VERDADES INCONVENIENTES

Os jargões científicos e a palestra do Dr Fox nos anos 1970

foxtopoVocê já percebeu que as áreas do saber estão muito bem separadas em diversos nichos incomunicáveis, e que para cada uma delas, existe uma linguagem própria, quase sempre inacessível para os pesquisadores de outras disciplinas e para o público em geral? Estas palavras estranhas são conhecidas como jargões — e muitas vezes servem mais para confundir do que para explicar. Os intelectuais têm um problema: devem justificar sua existência. Mas poucas coisas que se referem ao mundo são compreendidas. A maioria, ...

talvez com exceção de determinados setores da física, pode ser expressa com a ajuda de palavras muito simples e frases bem curtas. Contudo, se fizer isso, não se tornará célebre, não terá emprego, as pessoas não reverenciarão seus escritos. [...] Traduza em linguagem simples o que dizem e encontrará, com bastante frequência, ou nada, ou truísmos, ou absurdos.

Noam Chomsky

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Foi durante a ascensão da burguesia na Europa no século XVIII que a ciência adquiriu crescente prestígio, e com ela a rigorosa separação das disciplinas em setores específicos do saber. Se antes nós tínhamos sábios que reuniam, em si mesmos, diversas áreas do conhecimento, sendo ao mesmo tempo botânicos, físicos, poetas, engenheiros, químicos historiadores, biólogos e tudo o mais que a curiosidade e a paixão pelo conhecimento fossem capazes de despertar — Leonardo Da Vinci representa o exemplo perfeito —, agora nós temos especialistas, cientistas geralmente incomunicáveis em seus nichos de saber exclusivos. É desta forma que muitos físicos não entendem a linguagem profissional dos juristas; que biólogos não entendem de física; que matemáticos não entendem de história, e por aí vai. É claro que o vocabulário especializado é muito útil e indispensável para explicar determinadas questões. Não poderíamos, por exemplo, discutir marxismo ou física quântica sem conhecer seus conceitos básicos, que serviriam para um futuro aprofundamento, se fosse do interesse de cada um. No entanto, muitas vezes parece que o discurso pomposo e cheio de termos técnicos serve para mascarar um conhecimento superficial do assunto tratado. Neste caso, temos os jargões.

A incrível façanha do Doutor Fox

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No início dos anos 70, o doutor Fox pronunciou uma conferência chamada “teoria matemática dos jogos e sua aplicação na formação dos médicos”. Suas três palestras contaram com um total de 55 ouvintes, todos eles com alta especialidade profissional: eram médicos, assistentes sociais, educadores, psicólogos, psiquiatras e administradores. Depois de uma hora e meia, no fim da palestra, foi distribuído para o auditório um questionário para saber a opinião dos presentes sobre a explanação. Todos eles, sem exceção, elogiaram o nível do professor, e consideraram a palestra muito clara e informativa. Mas aí é que o negócio fica legal... Na verdade, o doutor Fox era o ator comediante Michael Fox se passando por professor, falando de modo determinado e convincente… um monte de bobagens! O texto era decorado, sobre um tema que ele não fazia a menor ideia, cheio de palavras vagas, contradições, falsas referências, etc. Nenhum dos especialistas na plateia foi capaz de perceber a farsa – pelo contrário, consideraram-na muito “clara e informativa”.

A partir de então, os autores dessa pegadinha elaboraram o que ficou conhecido como “O Efeito Fox” (Dr. Fox Effect), segundo o qual, “um discurso ininteligível, emitido por uma fonte aparentemente legítima, será aceito, apesar de tudo, como inteligível”. É desta maneira que os meios de comunicação recorrem frequentemente a autoridades acadêmicas quando querem reforçar um determinado ponto de vista nos veículos de imprensa. Doutores, pesquisadores, especialistas e cientistas sociais têm o poder de assegurar a verdade do que dizem através do diploma pendurado na parede, usando palavras difíceis e direcionadas no intuito de formar uma opinião pública de consenso, ao interesse da ordem estabelecida. É difícil distinguir o verdadeiro cientista e seus termos conceituais daqueles que só querem passar uma falsa imagem ou uma falsa ideia, mas é possível, com um pouco de paciência e experiência. Pratique.


Fonte: http://ramanavimana.blogspot.com.br/