CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Biopirataria - Parte 2

biopir10No caso da patente sobre o processo de fabricação do cupulate, existe o depósito de um pedido de patente em nome da Embrapa junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), órgão responsável pela concessão de Direitos de Propriedade Industrial no Brasil. No campo das patentes, vigora também a questão da anterioridade. No caso do cupulate, ao que parece, não se concretizou a anterioridade da patente da Embrapa. Segundo o presidente da ONG Amazonlink, a Embrapa teria o direito da patente apenas em território brasileiro, pois não teria feito o pedido internacionalmente. "É nesse sentido que a Amazonlink está trabalhando para que o pedido de patente do cupulate, feito pela Asahi Foods, não seja concedido" diz.

Quanto à apropriação de conhecimentos tradicionais, é preciso averiguar se o processo patenteado é idêntico ao processo tradicional existente ou se houve alguma inovação pela Asahi Foods. Caso se confirme a coincidência com o processo tradicional ou a anterioridade da patente da Embrapa, a patente concedida à multinacional também poderá ser contestada, pois ficará demonstrada a falta ou de novidade ou de atividade inventiva por parte da empresa. No entanto, é preciso estar atento aos prazos para essas contestações, tendo em vista que, dependendo da legislação de cada país, existe um tempo a partir do qual esses direitos de propriedade industrial não poderão mais ser contestados.

A advogada conta que, para a prevenção de casos como esses, tem se buscado, nacional e internacionalmente, condicionar a concessão de Direitos de Propriedade Intelectual (industriais ou autorais) à indicação da origem do recurso (material ou imaterial) que originou aquele produto ou processo. Ou seja, o solicitante ficaria obrigado a demonstrar: o local onde aquele recurso foi acessado; a comprovação de que obteve o consentimento prévio e informado do provedor daquele recurso; a garantia de repartição dos benefícios derivados do uso desse recurso. Nesse sentido, o Brasil, juntamente com outros países megadiversos, tem batalhado no âmbito da OMC para modificações no Acordo sobre Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (acordo Trips, sigla em inglês). Além das modificações legais, também é preciso estabelecer sistemas de cooperação entre os escritórios internacionais de patentes e marcas, de forma a oferecer adequadamente informações sobre solicitações que envolvem componentes da biodiversidade ou conhecimentos tradicionais associados.


Biopirataria: o cupuaçu


Por Laura Fernandes Figueira, 2014 - O cupuaçu é o fruto de uma árvore silvestre, o “Cupuaçuzeiro” (Theobroma grandiflorum, Schum), cujo cultivo está disseminado em toda a bacia amazônica e o consumo concentra-se, principalmente, na região Norte do Brasil, embora já venha sendo difundido nas outras regiões brasileiras e até mesmo em outros países.

De origem tupi, seu nome significa “fruto grande” e, como um autêntico fruto silvestre amazônico, dele quase tudo se aproveita: de sua polpa se extrai um néctar que pode ser utilizado na fabricação de biscoitos, bolos, sorvetes, geleias, sucos etc., enquanto sua semente rica em gorduras fornece matéria prima para a produção do “copulate” (alimento semelhante ao chocolate, produzido à base de cacau) e de cosméticos.

Diante do amplo espectro de utilidade, o fruto fora alvo do que podemos caracterizar como biopirataria na primeira década do século. O bombom de cupuaçu, produzido pelos moradores da região do Acre e comercializado na rede de mercado solidário por intermédio de ONGs locais, visando a promoção do desenvolvimento socioambiental da região, teve sua comercialização impedida, diante do registro do nome do fruto como marca pela empresa japonesa “ASAHI FOODS”. Este fato chegou ao conhecimento da ONG AMAZONLINK quando foram enviadas amostras do produto a outra ONG, a alemã Regenwald Institute, a fim de analisar a viabilidade da comercialização dos bombons na Europa.

