CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Tetrodotoxina ou Toxina do Baiacu

baiacu_Zombies-HaitiDescrição da doença – envenenamento causado pela ingestão de toxina produzida nas gônadas e outros tecidos viscerais de alguns peixes da classe Tetraodontiformes, à qual pertencem o peixe fugu japonês ou baiacu. Esta toxina e a saxitoxina são dois venenos dos mais potentes conhecidos, sendo a dose letal mínima de cada uma delas, no camundongo, de aproximadamente 8 ug/kg. São fatais para o homem. Ocorre também na pele de salamandras aquáticas, bodião, sapo Atelopus ...

(da Costa Rica), determinados polvos, estrela-do-mar, anjo-do-mar, porco-espinho e caranguejo xantídeo. Nenhuma alga foi identificada como responsável por essa produção e até recentemente a tetrodoxina foi considerada como um produto metabólico do hospedeiro. Recentes estudos da produção da tetrodoxina/anidrotetrodoxina por determinadas bactérias, incluídas as cepas da família da Vibrionaceae, Pseudomonas sp., e Photobacterium phosphoreum, apontam uma origem bacteriana para estas toxinas. É comum bactérias associarem-se à animais marinhos. Se confirmados, esses achados podem contribuir para o controle dessas toxicoses. O primeiro sintoma de envenenamento é uma dormência/paralisação dos lábios e da língua, que aparece entre 20 minutos a 3 horas depois da ingestão do baiacu. O sintoma seguinte é o aumento de parestesia de face e extremidades, que pode ser acompanhada de sensação de leveza ou flutuação. Dor de cabeça, rubor facial, dor epigástrica, náusea, diarréia e ou vômito podem ocorrer.

Dificuldade para andar pode ocorrer nessa fase que evolui para o aumento da paralisia, com dispnéia. A fala é afetada e a pessoa envenenada apresenta comumente cianose e hipotensão, com convulsões, contração muscular, pupilas dilatadas,  bradicardia e insuficiência respiratória. O paciente, embora totalmente paralisado, permanece consciente e lúcido até o período próximo da morte. O óbito ocorre dentro de 4 a 6 horas, podendo variar de cerca de 20 minutos a 8 horas.

 



Agente etiológico – Tetrodoxina (anidrotetrodoxina 4-epitetrodoxina, ácido tetrodônico). É uma neurotoxina não protéica, termo-estável, em concentrações nanomolares, bloqueiam especificamente os canais de NA+ nas membranas das células excitáveis. Como resultado, o potencial de ação é bloqueado. Nem todos os canais de NA+  são igualmente sensíveis à tetrodoxina; os canais nas células musculares cardíacas e de músculo liso são amplamente resistentes, e um canal de NA+  tetrodoxina-insensível é observado quando um músculo esquelético é desnervado.

O bloqueio dos nervos vasomotores, associado ao relaxamento do músculo liso vascular, parece ser responsável pela hipotensão que é característica do envenenamento por tetrodoxina. Esta toxina causa morte por paralisia dos músculos respiratórios. Ocorrência – mais comum no Japão que registrou de 1974 a 1983 646 casos de envenenamento por baiacu com 179 casos fatais. Estima-se que são vítimas do veneno, em regiões onde essa prática é mais comum, cerca de 200 pessoas por ano com 50% de mortes. Há registros de casos por ingestão de baiacu provenientes do Oceano Atlântico, Golfo do México e Golfo da Califórnia.  

Também foram relatados casos não confirmados com ingestão de espécies provenientes do Atlântico - Spheroides maculatus; contudo, a toxina extraída desse peixe foi altamente tóxica para ratos. Uma espécie de molusco – Charonia sauliae tem sido implicada também em intoxicações, com evidência de que contenha derivados da tetrodoxina. Não há dados no Brasil sobre esse tipo de intoxicação/envenenamento pelo peixe baiacu.    

Período de incubação -  20 minutos a 3 horas, havendo relato de casos com início dos sintomas 2 a 3 minutos após a ingestão.     
Modo de transmissão – ingestão de baiacu e outras espécies que produzem a tetrodoxina.   


