Imagine esta cena: João, de 6 anos, sentado à mesa do restaurante, começa a fazer manha. Ele quer o celular da mãe para se distrair enquanto espera o almoço chegar. Maria, aos 4 anos, está no meio de uma loja de brinquedos, rolando no chão porque o pai não comprou a boneca que ela viu na vitrine. Já Pedro, um adolescente de 15 anos, grita com os pais porque quer uma resposta agora sobre se poderá ou não ir à festa dos amigos no sábado. Parece familiar? Se sim, respire fundo e saiba que você não está sozinho.
Esses três exemplos podem parecer situações isoladas, mas elas têm algo em comum: são reflexos de uma cultura cada vez mais imediatista. E aí, mano, tá achando que é só um exagero? Pois calma lá que a gente vai te explicar direitinho por que esse "sim" automático pode estar criando adultos mimados, frustrados e incapazes de lidar com as adversidades da vida.
O imediatismo como vilão silencioso
Vamos começar falando do óbvio: estamos vivendo na era da gratificação instantânea. Comprar qualquer coisa pela internet, pedir comida sem sair de casa, assistir a filmes ou séries na hora que der vontade... Tudo ao alcance de um clique. Mas essa facilidade toda não veio de graça. Ela trouxe consigo um comportamento que tem contaminado até mesmo as relações familiares: o tal do imediatismo.
Os pais, pressionados pelo ritmo acelerado do dia a dia, acabam caindo na armadilha de responder logo às demandas dos filhos – mesmo que isso signifique entregar o celular no meio do jantar ou comprar aquele brinquedo só para encerrar o surto na loja. O problema é que, ao atender a essas demandas de forma imediata, eles estão ensinando algo perigoso: que o mundo funciona assim. Que tudo é rápido, fácil e disponível.
E adivinha só? O mundo real não é nada disso.
Segundo a psicóloga e educadora Rosely Sayão, essa prática cria adultos alienados em relação à realidade. "O adulto que tem o imediatismo cultivado, ao invés de controlado, tem dificuldade de compreender e se inserir no mundo", explica. Em outras palavras, estamos preparando nossos filhos para viverem em um universo fictício, onde todas as necessidades são satisfeitas na hora.
A tecnologia como aliada (ou inimiga)
Sejamos sinceros: quem nunca entregou o celular para o filho durante uma reunião importante ou enquanto tentava pagar a conta no restaurante? A tecnologia, neste caso, parece uma solução mágica – afinal, ela acalma a criança, dá sossego aos pais e resolve o problema na hora. Mas, cá entre nós, será que isso é realmente saudável?
Ana Raia, coach de vida e carreira, chama atenção para o impacto negativo dessa prática. "Os pais, atualmente, não aguentam não ser imediatistas", diz ela. "Se no passado eles se permitiam deixar os filhos insatisfeitos por mais tempo, hoje atitudes como essa se transformaram em um dos maiores desafios na educação das crianças e jovens."
O grande problema aqui é que a tecnologia tira da criança a oportunidade de experimentar o tédio, aquela sensação desconfortável de não ter nada para fazer. Pode parecer estranho, mas o tédio é essencial para o desenvolvimento infantil. É nesses momentos de "mente vazia" que surgem ideias criativas, brincadeiras espontâneas e até soluções para pequenos problemas cotidianos.
Daniel Becker, médico e criador do projeto Pediatria Integral, vai além. Para ele, o excesso de estímulos externos – seja através de celulares, tablets ou atividades extracurriculares – impede que a criança desenvolva processos internos fundamentais. "São necessários momentos em que ela está engajada com algo externo, e também momentos em que está ociosa, em estado de contemplação", explica. Sem isso, corremos o risco de criar adultos incapazes de refletir, imaginar ou simplesmente "ser".
As consequências de crescer sem saber esperar
Você já parou para pensar no que acontece quando uma criança cresce sem aprender a lidar com frustrações? Vamos falar sério aqui: ela vira um adulto ansioso, impulsivo e incapaz de tolerar o menor desconforto. E olha, isso não é papo de especialista alarmista – é pura realidade.
Rosely Sayão faz uma analogia interessante: desde que nascemos, somos naturalmente imediatistas. Quando choramos, alguém vem atender nossas necessidades básicas – fome, frio, sono – e nos proporciona uma sensação de prazer. No entanto, conforme crescemos, precisamos aprender que nem sempre o mundo vai funcionar assim. "Não é o princípio do prazer que vai reger a nossa vida, e sim o princípio da realidade", enfatiza.
Mas, então, qual é o papel dos pais nessa história? Mostrar aos filhos que a felicidade não é imperativa. Que é normal sentir-se triste, frustrado ou entediado de vez em quando. E que a espera, longe de ser um castigo, pode ser uma oportunidade de crescimento.
Dicas práticas para combater o imediatismo
Tá, mas e agora? Como fazer para mudar esse padrão? Bom, não precisa ser drástico nem radical. Aqui vão algumas sugestões práticas:
- Substitua o "sim" automático por um "vou pensar". Isso dá tempo tanto para você quanto para a criança refletir sobre a situação.
- Estabeleça limites claros. Por exemplo: "Você pode usar o tablet durante 15 minutos, mas só depois que terminarmos de conversar."
- Incentive brincadeiras offline. Caixas de papelão, massinha de modelar e brinquedos simples estimulam a criatividade e ajudam a criança a se entreter sem depender de telas.
- Ensine a importância da espera. Pequenos contratos, como sugerido por Daniel Becker, funcionam bem. Combine com seu filho que, se ele se comportar bem no restaurante, ganhará alguns minutos extras com o tablet depois.
Um futuro mais equilibrado
No fim das contas, o que estamos tentando evitar aqui é criar uma geração de adultos que não sabem esperar, que não conseguem lidar com incertezas e que dependem constantemente de estímulos externos para se sentirem felizes. Parece pesado? É porque é.
Mas, ao mesmo tempo, há esperança. Ao dizer "não" de forma consciente e estratégica, estamos oferecendo aos nossos filhos algo muito mais valioso do que um brinquedo novo ou um vídeo no YouTube: estamos lhes dando ferramentas para enfrentarem o mundo real, com suas adversidades e desafios.
Então, da próxima vez que seu filho fizer manha ou exigir algo imediatamente, respire fundo e lembre-se: um "não" hoje pode ser o maior presente que você dará para o futuro dele.