A ONG alemã, após realizar uma ampla pesquisa de levantamento de marca, solicitou à AMAZONLINK que o nome “Cupuaçu” fosse retirado do rótulo das embalagens, uma vez que tratava-se de marca cujo registro fora requerido nos EUA, Europa e Japão em nome de ASAHI FOODS. Além do requerimento do registro da marca, foram registrados pedidos de patente acerca da produção do copulate, bem como da forma de extração do óleo da semente do fruto. Diante desta situação, caso alguém desejasse exportar copulate, teria de arcar com o pagamento de dez mil dólares americanos por lote do produto, a título de royalties, à empresa japonesa.

Diante do choque provocado pelo conhecimento do fato, a ONG acreana iniciou uma campanha, mobilizando outras ONGs e escritórios de advocacia, além sensibilizar populares através da difusão da campanha na internet a respeito do tema, até então pouquíssimo tratado. A campanha ficou conhecida como “O cupuaçu é nosso!”, em alusão à campanha referente ao petróleo brasileiro do início do século passado e causou grande repercussão nacional.

Em 2004, através da tese de que o nome de origem tupi, tradicionalmente usado para se referir ao fruto tratava-se de nome do produto e não poderia, portanto, ser considerado e registrado como marca, a AMAZONLINK conseguiu, juntamente com a ajuda de seus parceiros na empreitada, cancelar o pedido de registro da marca e da forma de extração do óleo do fruto no Japão.

Somente a partir de então, as autoridades brasileiras às quais deveriam competir a defesa da propriedade intelectual e do conhecimento tradicional nacional, tais como, o Ministério das Relações Exteriores e o Ministério do Meio Ambiente, mobilizaram-se a respeito, divulgando listas com nomes de espécies de plantas brasileiras, a fim de evitar futuras concessões do registro de marca destes. Posteriormente, a própria empresa japonesa cancelou o pedido de registro da marca nos EUA e na Europa.

No entanto, cabe ressaltar que esse precedente não nos protege de sofrer novos abusos, no que tange à apropriação ilegal de patrimônio genético. Isto porque não muito fora feito no sentido de evitar a ocorrência destes casos de biopirataria, uma vez que ônus da prova, nestas situações, sempre recairá sobre o legítimo detentor do conhecimento tradicional que, no caso da população indígena, é hipossuficiente em relação aos escritórios internacionais de Propriedade Intelectual, ainda mais considerando-se a postura passiva das autoridades brasileiras. Isto é, caso não sejam impugnados no prazo de cinco anos, os pedidos de registro de marcas são deferidos, sem que haja qualquer pesquisa prévia, a fim de evitar a concessão do registro de nome como marca, como ocorreu no caso do cupuaçu. Quiçá, o sistema de concessão de marcas seja estruturado assim, em função do interesse comercial de determinados países.

Neste sentido, asseveram Enio Antunes Rezende e Maria Teresa Franco Ribeiro:

“(...) Esse fato releva que o pouco cuidado na definição e regulamentação dos direitos de propriedade intelectual nos países industrializados não é por acaso, mas sim uma estratégia que visa atender aos interesses comerciais desses países, sustentando as ações de inventores- usurpadores.”

Embora o tema da biopirataria ainda seja pouco tratado e difundido tanto doutrinariamente quanto acadêmica e popularmente, o caso pioneiro no cenário contemporâneo serviu para chamar a atenção de todos ao problema. A partir deste caso foram tomadas medidas efetivas no combate à biopirataria, como a edição da Resolução nº 23 de Dezembro de 2006 do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), de 28 de dezembro de 2006, que veio harmonizar a regulamentação do CGEN com a ação do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual - INPI, através da determinação de que a concessão da patente dependerá da observância da legislação de acesso aos recursos genéticos e conhecimento tradicional associado.

Outro legado deste caso fora a criação do projeto “Aldeias Vigilantes”, que teve duração de quatro anos (2003 a 2007) e que contou com o financiamento do Ministério da Justiça e do Ministério do Meio Ambiente. De caráter sócio educativo, o projeto consistiu uma ação de conscientização da população indígena acreana acerca da legislação pertinente ao tema de acesso os recursos genéticos a ao saber tradicional.


E lá se vai nossa riqueza...