Susceptibilidade e resistência – todos os humanos são suscetíveis ao veneno tetrodoxina. Esta toxicose pode ser evitada não se consumindo baiacu ou outras espécies que produzem o veneno. Há várias outras espécies que contém a toxina, mas que não são alvo, felizmente, da culinária. Fugu no Japão é um problema de saúde pública pois faz parte da culinária tradicional. É considerado uma  guloseima preparada e vendida em restaurantes especiais com indivíduos treinados e licenciados capazes de remover cuidadosamente as vísceras para reduzir o perigo de envenenamento. A despeito dos cuidados na preparação, produtos à base de fugu no Japão ainda são responsáveis por casos fatais contabilizando-se cerca de 50 mortes anuais. A importação desse peixe é proibida em alguns países, como os EEUU, com especial exceção para os restaurantes japoneses. Entretanto, um potencial perigo permanece em relação a possíveis erros em seu preparo.

Conduta médica e diagnóstico – o diagnóstico presuntivo é feito com base no quadro clínico e história de ingestão recente do baiacu/fugu ou similar. É importante estabelecer o diagnóstico diferencial com outras síndromes causadas por toxinas naturais, em especial, as produzidas por frutos do mar, e com outros quadro neurológicos, dentre eles, o botulismo.

Tratamento – o tratamento consiste em suporte ventilatório e monitoramento das condições vitais. Lavagem gástrica precoce e manutenção da pressão sangüínea são indicadas. Não há antitoxina específica.  


 

Tetrodotoxina e os Zumbis

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Uma das armas químicas mais fortes é produzida por peixes e anfíbios. Apenas 1 mg é capaz de matar um homem adulto em poucos minutos. O Fugu, um dos melhores pratos da culinária oriental, pode conter uma pitada letal.

Tetrodotoxina (TTX) é o nome de uma toxina presente nos Tetraodontiformes, uma classe de peixes que possuem 4 dentes proeminentes (de tetras, 4 e odontos, dentes). Esta toxina, uma aminoperhidroquinazolina, está presente, também, em outros peixes: é produzida por determinadas bactérias que habitam os tecidos de criaturas marinhas. Alguns anfíbios, como o sapo dourado, também produzem esta toxina.

Um prato japonês muito apreciado é o Fugu: um peixe da ordem dos Tetraodontiformes. Mas nem todos estão aptos a preparar um prato a base de Fugu: somente chefs licenciados estão autorizados a preparar este alimento; eles devem remover, cuidadosamente, as vísceras dos peixes, especialmente o fígado e as glândulas onde a concentração de Tetrodotoxina é mais alta. Além de ser um prato muito caro, o Fugu pode ser um prato extremamente perigoso, quando preparado por mãos erradas.

A TTX é um dos mais fortes venenos conhecidos: 10 mil vezes mais forte do que o cianeto! Seus efeitos tóxicos começam com uma dormência dos lábios e língua. Dependendo da dose ingerida (a LD-50 é 1mg), um efeito paralítico progressivo afeta todos os movimentos musculares, incluindo o diafragma. Muitas vítimas morrem em menos de 2 horas após a ingestão. Não existe antídoto: cerca de 50% dos intoxicados morrem. A cada ano, cerca de 100 japoneses sucumbem devido à presença de tetrodotoxina residual no fugu.

A tetrodotoxina inibe a função nervosa bloqueando a passagem de íons sódio através dos canais iônicos nos nervos - impedindo a propagação do sinal nervoso. A tetrodotoxina se liga no canal de sódio graças ao seu grupo positivamente carregado guanidínio. O cátion, nesta molécula, é especialmente estável devido à ressonância entre os 3 átomos de nitrogênio. O resto da molécula confere estabilidade ao complexo "tetrodotoxina-canal iônico". Esta classe de peixes possuem uma mudança sutil nos amino ácidos da proteína de seus canais de sódio, protegendo-os de seu próprio veneno.

