HISTÓRIA E CULTURA

'Efeito manada' nas redes sociais e 'economia disruptiva' podem estimular turismo predatório

efeima1Por Patrícia Figueiredo - Avanços tecnológicos estão impactando negativamente o mercado do turismo, mas uso responsável poderia gerar receita e promover gestão sustentável. Os números mostram que o mundo está viajando mais. De acordo com dados do Banco Mundial, foram 3,97 bilhões de viagens de avião em 2017. Em 2007, apenas dez anos antes, foram 2,2 bilhões – um crescimento de 80% no período. No entanto, o aumento do turismo em escala global acende sinais de alerta para os impactos negativos da atividade, inclusive sobre o meio ambiente. A concentração do turismo em algumas centenas de cidades e países é o problema que mais chama atenção. E essa concentração, ...

segundo especialistas, ocorre em partes por conta da popularização de tecnologias e redes sociais. Até 2020, os 20 países mais visitados do planeta vão receber mais voos internacionais do que todo o resto do mundo somado, segundo um relatório do Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC, na sigla em inglês).

As cidades e atrações turísticas mais famosas não cresceram no mesmo ritmo que a indústria do turismo, que hoje já representa 10% do PIB mundial. Cidades históricas e cenários naturais populares que recebem milhões de visitantes continuam exatamente com o mesmo tamanho que tinham quando recebiam apenas milhares de turistas.

Segundo Clarissa Gagliardi, professora do departamento de turismo da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, as redes sociais têm papel fundamental no fenômeno da hiperconcentração do turismo. “São plataformas que garantem uma visibilidade nunca antes imaginada para os destinos”, avalia.

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A viralização de uma foto nas redes sociais pode acarretar um aumento no fluxo de turistas sem que haja um planejamento prévio do destino para acomodar essa demanda, explica Gagliardi. Sem infraestrutura, os efeitos negativos do turismo predatório aparecem com ainda mais força.

Mas, apesar dos efeitos colaterais da busca por curtidas no Instagram e Facebook, a tecnologia também pode ser usada para descentralizar o turismo em grandes cidades.

Em Amsterdã, na Holanda, a administração pública está usando os dados do “Amsterdam City Card” – bilhete que inclui entrada para os principais museus e atrações turísticas da cidade – para combater o turismo predatório. Analisando o padrão de comportamento dos visitantes, a secretaria de turismo criou um aplicativo que envia alertas para o celular dos turistas quando uma atração está mais movimentada que o normal e sugere alternativas menos concorridas.

Redes sociais: compartilhar é viver

Já faz bastante tempo que férias não é mais sinônimo de isolamento. Com a melhoria das tecnologias de telecomunicação – e a popularização do bom e velho wifi de hotel – ficou mais fácil se manter conectado durante uma viagem. Cerca de 74% dos turistas norte-americanos disseram utilizar as redes sociais durante as férias enquanto 60% admitiram postar fotos enquanto viajam, segundo uma pesquisa da consultoria MDG.

Não faltam exemplos de lugares que passaram a sofrer mais com o turismo predatório depois de bombarem nas redes sociais. A ilha de Fernando de Noronha, por exemplo, ganhou destaque com fotos no Instagram de celebridades. Mas a experiência do viajante comum pode não render os cliques cinematográficas dos famosos – e a capacidade de receber visitantes da ilha já está além do limite recomendado no plano de manejo do ICMBio.

A concentração do turismo em determinadas atrações turísticas acaba padronizando o conteúdo compartilhado nas redes. O perfil @Insta_Repeat tira sarro dessa situação e mostra fotos quase idênticas tiradas por diferentes viajantes no mesmo destino. Criada pela fotógrafa americana Emma Sheffer, a página reúne cliques similares de um mesmo local em colagens com ao menos 12 fotos praticamente iguais.

“Ainda há muitos destinos que são pouco visitados e que têm espaço para crescer”, aponta Luigi Cabrini, presidente do Conselho Global para o Turismo Sustentável (GSTC, na sigla em inglês), o bom uso das redes sociais poderia combater o efeito manada.. “Nós podemos usar o Instagram e o Facebook para tentar resolver o problema.”
Cabrini cita como exemplo a Costa Rica, país da América Central que conseguiu, por meio das redes sociais, melhorar sua imagem no exterior. “Trata-se de um país muito menor que o Brasil, mas que foi capaz de criar uma reputação positiva nas redes, de destino sustentável, verde e responsável”, diz.