Entre os casos históricos de biopirataria no Brasil e que se tornaram mais conhecidos, há situações emblemáticas, como o pau-brasil, a seringueira ou a fruta do bibiri, registrada pelo laboratório canadense Biolink, apesar de usada há gerações como anticoncepcional pelos índios uapixanas, de Rondônia.

O caso mais famoso, porém, é o do professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Sérgio Ferreira, que descobriu no veneno da jararaca uma substância capaz de controlar a pressão arterial. Sem dinheiro para tocar as pesquisas, ele aceitou uma parceria com o laboratório americano Bristol-Myers Squibb. Em troca de recursos, a empresa registrou a patente do princípio ativo Captopril, um mercado que gera US$ 2,5 milhões ao ano em royalties, e o Brasil também tem de pagar.

A sabedoria para entender que determinada planta pode servir para esta ou aquela doença vem do conhecimento tradicional adquirido pelas populações nativas brasileiras, especialmente as indígenas da Amazônia. Há mais de 500 anos eles se tratavam com os princípios que hoje são rotulados e vendidos por fortunas no mundo inteiro.

Segundo pesquisa efetuada pelo Jardim Botânico de Nova York, o conhecimento tradicional aumenta em até 400% a eficiência da seleção de plantas em busca de suas propriedades. Resumindo: os nossos índios pesquisam, testam, e os laboratórios processam e industrializam, ficando com o lucro. Dos 120 componentes ativos isolados das plantas usados pela medicina, 74% apresentam correlação positiva entre o uso terapêutico moderno e tradicional.

Alguns fatos que merecem registro

Pau Brasil

A historia da biopirataria na Amazônia começou logo depois da "descoberta" pelos portugueses em 1500, quando os mesmos roubaram dos povos indígenas da região o segredo de como extrair um pigmento vermelho do pau-brasil. Hoje, a flora e a fauna do Brasil continuam desaparecendo e a madeira que deu ao Brasil seu nome, está sendo preservada apenas em alguns jardins botânicos.

Seringa

Provavelmente o caso mais infame é o do inglês Henry Wickham, que levou em 1876 sementes da árvore da seringueira - uns dizem que as sementes foram escondidas entre folhas de bananeira - rumo a uma nova plantação de Hevea brasiliensis nas colônias Britânicas na Malásia. Após algumas décadas a Malásia tornou-se o principal exportador de látex, arruinando a economia da Amazônia que era baseada principalmente na exploração da borracha. Nesse episódio histórico, Wickham foi armado cavaleiro pelo rei da Inglaterra, George V, porém, foi considerado maldito pelos seringueiros brasileiros que o chamaram "o Executor da Amazônia".

Andiroba

Comercializada na forma de sabonetes medicinais. Seu óleo serve para combater contusões, inchaço nas juntas. Também é usada na fabricação de velas repelentes de insetos, especialmente os mosquitos do gênero Anopheles, transmissores de malária. A Rocher Yves Vegetale registrou nos EUA, Europa e Japão a patente sobre a produção de cosméticos ou remédios que usem o seu extrato.

Ayahuasca

Cipó alucinógeno usado há quatro séculos em cerimônias religiosas de 300 tribos indígenas e em rituais do Santo Daime. Foi patenteado pela empresa americana International Plant Medicine Corp. Posteriormente, a patente foi cancelada. As pesquisas avançam para utilizar o cipó no combate ao câncer.

Bubiri

Suas sementes são usadas há séculos pelos índios wapixana, de Roraima, como anticoncepcional. O laboratório canadense Biolink patenteou o princípio ativo e desenvolve pesquisa com a substância para tratar a Aids.

Copaíba

É uma essência medicinal. O óleo é utilizado como matéria-prima para vernizes, tintas, fixador de perfumes, fabricação de papel. É um excelente anti-inflamatório e cicatrizante. Sua patente foi registrada no Japão.

Crotão

Suas substâncias deram origem a dois medicamentos: Provir e Virend. O primeiro serve contra a diarréia, e o segundo contra o herpes genital, doença que aflige mais de 30 milhões de norte-americanos. Pesquisas ainda em fase de testes apontam para o tratamento da Aids.