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Tetrodotoxina é também o principal ingrediente utilizado por "mestres"de Voodoo, no Haiti, para criar "Zumbis". Em 1982, Wade Davis, um estudante da Harvard em etnobotânica, estava investigando um estranho caso de um homem que dizia ser Clarvius Narcisse, um haitiano que havia morrido em 1962. De acordo com este homem, ele havia sido enterrado vivo - apenas paralizado, pela ação de algumas drogas que o mestre de Voodoo havia lhe dado. Davis descobriu que os mestres de Voodoo utilizam um pó tóxico para formar os zumbis. Este pó é feito de vários ingredientes, incluindo pufferfishes (da classe Tetraodontiforme), que contém TTX. Este pó é introduzido diretamente no sangue, através de um corte na pele. O efeito é uma paralisia genérica, que, em muitos casos, se assemelha à morte.



Síntese da TTX

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A estrutura da Tetrodotoxina foi elucidada, simultaneamente, por um grupo norte-americano e outro japonês, em 1964 (Woodward, R. B., Pure Appl. Chem. 1964,9,49; Goto T., Kishi Y et al. Tetrahedron 1965,21,2059; Tsuda, K., Ikuma, S. et al. Chem. Pharm. Bull, 1964, 12,1357).  

A síntese da mistura racêmica de TTX foi obtida por Kishi (um químico, agora, da Harvard), em 1972 (Kishi, Y. et al. J. Am. Chem. Soc. 1972, 94). Até agora, o método de Kishi-Goto é a única rota sintética para o TTX com sucesso. Alguns passos são ilustrados ao lado; a rota completa inclui uma redução de Meerwein-Ponndorf-Verley, uma oxidação com selênio, uma epoxidação, uma cicloadição de Diels-Alder, e outras técnicas.

Davis viajou para o Haiti a pedido do Dr. Nathan S. Kline, que criou a teoria de que uma droga tinha sido a responsável pelas experiências de Narcisse como zumbi. Uma vez que tal droga poderia ser usada medicinalmente, particularmente no campo da anestesiologia, Kline esperava reunir amostras, analisá-las e determinar como elas funcionavam.

Davis observou que os haitianos que acreditavam em zumbis também acreditavam que eles eram criados pela feitiçaria de um sacerdote (e não por um veneno ou uma droga). Segundo a sabedoria local, o sacerdote pega o ti bon ange da vítima, ou seja, a sua alma, para criar o zumbi, mas durante sua pesquisa Davis descobriu que o sacerdote usava pós elaborados, feitos de plantas secas e animais em seus rituais.

Davis reuniu oito amostras desse pó de zumbi em quatro regiões do Haiti. Seus ingredientes não eram idênticos, mas sete das oito amostras tinham quatro ingredientes em comum:

uma ou mais espécies de baiacu, que normalmente contém uma neurotoxina mortal chamada tetrodotoxina;

uma espécie de sapo boi (Bufo marinus) haitiano, que produz inúmeras substâncias tóxicas;

um sapo de hyla (Osteopilus dominicensis), que produz uma substância irritante, porém não mortal;

restos humanos.

Além disso, os pós tinham outros ingredientes de plantas e animais, como lagartixas e aranhas, que poderiam irritar a pele. Alguns deles tinham até vidro triturado.

O uso do peixe-bola intrigou Davis. A tetrodotoxina provoca paralisia e morte, e as vítimas de envenenamento por tetrodotoxina normalmente ficam conscientes até poucos instantes antes de morrer. A paralisia os impede de reagir a estímulos, bem parecido com o que Clairvius Narcisse descreveu sobre sua própria morte. Os médicos também documentaram casos nos quais as pessoas ingeriram tetrodotoxina e aparentavam estar mortas, mas se recuperaram completamente.

De acordo com a teoria de Davis, o pó, aplicado topicamente, irritava e rachava a pele da vítima. A tetrodotoxina poderia então passar para a corrente sangüínea, paralisando a vítima e causando sua morte aparente. A família enterraria a vítima e o sacerdote retiraria o corpo do túmulo. Se tudo corresse bem, acabaria o efeito do veneno e a vítima acreditaria ser um zumbi.

Embora a teoria de Davis tenha potencial, ela apresenta algumas falhas.



Fonte: Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo – SES/SP . Centro de Vigilância Epidemiológica – CVE
http://www.qmc.ufsc.br
http://pessoas.hsw.uol.com.br