HISTÓRIA E CULTURA

Pont-Saint-Esprit: Uma experiência da CIA em 1951 realizada no sul de França?

Pont_Saint_Esprit10/11/2010 - Um dos mistérios da Guerra Fria foi a causa dos estranhos acontecimentos registados em 1951 no sul de França, na aldeia de Pont-Saint-Esprit e que se traduziram na “insanidade temporária” dos seus 500 habitantes e na eventual morte de 5 deles, entre os quais dois por suicídio. Na época atribuiu-se oficialmente a explicação do sucedido a envenenamento através do ...

pão o qual teria sido contaminado com uma variante psicadélica de trigo (a base do LSD) ou através de envenenamento de mercúrio. Mas já na época, um grupo de médicos britânicos que estudara o caso exprimira reservas quanto à credibilidade dessas teses, provenientes de um grupo de técnicos enviados ao local pela empresa química suíça Sandoz Chemical.

O mistério começa agora a ser aclarado com um livro recentemente publicado nos EUA e que já lançou chispas entre os governos norte-americano e francês… O livro inclui entrevistas com antigos membros da CIA hoje reformados e com conhecimento direto sobre estes acontecimentos. Segundo eles, a causa desta “loucura de massas” seria não natural mas o resultado de uma operação secreta da agência de espionagem intitulada “Operation Span”. A “Operation Span” era uma parte do projeto MK/NAOMI, um subprojeto do muito mais conhecido projeto MK/ULTRA e é agora revelada ao mundo através do livro “A Terrible Mistake: The Murder of Frank Olson and the CIA’s Secret Cold War Experiments” da autoria de H.P. Albarelli Jr.

O livro explica que os acontecimentos de 1951 foram o resultado da dispersão de um aerosol com LSD executada pela “Special Operations Division” de Fort Detrick, em Maryland. Segundo o autor do livro, os cientistas da Sandoz foram parte de uma operação de encobrimento já que a empresa na época era uma fornecedora habitual do US Army e da CIA de LSD para estes programas ligados ao MK/ULTRA.

As visões experimentadas pelos habitantes desta aldeia do sul de França foram então descritas em termos muito gráficos: “pacientes que deitavam o lixo nas suas camas, que gritavam que havia flores vermelhas a crescer de dentro do seu corpo, que as suas cabeças se haviam tornado em levedura, etc”. Apenas nesse dia, o hospital registou 4 tentativas de suicídio, todas em consequência deste tipo de alucinações.

Na época, o LSD era estudado como uma arma psicológica que seria espalhada para além da linha de frente, desorientando o inimigo e tornando a sua população e militares psicóticos e logo, inofensivos. Segundo este livro, a CIA terá estudado vários  testes possíveis a este conceito a realizar através da colocação de LSD nos depósitos de água de uma cidade dos EUA, mas o plano seria abandonado devido aos trágicos resultados de uma experiência em pequena escala realizada no sul França, este lançamento em 1951. Além de um reservatório de água de cidade média norte-americana, a CIA terá também avaliado a dispersão de um aerossol de LSD no metro de Nova Iorque.


"Eu estou morto, minha cabeça é feita de cobre e as cobras em meu estômago estão me queimando"

 

CIA_10


Guilherme Rosa - Ou a história de como a CIA teria provocado mortes e a maior bad trip da humanidade ao testar secretamente os efeitos do LSD em uma pequena cidade francesa. O século XX não foi muito generoso com Pont-Saint-Esprit. Fundada por volta do ano 500, a pequena cidade passou pelos séculos sem grandes atribulações. Às margens do Rio Ródano, no sul da França, ela permanecia praticamente inalterada, com estilo de vida e construções que lembravam os tempos medievais. Aí veio a Segunda Guerra Mundial. A cidade foi ocupada pelos alemães, os cidadãos foram divididos entre colaboradores e resistência. No final dos combates, ela foi invadida pelos Estados Unidos, que destruíram algumas construções históricas, incluindo a ponte que lhe dá o nome. Ao final, Pont-Saint-Esprit era uma cidade dividida, com grandes ressentimentos e tensões. Então, no dia 16 de agosto de 1951, ela foi palco da maior bad trip da história do planeta.


