HISTÓRIA E CULTURA

As escolas clássicas de armas do Japão - Parte 2

bambuA História do bambu anão - Entre os ensinamentos há um que se chama kumazasa no oshie, ou seja, “os ensinamentos do bambu-anão”. É esse o nome que a Katori Shinto Ryu deu a uma série de histórias que relatam o modo pelo qual Choisai Sensei era desafiado pelos guerreiros que visitavam o seu dojô. Segundo esses ensinamentos e as histórias que sempre o acompanham, quando um desafiante chegava ao dojô e dizia a Choisai Sensei: ‘Por favor, deixe-me tentar derrotá-lo’, Choisai Sensei respondia: ‘Ótimo, mas primeiro vamos nos sentar juntos.’ Então, ele pedia a algum membro do dojô que estendesse uma esteira de palha sobre um canteiro de bambus-anôes, de modo que a esteira se apoiasse sobre os frágeis bambus cerca de trinta centímetros acima do chão.

Então, Choisai Sensei subia nessa esteira e sentava-se sobre ela. Nem a esteira caía nem os bambus vergavam-se sob o seu peso. Ele convidava então o desafiante a subir e sentar-se ao lado dele.

Segundo se conta, quando os desafiantes viam isso, percebiam que estavam na presença de uma pessoa extraordinária e admitiam imediatamente a própria derrota. Sabiam que lhes seria impossível fazer a mesma coisa. Embora tivessem vindo para lutar, Choisai Sensei era capaz de convencê-los de que não era essa a maneira correta de se proceder. Ele descia então de sua esteira e oferecia-lhes a hospitalidade do seu dojô.

O sentido de kumazasa no oshie, ou ‘os ensinamentos do bambu-anão’, é que, em vez de ensinar somente métodos de matar, Choisai Sensei conseguia ensinar aos seus desafiantes a maneira correta segundo a qual os seres humanos devem se comportar. Diz-se que todos os guerreiros que vieram ao Katori Shinto Ryu voltaram a seu local de origem num estado mais maduro ou tranqüilo.

Mestre Otake

mestre otake 2

 

O jovem Otake nasceu numa fazenda perto do local de nascimento do Fundador. Cresceu em meio à atmosfera militarista que tomou conta do Japão antes da Segunda Guerra Mundial.

Otake vivia profundamente preocupado com a propaganda que exortava os jovens a estar preparados a dar a vida pelo imperador. Tinha medo de não conseguir. Para aprender a morrer, foi estudar ‘lia Katori Shinto Ryu. Depois de um serviço militar breve e monótono, voltou ao fim da guerra para aprofundar seus estudos na Ryu.

Naquela época, o Mestre dava aulas em sua fazenda. A Katori Shinto Ryu tornara-se uma tradição rural exteriormente insignificante, que poderia chegar a desaparecer. O Mestre ficou doente e o jovem Otake, já designado como seu sucessor, assumiu parte dos seus deveres.

otake 3

 

Um desses deveres era a cura de doentes pelos métodos budistas. Certa vez, Mestre Otake teve de exorcizar um jovem possuído pelo espírito de uma raposa. Sustentou duas noites de intenso combate e finalmente conseguiu expulsá-lo do jovem, fazendo um movimento intimidador com sua espada. Em toda a sua vida, só fez um exorcismo; não quis ter de novo a mesma experiência.

Até há bem pouco tempo, Mestre Otake era fazendeiro e criador de cavalos de corrida, mas aposentou-se para ter mais tempo para dedicar-se à Katori Shinto Ryu, que havia sobrevivido em sua forma pura: uma tradição de luta praticada principalmente pelos samurais fazendeiros ou funcionários militares dos daimios. Porém, nos últimos cinqüenta anos, a zona rural japonesa, como a da Europa, sofreu muitas mudanças. Otake Sensei chegou à conclusão de que os efeitos dessas mudanças sobre a sua escola exigiriam que ele dedicasse a ela toda a sua atenção. Por exemplo, com a criação de um serviço de trens rápidos e de uma rede de rodovias que ligam a capital à zona rural, a maioria de seus alunos passou a vir de Tóquio, e não mais da pequena comunidade de senhores de terras.

Yari e Naginata armas samurais

 

Entretanto, mesmo hoje em dia, há somente uns cinqüenta e poucos membros que praticam regularmente. A Katori Shinto Ryu nunca atraiu um grande número de alunos; não foi feita para o treinamento de grandes massas.

As Técnicas e o Treinamento

a espada do mestre com a lamina para cima

 

A espada do mestre está com a lâmina virada para cima. Ao mesmo tempo que a ponta da espada perfura o crânio do adversário, o fio corta a vulnerável parte de baixo do seu pulso.

A Katori Shinto Ryu sempre aceitou alunos de todas as classes sociais. A única qualificação exigida é a disposição de continuar treinando e estudando. É preciso ter muita coragem para executar os elaborados movimentos de prática em velocidade rápida. As espadas de madeira (bokken) e as outras armas de treino passam céleres e a uma distância perigosamente pequena do rosto e do corpo dos praticantes. A mais pequena falha de concentração que prejudique a precisão e o ritmo dos movimentos pode ter por conseqüência, no mínimo, uma pancada dolorida.