Cumaniol

Veneno usado pelos índios da Amazônia na pesca, foi patenteado pelo laboratório Biolink. A substância é um poderoso anestésico e pode ser usado para cirurgia delicadas no coração.

Curare

Mistura de ervas guardada em sigilo pelos índios e usada na ponta das flechas como veneno para imobilizar a presa. Foi patenteado pelos EUA na década de 40 e é usado na produção de relaxante muscular e anestésico cirúrgico.

Jaborandi

Já transformado em remédio - Salegen - pelo laboratório alemão Merk, a planta é o antídoto contra a xerostoma (dificuldade de salivar). Pesquisas do mesmo laboratório, baseadas na cultura indígena e dos caboclos, estão produzindo um remédio contra a calvície.

Jararaca

Pesquisador brasileiro descobriu no veneno da cobra uma substância para controlar a hipertensão. O laboratório Bristol Myers-Squibb financiou a pesquisa e registrou o princípio ativo contra pressão alta, um mercado de US$ 2,5 bilhões. O Brasil paga royalties, como o resto do mundo.

Jenipapo

Usado largamente na indústria de cosméticos. A indústria Aveda Corporation indenizou os índios guarani-kaiowa pela propriedade intelectual.

Quebra-pedra

Usada pelos índios para tratar problemas hepáticos e renais, foi patenteada por uma empresa americana para a fabricação de medicamento para hepatite B.

Sapo-tricolor

O sapo que vive nas árvores da Amazônia possui uma toxina analgésica 200 vezes mais potente do que a morfina. O laboratório americano Abbott sintetizou a substância e vende a droga.

Jararaca-ilhoa

A cobra, que só existe na ilha da Queimada Grande, no litoral Sul de São Paulo, é considerada exótica e desperta interesse em colecionadores do mundo todo pela sua beleza e pelo poder de seu veneno, muito mais letal do que o das outras espécies de jararaca. Há dois anos, alguns exemplares da serpente foram encontrados à venda num mercado de animais em Amsterdã.

O caso do curare merece uma explicação mais detalhada:
O conhecido Curare é uma mistura de várias espécies de plantas que ocorrem na Amazônia. Estas plantas são fervidas, todas juntas, durante três dias, resultando num xarope ou numa massa. São usados cerca de 40 tipos de curare na Amazônia e há a necessidade, às vezes, da substituição de algumas das plantas, pois nem todas crescem no mesmo local.

Usado nas pontas de flechas pelos índios, o curare serve para paralisar a caça ou matar seus inimigos. Causa paralisia dos músculos interferindo na transmissão de impulsos nervosos entre a ação do nervo e o mecanismo da contração muscular, provocando morte por asfixia. Com o auxílio de respiração artificial, a vítima pode se recuperar sem lesões. Os povos indígenas também usam o curare como anti-séptico, diurético, antifebril, e até como tônico.

O conhecimento tradicional sobre essas misturas de ervas foi guardado em sigilo pelos índios durante séculos. Alexander von Humboldt foi o primeiro Europeu, em 1800, a testemunhar e descrever como os ingredientes eram preparados. Mas o curare começaria a ser utilizado como um anestésico apenas em 1942, poucos anos depois que seu ingrediente ativo, o d-tubocurarine foi isolado.

Os princípios ativos mais comuns são os alcalóides curarine e tubocurarine, que se encontram hoje no mercado sob os nomes de Tubarine, Metubine Iodine, Tubadil, Mecostrin e Vectracurium, produzido pela Wellcome, e o Vecuronium, produzido pela Organon. As empresas Wellcome, Abbot e Lilly (EUA) detêm patentes de relaxantes musculares e anestésico cirúrgico com base no curare. Nesse caso também não há repartição de benefícios pelo acesso e uso desse conhecimento tradicional associado à biodiversidade.


Culpados sem crime

biopir9

Por Herton Escobar, 2007 - A biopirataria é como personagem de alguma lenda amazônica. Todo mundo tem medo, mas ninguém conhece a cara do monstro. Há quem diga que ele não existe, ou que não é tão perigoso assim. Mas o temor que espalha é real e tem causado problemas sérios para pesquisadores que tentam trabalhar com a biodiversidade brasileira. Todos viraram suspeitos de querer enriquecer ilicitamente à custa do patrimônio biológico nacional. O governo endureceu as regras e a pesquisa quase parou.