Um pão maldito


De uma hora para outra, a loucura tomou conta da cidade. A população, em delírio, via demônios e fantasmas em todos os cantos. Pessoas se jogavam das janelas ou tentavam se afogar para escapar de cobras imaginárias. Um menino de 11 anos tentou estrangular a própria mãe. Nem os animais escaparam: em meio ao caos, um cão ficou por mais de uma hora uivando para o sol a pino na praça central. Ao todo, mais de 200 pessoas tiveram algum distúrbio, mais de 30 sofreram alucinações severas e quatro morreram.

Na época, a população culpou um padeiro da cidade, que teria vendido pão envenenado para os cidadãos. O caso ficou conhecido como “Le Pain Maudit” (O Pão Maldito). Os médicos foram rápidos em apontar ergotismo, uma doença transmitida por fungos encontrados nos grãos de trigo. Agora, quase 60 anos depois, o jornalista H. P. Albarelli Jr. lança uma hipótese que mistura teorias conspiratórias e psicodelia pura.

Em seu novo livro, A Terrible Mistake, ele diz que a CIA deliberadamente envenenou a comida dos cidadãos de Pont-Saint-Esprit com LSD. O surto coletivo teria feito parte de uma experiência ultras-secreta para descobrir os efeitos da droga em grandes populações.

“Mamãe, os tigres vão nos fazer em pedaços”

pai_do_lsd

 

Realmente, grande parte dos sintomas são comparáveis a uma viagem de LSD e a situação em Pont-Saint-Esprit pode ser descrita como uma espécie de Woodstock sem música. Em vez de jovens hippies buscando abrir as portas da percepção, a cidade não estava lá muito preparada para abrir porta alguma, com sua população de camponeses supersticiosos e donas de casas religiosas em meio a delírios assustadores e inesperados.

Um dos locais, Gabriel Veladiere, teve de ser impedido por amigos de se jogar no Rio Ródano. Ele gritava em desespero: “Eu estou morto, minha cabeça é feita de cobre e as cobras em meu estômago estão me queimando”. Em outro canto da cidade, uma menina de cinco anos também foi afetada. “Mamãe, eu vou morrer. Os tigres vão nos fazer em pedaços”, dizia, com lágrimas caindo pelo rosto. Depois, apontando para o teto de seu quarto: “Tem sangue escorrendo dali. Você não consegue parar o sangue?”.

O hospital da cidade ficou superlotado, e mais de 70 casas tiveram de ser usadas como ambulatórios de emergência. Os enfermeiros tinham que se dividir entre os doentes reais e imaginários. Um homem implorava para o médico colocar seu coração no lugar, porque o órgão estava escapando pelo pé. Um outro sujeito achou que era um avião e pulou do terceiro andar. Ao cair no chão, correu por mais alguns quilômetros com as duas pernas quebradas.

Nem todos deliravam, alguns simplesmente sofriam de enjoos e ânsia de vômito. Durante dias, a cidade viveu uma estranha insônia, as pessoas se encontravam nas ruas de madrugada e engatavam em animadas conversas. Cheios de energia e com as pupilas dilatadas.

Segundo o historiador Steve Kaplan, especialista no caso do Pão Maldito, a cidade foi invadida por jornalistas do mundo todo. A notícia do surto psicodélico teve repercussão e marca a memória coletiva da França até hoje. Os primeiros boatos eram desencontrados. Poderia tanto ser um ataque químico dos comunistas, quanto uma punição divina para a devassidão terrena. Com o tempo as pessoas começaram a ligar as alucinações ao pão.

A hipótese do ergotismo não tardou a ganhar forças. Também conhecido como Fogo de Santo Antônio, a doença havia sido responsável por diversos surtos de histeria coletiva na Idade Média. “A ideia da ressurreição de um horror medieval era sedutora demais”, diz Steven Kaplan. Alguns sintomas vivenciados pela população são incrivelmente parecidos, como as alucinações e as perturbações intestinais. Na época, Guy Bruere e Miller Maillet, dois comerciantes de cidades vizinhas, chegaram a ser presos por fornecer os grãos contaminados.

Como as investigações começaram a apontar em outras direções, nenhum dos dois ficou preso por mais de dois meses. “Quando você assa um pão que contenha o fungo ergot, ele fica muito feio, preto. Além disso, todos os grãos fornecidos para uma região ficavam armazenados num único silo, é inconcebível que todos os grãos tóxicos tivessem acabado numa única padaria”, afirma Kaplan.