O conhecimento da arte tem três estágios. A passagem dos membros de um estágio para outro é marcada pela entrega de um diploma copiado à mão pelo Mestre da Ryu a partir dos escritos originais do falecido Fundador. O aluno diligente recebe o seu primeiro diploma ao cabo de cerca de cinco anos de treino. Depois disso, ele pode freqüentar as aulas avançadas e estudar o uso das armas mais complexas; pode também começar a estudar a primeira fase do conhecimento esotérico de estratégia, religião e medicina transmitido pelo Fundador.

O segundo diploma é concedido depois de mais ou menos dez anos, e o terceiro, entregue somente aos instrutores sêniores, geralmente não é concedido a quem passou menos de quinze anos na Ryu. O conhecido estudioso norte-americano Donn Draeger, autor de diversos livros que dão a palavra final sobre as artes e caminhos marciais japoneses, é o único estrangeiro a ter alcançado esse grau na Ryu.

ataques simultaneos

 

Otake Sensei dá aulas três vezes por semana, mas, como muitos alunos têm de transpor os 64 quilômetros que separam o santuário da cidade de Tóquio, poucos deles treinam mais de duas vezes por semana. A aptidão marcial de todos eles, porém, deixa claro que quase todos praticam em casa. Nas outras artes de luta, o normal é que pouquíssimos alunos cheguem ao fim do treinamento. No karatê, por exemplo, diz-se que, de mil praticantes que começam a treinar, só um se torna bom o suficiente para ser instrutor. Não é isso, porém, o que acontece na Katori Shinto Ryu. Isso talvez se deva, entre outras coisas, ao fato de que, na Ryu, os discípulos são obrigados a fazer um pacto de sangue antes de poder dedicar-se ao estudo de maneira séria e regular. A verdade é que todos os membros da Ryu levam seu treinamento muito a sério.

Otake sensei demonstra sua zanshin ou concentraçnao total no momento de impacto enquanto pratica com seu filho mais novo, que maneja uma naguinata ou alabarda.

A Ryu não é grande, e o dojô de Otake Sensei (a sala de treinamento, literalmente “o lugar do Caminho”) só permite que dois pares de alunos pratiquem ao mesmo tempo. Até quatro podem praticar simultaneamente as formas-solo da arte de desembainhar a espada (chamada iai-jutsu), usando espadas de verdade, afiadas para o combate.

Todo o treinamento regular é feito com armas; só se praticam formas, chamadas Katá em japonês. Ao contrário do que acontece em quase todas as outras artes e caminhos marciais, não há exercícios formais de aquecimento e alongamento nem a prática de técnicas simples. Só se vêem as seqüências longas e contínuas de cortes, talhos, estocadas, golpes de ponta e bloqueios combinados em padrões de movimentos minuciosamente predeterminados para cada katá.

golpe cortando baixo

 

Os katás também se ordenam numa seqüência rígida que começa com o movimento relativamente simples de desembainhar a espada. A este seguem-se os omote-ken-jutsu, os katás da arte da espada para os principiantes, os quais, como todos os que se seguem, são feitos a dois. Todos os espadachins têm de aprender os dois papéis dos katás de combate. As aulas de Otake Sensei partem do primeiro katá para os posteriores, mais diversificados e complicados.

a reverencia a katana

 

Aos katás da arte da espada para os principiantes seguem-se as formas de bo, ou bastão, contra a espada. Vêm por fim as naguinata, ou alabardas, que podem ter até dois metros e meio na Katori Shinto Ryu e são as armas mais difíceis de ser dominadas pelos principiantes. Relampejam pelo ar em grandes arcos; às vezes, o alabardeiro tem de dar um salto para o alto a fim de ter espaço suficiente para aplicar um corte de baixo para cima. O espadachim que se lhe opõe permanece a distância e procura aproximar-se do adversário de repente, aproveitando os momentos em que ele gira a alabarda. Todos os movimentos são coreografados.

Os katás intermediários da arte da espada são muito complexos, rápidos e curtos. Os movimentos são tão precisos que às vezes a palma da mão esquerda é utilizada para apoiar e direcionar a lãmina da espada. Contragolpes sucedem-se rapidamente a partir de todos os ãngulos possíveis e imagináveis.

Várias formas de shuriken. As estrelas da morte usadas pelos ninjas

Entre os ensinamentos da Katori Shinto Ryu há o nin-jutsu, as artes dos ninjas (espiões e assassinos do Japão feudal) ou artes da espionagem. Nestas fotografias, um dos membros mais antigos da Ryu demonstra o lançamento dos shuriken, ou dardos de ferro. Esta parte dos ensinamentos da escola é secreta.

O shuriken é feito para causar a morte silenciosamente, e o nin-jutsu é a arte do assassinato silencioso. O homem que aparece nestas fotografias autênticas – as primeiras jamais publicadas – pratica de quatrocentos a quinhentos lançamentos por dia e é capaz de cravar seis dardos num círculo de menos de cinco centímetros de diãmetro a cinco metros de distãncia.

PARTE 3