“Passaram uma rasteira na ciência brasileira”, diz o pesquisador Miguel Trefaut Rodrigues, da Universidade de São Paulo (USP). “No momento de maior avanço da biologia molecular, o Brasil ficou para trás.”

O ponto crítico foi a publicação, em agosto de 2001, da Medida Provisória 2.186, que regulamentou o acesso aos recursos genéticos da biodiversidade nacional. O objetivo era impedir que piratas científico-corporativos pilhassem moléculas da fauna e da flora do País para transformá-las em medicamentos e cosméticos no exterior. Mas o que se criou foi um monstro burocrático que até hoje a comunidade científica luta para exterminar. O governo reconhece os problemas e promete substituir a MP, mas o projeto está parado por causa de discórdias ministeriais. A dificuldade começa quando se tenta definir biopirataria. Legalmente, o termo biopirataria não existe. O que há são crimes ambientais e crimes contra a propriedade intelectual. Alguns consideram biopirataria o tráfico de animais; outros acham que só o termo se aplica ao uso de genes e moléculas para pesquisa. Nos últimos anos, qualquer atividade suspeita envolvendo plantas e animais virou biopirataria.

Os biopiratas, que sempre agiram à margem da lei, parecem não ter se incomodado com a MP 2.186. Já os cientistas se incomodaram muito. Desde a edição da medida, nenhum pesquisador pode encostar em uma folha ou uma formiga sem autorização por escrito do governo. Trabalhar com a biodiversidade virou atividade suspeita.

“Nos últimos seis anos foi praticamente impossível coletar plantas na Amazônia sem ser chamado de bandido”, diz o cientista britânico Mike Hopkins, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus. Para estrangeiros como ele, a situação é especialmente delicada. A xenofobia ainda é forte na Amazônia. Todo mundo já ouviu alguma história de “gringos” que levaram alguma coisa embora para ganhar dinheiro no exterior.

Cientistas brasileiros relatam o mesmo sentimento de perseguição. “Todo mundo é considerado culpado até que prove o contrário”, diz Carlos Roberto Brandão, do Museu de Zoologia da USP. “Criminalizaram a pesquisa.” Revoltados, muitos cientistas continuaram a trabalhar à revelia da lei, sem esperar pelas autorizações do Ibama ou do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), órgão criado pela MP 2.186. “Se a lei fosse aplicada tal como está escrita, todo mundo nesse departamento seria preso”, confessa George Shepherd, botânico da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

É difícil achar um único caso comprovado de biopirataria. O mais famoso entre os que se aproximam disso é o do veneno da jararaca, que virou remédio contra a hipertensão. A história é verdadeira, mas a interpretação que se faz dela é freqüentemente equivocada. O princípio ativo foi identificado no Brasil nos anos 60, com base no veneno de uma espécie da mata atlântica (Bothrops jararaca), mas não havia laboratório no País capacitado para levar as pesquisas além do ambiente acadêmico. O trabalho foi publicado e as informações (então públicas) foram aproveitadas pelo laboratório Squibb para criar o Captopril, uma droga contra a hipertensão que deu lucros milionários.

“Ninguém roubou nada do Brasil”, diz o médico Sérgio Henrique Ferreira, do Departamento de Farmacologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP, que fez a descoberta. “O que aconteceu não foi biopirataria, foi bioestupidez”, completa, referindo-se à incapacidade do País de capitalizar sobre sua biodiversidade. Se o Squibb não tivesse levado a pesquisa adiante, talvez a fórmula do Captopril estivesse até hoje mofando em uma gaveta de universidade.