A hipótese oficial, adotada pelas autoridades francesas, foi a de que os grãos foram acidentalmente contaminados por um fungicida à base de mercúrio. Segundo Steven, os sintomas não batiam, mas as investigações foram abruptamente encerradas porque a publicidade negativa estava fazendo mal para os negócios da cidade. O caso permanecia inconcluso e o mistério parecia ficar para a história, quando Albarelli resolveu misturar duas siglas na narrativa: a CIA e o LSD.


A morte explica


O LSD foi acidentalmente descoberto pelo químico suíço Albert Hoffman em 1943. A CIA foi criada em 1947, para coletar informações relativas à segurança nacional americana. Durante todos os anos 50 e 60, a agência estudou a droga como quem encara a arma definitiva. “Eles pensavam que o LSD tivesse o potencial de substituir as armas de fogo e bombas, que guerras poderiam ser travadas apenas com químicos alucinógenos”, diz Albarelli.

O jornalista deparou com a história de Pont-Saint-Esprit e do Pão Maldito quando investigava a morte do cientista bioquímico Frank Olson, tema de seu livro. Olson trabalhava para a CIA e foi encontrado morto no final de 1953, depois de presumidamente se jogar do 13º andar de um hotel.

A versão de que Frank teria se suicidado nunca convenceu a família — a janela estava fechada quando ele se atirou para a rua. Só em 1975, quando o governo americano abriu arquivos que eram mantidos em segredo, que as circunstâncias de sua morte começaram a ficar claras.

Olson trabalhava no Forte Detrick, em Maryland. O local era conhecido como o centro de pesquisa para ataques bioquímicos do governo. “Seu trabalho era pensar em modos novos e melhores de matar”, diz Albarelli. Ele estudava vários tipos de agentes biológicos e químicos.

Ali, ele atuava sob supervisão de um projeto da CIA chamado MKULTRA, que estudava quase todo tipo de droga, a fim de utilizá-las como soro da verdade, em missões de sabotagem ou para fins de controle mental. “O MKULTRA testou todas: LSD, mescalina, cogumelos, peyote, morfina, heroína.”

Mas, sem dúvida, a mais investigada de todas as substâncias foi o LSD. Segundo Albarelli, pelo menos 6 mil homens do exército americano serviram de cobaias para o projeto. “Mas se contarmos o total de afetados, incluindo civis e estrangeiros, foram mais de 10 mil cobaias, inclusive prisioneiros de guerra.”

O MKULTRA também testou a droga em civis. Às vezes, os experimentos eram voluntários, como os que aconteciam com viciados em drogas na Prisão Federal em Kentucky. “Os viciados em heroína não gostavam de tomar mescalina e LSD. Então, como forma de pagamento, eles ganhavam mais heroína do governo”, afirma o jornalista.

Um dos casos que mais repercutiu na opinião pública americana foi a Operação Clímax da Meia-Noite. Organizada por um agente chamado George Wight, a operação testava a droga em homens cooptados por prostitutas. Segundo uma matéria da revista TIME, de 1977: “De noite, mulheres atraíam os rapazes para esconderijos e lhes davam LSD ou maconha, enquanto outros homens olhavam através de um falso espelho e gravavam a cena [...] As mulheres, aparentemente prostitutas clandestinas, ganhavam US$ 100 por cada trabalho para a CIA”.

Grande parte dessas informações veio a público em 1975, quando uma investigação do Congresso tornou públicos os arquivos da operação MKULTRA. Ou o que restou deles. “Mais detalhes sobre esses casos são muito difíceis de descobrir, já que os documentos foram todos destruídos em 1973, por ordens do diretor da CIA. Foram queimadas 140 caixas. Sobraram somente umas vinte, em sua maioria com balanços financeiros”, diz Albarelli.

Com as novas informações, a família de Frank Olson tinha subsídio para cobrar por respostas mais aprofundadas do governo. Acontece que era comum os cientistas também testarem as drogas em si mesmos. O diretor do MKULTRA, Sidney Gottlieb, contou para Alabrelli que usou a droga mais de 40 vezes: “E ele gostou de cada uma delas, disse que se tornou uma pessoa melhor”, afirma o escritor.

Frank Olson nunca tinha participado desses experimentos, até que foi chamado para uma reunião com outros cientistas do projeto, nove dias antes de sua morte. No evento, quase todos os presentes foram drogados por uma dose de LSD que havia sido escondida numa garrafa de Cointreau. A versão oficial do caso mudou. Agora, Frank teria entrado em um estágio de extrema paranoia e depressão depois de ter sido drogado pelo governo. Ele teve de ser afastado de suas funções e estava em Nova York para receber ajuda psiquiátrica, mas se matou durante o tratamento. Em 1975, o presidente Gerald Ford pediu desculpas para a família de Olson e ofereceu US$ 750 mil de indenização.

