concluir a tarefa.
Erros podiam ocorrer, os executores não estavam livres de vacilos. Em um cemitério alemão, foi encontrado um corpo com vários ferimentos na coluna que apontavam para erros sucessivos na tentativa de decapitação. É possível que a vítima tenha tentado se levantar depois do primeiro golpe, o que obrigou o carrasco a realizar vários golpes.
A forca também era um método popular de execução. Para enforcar um condenado uma corda devidamente preparada, besuntada com óleo era amarrada em volta do percoço do criminoso e lançada sobre uma apara de madeira ou um galho forte de árvore. A vítima era jodaga de uma altura e se essa fosse suficiente seu pescoço se partia causando a morte imediata. Do contrário, a corda comprimia as artérias do pescoço induzindo a sufocação e asfixia alguns segundos. Alguns executores seguravam os pés da vítima ou se pensuravam em suas pernas para acelerar o processo garantindo uma "morte limpa".
Apesar da importância de seu trabalho e de serem em alguns casos admirados pela sua habilidade, a maioria dos executores tinha uma vida complicada. Genesis e Auler devotaram boa parte de suas pesquisas a conhecer um pouco sobre a vida desses homens que ganhavam o pão de cada dia torturando e matando.
"Um executor era evitado por todas as pessoas que conheciam sua ocupação. A profissão era tida como "desonrosa". O dono de uma taverna podia se negar a vender bebida ou aceitar um executor em seu estabelecimento. Era, afinal, ruim para os negócios. Alguns mercadores se negavam a vender para esses homens e em alguns casos, padres não davam a eles sequer a extrema-unção. Era difícil um homem nessa profissão conseguir casar e constituir família."
Muitos executores guardavam segredo sobre a sua atividade, e se valiam dos capuzes que usavam para esconder a sua identidade. Alguns deles ganhavam um dinheiro extra realizando atividades úteis: matando animais doentes, castrando cães ou limpando prisões. A proximidade de corpos humanos e cadáveres, permitia que eles aprendessem noções básicas de anatomia e medicina. Um executor alemão que viveu em Rheims no século XVII chegou a desistir do seu trabalho e se dedicar a curar, extirpando tumores e órgãos doentes nas ruas da cidade, o equivalente a um médico itinerante.
A despeito de seu conhecimento anatômico, executores mantiveram sua sinistra reputação. Embora fossem elogiados por fazer um trabalho necessário no "Sachsenspiegel" ("Espelho dos Saxons"), um código legal rascunhado no século XIII, a maioria deles eram evitados pela sociedade. Na Áustria uma lei os obrigava a usar luvas, pois não deveriam encostrar as mãos em ninguém.
Por muito tempo esses homens figuraram como coadjuvantes em momentos importantes da história, a mão que aplicava a justiça bárbara e sangrenta. Suas vozes e seu lado jamais foram ouvidos, mas com o trabalho de especialistas como Auler e Genesis isso tende a mudar.
Fonte: http://mundotentacular.blogspot.com.br/