Há muitos exemplos semelhantes. O site da ONG Amazonlink identifica várias patentes e marcas que foram depositadas no exterior sobre espécies da Amazônia, como o cupuaçu, a andiroba e a “vacina do sapo” (Phyllomedusa bicolor). Nos rodapés, porém, a organização avisa: “Não sabemos se, ou até que grau, o termo biopirataria se aplica para cada um dos detentores de patentes e marcas aqui mencionados.” A mesma observação se aplica a quase tudo que se fala sobre biopirataria no Brasil. O fato de existir uma patente (nacional ou estrangeira) sobre algum produto da biodiversidade não significa que alguma lei tenha sido violada.

O conceito de biopirataria passou a existir em 1992, com a assinatura da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), da Organização das Nações Unidas. Até então, a biodiversidade era patrimônio da humanidade. A CDB estabeleceu um novo paradigma, dando a cada país soberania sobre suas espécies. Com isso, a biodiversidade ganhou novo valor. Caso semelhante ao do Captopril, hoje, seria inaceitável para o Brasil. O princípio ativo seria patenteado e a venda do medicamento, acompanhada de um contrato de repartição de benefícios com o País.

Ainda que as patentes não sejam criminosas, elas mostram o potencial econômico que existe na biodiversidade. Costuma-se dizer que a cura do câncer está escondida em alguma planta da Amazônia. Talvez. Segundo a especialista Vanderlan Bolzani, do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp), cerca de 60% das drogas anticâncer no mercado são derivadas de algum produto natural. “A natureza produz moléculas fantásticas que servem de inspiração para a indústria farmacêutica”, diz.

Encontrar essas moléculas e transformá-las em um produto, porém, não é nada trivial. Exige muita pesquisa, muita organização e muito investimento de risco. Para cada molécula que chega ao mercado, outras milhares ficam no meio do caminho. “A biodiversidade pode trazer riqueza, isso não é lenda. Mas não é nada que se faça num passe de mágica”, avisa Bolzani. “Tem de beijar muito sapo para achar um príncipe.”

Um levantamento feito com 278 plantas brasileiras pela pesquisadora Adriana Campos Moreira Britto, da Fiocruz, detectou 738 registros de patentes relacionados a 186 espécies. Cerca de 95% são patentes estrangeiras, e quase 90% são de aplicação terapêutica. “Não significa que isso seja biopirataria”, diz a ex-coordenadora de Gestão Tecnológica da Fiocruz e próxima secretária-executiva do CGEN, Maria Celeste Emerick. “O que podemos dizer é que há uma apropriação muito grande do conhecimento sobre a biodiversidade brasileira no exterior. O dinheiro está circulando lá fora, não aqui.”

A Amazônia ainda não rendeu nenhuma droga ao Brasil, apesar de ser usada como farmácia há séculos pelos índios. O primeiro medicamento 100% nacional vem de uma espécie da mata atlântica: o Acheflan, um antiinflamatório baseado no extrato da planta Cordia verbenacea. Já na área de cosméticos, a Amazônia virou grife. O mercado está repleto de xampus e cremes com a marca da floresta. “Se a valorização da Amazônia for vinculada só à descoberta de drogas, é grande a probabilidade de que seja uma expectativa frustrada”, diz o ex-secretário-executivo do CGEN, Eduardo Vélez. Segundo ele, há um universo de matérias-primas e derivados, como óleos, fibras e suplementos alimentares que não são produtos milionários, mas geram renda da mesma forma. “Não é a cura do câncer, mas é um monte de produtos que, juntos, representam um capital enorme”, diz. Para os cientistas, a valorização da biodiversidade torna a legislação ainda mais contraditória. A melhor arma contra a biopirataria, dizem, é o conhecimento, é fazer as pesquisas aqui antes que elas sejam feitas lá fora. Cerca de 90% das espécies da Amazônia continuam desconhecidas. A pergunta que os pesquisadores fazem é: se o Brasil nem sabe o que tem na floresta, como vai saber se alguém tirou alguma coisa de lá?


Fonte: https://pt.wikipedia.org
http://ambientes.ambientebrasil.com.br/
Yahoo
http://www.plenarinho.gov.br
Manual do Educador – Projeto Escola Legal
http://apublica.org/
http://www.comciencia.br/
http://jus.com.br
www.biopirataria.org
http://www.rain-tree.com