A nova história também não convenceu a família do cientista, especialmente o filho mais velho, Eric Olson. Em 1994, ele finalmente conseguiu que o corpo do pai fosse exumado e uma análise forense apontou lesões em seu crânio. Frank teria sido golpeado na cabeça e nocauteado antes de ser atirado pela janela. Os depoimentos recolhidos por Albarelli trazem uma nova versão: ele teria sido assassinado pela CIA. Olson estaria falando demais, revelando segredos da agência. Suspeitavam, inclusive, que estivesse contando histórias sobre uma experiência ultrassecreta realizada numa cidadezinha francesa...


A ponte


Eis que duas histórias aparentemente sem nenhuma relação se juntam. “Frank andou conversando com três ou quatro pessoas sobre assuntos que não deveria. Ele até mencionou a experiência de Pont-Saint-Esprit”, diz Albarelli. O cientista estava na França na semana do surto coletivo, e o autor sustenta que não era a passeio: “Os documentos e depoimentos não me deixam dúvida: foi uma experiência da CIA em parceria com o exército americano”.

No entanto, Albarelli não arrisca dizer exatamente como foi a experiência em Pont-Saint-Esprit: “Tudo é muito incerto. Um dos depoimentos mostra que eles colocaram a droga em gêneros alimentícios. E eu suspeito que isso signifique o pão”. Ele também diz que, na época, a CIA já tinha a tecnologia necessária para jogar o LSD em forma de aerossol, e que isso poderia explicar o fato de animais também serem atingidos.

Se Frank Olson estivesse realmente dando depoimentos sobre o teste, inclusive falando com a imprensa, a situação ficaria muito ruim para a CIA, que se veria envolvida em uma operação ilegal, em território estrangeiro e que matou quatro pessoas. “Foi por isso que deram LSD para Frank Olson, para interrogá-lo e ver o quanto ele era confiável”, afirma o jornalista. Após o evento em que todos tomaram a droga, ele foi levado para Nova York, testado e novamente interrogado. Ali, tentou escapar e acabou sendo arremessado da janela por dois ex-traficantes recrutados pela CIA.

A hipótese de Albarelli não é exatamente unanimidade. O próprio historiador Steven Kaplan duvida da história: “Os médicos prestaram muita atenção nas alucinações sofridas pela população, mas esse não foi o único sintoma. Além disso, o LSD reage em no máximo uma hora. No caso de Pont-Saint-Esprit, a alucinação demorou mais de um dia para aparecer. Os sintomas iniciais foram os problemas gastrointestinais”.

“Mas acho que devemos ter uma mente aberta”, continua Kaplan. “O problema de Albarelli é que ele não tem nenhuma evidência. Ele tem grandes provas que ligam a CIA com o LSD. Mas muito pouco que liga a CIA com o caso do Pão Maldito. Os papéis que ele apresentou podem simplesmente apontar que a CIA, como o resto do mundo, ficou curiosa com o que aconteceu. Eu digo para ele me mostrar as evidências, ou, por exemplo, por que escolheram uma cidadezinha da França para esse experimento? Se mostrar, vou ser o primeiro a aceitar. Mas se não mostrar, é melhor ele calar a boca.”

De fato, os documentos que Albarelli apresenta são vagos. Um deles transcreve um diálogo entre um agente da CIA e um cientista da Sandoz, laboratório que produzia o LSD. Os dois conversam sobre o “segredo de Pont-Saint-Esprit” e revelam ter conhecimento de que não foi o pão que causou o incidente. Albarelli sustenta que as provas importantes teriam sido destruídas em 1973. De resto, a teoria é baseada em depoimentos, em sua maioria sigilosos, de ex-operativos da agência.

O caso do Pão Maldito continua aberto. Enquanto isso, os últimos sobreviventes da "viagem" em Pont-Saint-Esprit vão continuar sem saber o que foi que os tirou de órbita por alguns dias, e os devolveu como parte de um dos capítulos mais misteriosos da história do século XX.


Fonte: http://www.theoneclickgroup.co.uk/
http://revistagalileu.globo.com/