Economia compartilhada

Quando surgiram, serviços como Airbnb e Uber eram vistos como uma alternativa aos hotéis e táxis. O benefício desse tipo de serviço seria desconcentrar a receita gerada pelo turismo, beneficiando mais os moradores e a comunidade como um todo. Usando essas plataformas, moradores podem oferecer serviços usando seus próprios bens. Assim, o turista passaria a gastar seu dinheiro não apenas em comércios e serviços de grandes redes, mas também em negócios que geram renda diretamente para os locais.

No entanto, a expansão do aluguel por temporada, modelo proposto pelo Airbnb, pode acarretar um aumento generalizado do valor dos aluguéis e a consequente expulsão de moradores. Isso pode ocorrer tanto em grandes cidades quanto em destinos de ecoturismo pequenos, onde a oferta de leitos é menor.

No geral, os proprietários de imóveis, ao perceberem que podem cobrar mais com as plataformas de economia compartilhada do que com inquilinos fixos, aumentam os preços dos alugueis de longa duração. Em muitos lugares os aluguéis por temporada ainda escapam dos impostos cobrados sobre os contratos de longo prazo, o que aumenta a margem de lucro dos proprietários em plataformas como o Airbnb.

No mercado imobiliário, o abismo entre turistas e moradores fica ainda mais perceptível: enquanto os primeiros podem escolher não só entre albergues e hotéis, mas também entre apartamentos alugados, aos locais restam cada vez menos opções a preços acessíveis.

Foi o que aconteceu em Lisboa. Entre 2010 e 2018 a quantidade de apartamentos alugados em regime de temporada na capital portuguesa aumentou 3.000%, segundo levantamento feito pela Universidade de Coimbra. Por conta disso, os preços dos aluguéis dispararam e muitos residentes foram obrigados a se mudar para outros bairros ou para fora da cidade.

Em diversas cidades do mundo foram criadas legislações que impõem limitações ao Airbnb. Em Los Angeles, os apartamentos podem ser alugados por até 120 dias por ano, mesmo limite estabelecido pela prefeitura de Paris. Em São Francisco, além da limitação de aluguel por apenas 90 dias por ano, há ainda uma taxa da prefeitura de 14% sobre as reservas em residências particulares.

Em Amsterdã, o limite é ainda menor: são apenas 30 dias por ano, com apenas quatro hóspedes em cada acomodação. A tolerância é praticamente zero em Nova York, onde a legislação local determina que alugar um apartamento inteiro por um período de menos de 30 dias é ilegal. Hóspedes e anfitriões que desrespeitam essa regra estão sujeitos a multas.

Luigi Cabrini, do GSTC, alerta para que os turistas verifiquem se as propriedades que estão alugando condizem com as regras locais. “Há muitas coisas que os turistas precisam fazer para deixar um impacto positivo, e não negativo, na cidade que visitam, e uma delas é ter certeza de que não estão participando de nenhum tipo de transação ilegal”, afirma.

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O Airbnb, no entanto, defende que sua política estimula a descentralização do turismo porque suas acomodações estão em bairros mais diversos que os hotéis, que costumam se concentrar em regiões mais populares. Segundo a empresa, 2/3 das reservas de hospedagem pela plataforma são feitas em áreas que não são as mais turísticas das cidades. Em relatório sobre turismo saudável, o site calcula que 44% dos gastos dos usuários nas viagens acontece nas áreas em que eles se hospedam.

No entanto, ainda que as propriedades não estejam geograficamente centralizadas, o benefício econômico trazido pelo aluguel de temporada ainda assim pode acabar concentrado.

“A parcela da população que pode se beneficiar diretamente do Airbnb é aquela que não só é proprietária de um imóvel, mas também que tem uma propriedade ociosa boa parte do ano”, avalia Clarissa Gagliardi, da USP. “Essa não é a população necessitada, que precisa gerar receita com o turismo para sobreviver.”

Fonte: https://g1.globo.com