CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Geólogo descobre rio de água fervente na Amazônia: "único"

rifer topo17/02/2016 - O peruano Andrés Ruzo sempre pensou que a existência de um rio fervente na Amazônia não passasse de uma lenda. Mas seu trabalho como geólogo - com uma bolsa da sociedade National Geographic - o levou a conhecer de fato essa maravilha natural peruana, aonde ele "gostaria de levar todas as crianças do mundo para que vejam o quão maravilhoso é nosso planeta". Agora, ele lança um livro, "The Boiling River" (O rio fervente, em inglês), assim como um site de mesmo nome, em inglês e espanhol, em que conta a fascinante história sobre esse lugar único cujo nome indígena significa "fervido com o calor do sol".


Leia a seguir o relato dado pelo jovem cientista à BBC Mundo :

rifer 4


"Quando era criança, em Lima, meu avô me contou uma lenda da conquista do Peru pela Espanha. Atahualpa, imperador dos incas, havia sido capturado e aniquilado. Francisco Pizarro e seus conquistadores haviam enriquecido, e as histórias sobre sua conquista haviam chegado à Espanha, produzindo novas ondas (migratórias) de espanhóis, ávidos por ouro e glória.

Eles iam aos povoados e perguntavam aos incas: 'Onde há outra civilização que podemos conquistar? Onde há mais ouro?'. Os incas, para vingarem-se, respondiam: 'Vão à Amazônia. Lá, encontrarão todo o ouro que quiserem. De fato, há uma cidade chamada Paititi - El Dorado, em espanhol - toda feita em ouro'.

Os espanhóis foram para a selva, mas os poucos que voltaram contavam histórias de poderosos xamãs, de guerreiros com flechas envenenadas, de árvores tão altas que tapavam o sol, de aranhas que comiam pássaros, cobras que comiam homens inteiros e de um rio que fervia.

Tudo isso virou uma memória de infância - e os anos se passaram.

Enquanto trabalhava em seu doutorado, tratando de entender o potencial da energia geotérmica do Peru, lembrei-me desta lenda e me perguntei: Será que o rio fervente existe?

Perguntei a colegas da universidade, ao governo, a companhias de petróleo, gás e mineração, e a resposta sempre foi um unânime 'não'.

E faz sentido. É que, ainda que existam rios ferventes no mundo, geralmente estão associados a vulcões. É necessária uma fonte poderosa de calor para produzir uma manifestação geotérmica tão grande.

Mas não há vulcões na Amazônia, nem na maior parte do Peru. Consequentemente, não deveria haver um rio fervente ali.

Quando estava contando essa mesma história em um jantar de família, minha tia me disse: 'Não, Andrés, já estive lá. Eu me banhei neste rio'.

E meu tio me confirmou: 'Não é mentira. Só é possível nadar nele depois de uma chuva forte, e está protegido por um poderoso xamã'.

Apesar do meu ceticismo científico, terminei entrando na selva, guiado pela minha tia, a mais de 700 km do centro vulcânico mais próximo e, honestamente, preparando-me mentalmente para ver a lendária 'corrente quente da Amazônia'.

E então... escutei algo. Um som de ondas que ficava cada vez mais forte conforme nos aproximávamos. Soava como as ondas do mar se quebrando e, ao chegar perto, vi um vapor elevando-se entre as árvores. Em seguida, me deparei com esta cena:

rifer cena

Saquei imediatamente meu termômetro, e a temperatura média da água do rio era de 86ºC... não precisamente os 100ºC do ponto de ebulição, mas suficientemente próximo. O rio corria quente e rapidamente. E isso era estranho...

O aprendiz do xamã me levou rio acima a um lugar mais sagrado. Começa como um córrego frio. Logo, em um local chamado de Yacumama, nome da mãe das águas - o espírito de uma serpente gigante que dá à luz água fria e quente -, está a corrente quente que se mistura com a fria, dando vida a suas lendas.

Na manhã seguinte, acordei e pedi um chá. Entregaram-me um saco de chá e uma xícara com água do rio. Para minha surpresa, era limpa e seu sabor, agradável, algo pouco comum nos sistemas geotérmicos.

O assombroso é que os locais conheciam este lugar desde sempre e que eu não era de forma alguma o primeiro forasteiro a vê-lo. O rio é simplesmente parte de seu cotidiano. Tomam sua água, aproveitam seu vapor, cozinham, se limpam e até tomam seus remédios com ele.

Quando conheci o xamã, ele me pareceu ser uma extensão do rio e da selva. Perguntou-me qual eram minhas intenções e escutou-me com atenção. Logo, para meu grande alívio, um sorriso começou a se desenhar no seu rosto, e ele simplesmente riu.

Recebi sua bênção para estudar o rio com a condição de que, depois de analisar as amostras em meu laboratório, as jogasse na terra, onde quiser que estivesse, para que as águas pudessem encontrar seu caminho de volta para seu lar.

rifer 2

O nome indígena do rio, Shanay-timpishka, significa 'fervido com o calor do sol', o que indica que não sou o primeiro a me perguntar por que o rio ferve e mostra que a humanidade sempre busca explicar o mundo que nos rodeia. Então, por que ele ferve?

Assim como nós temos sangue quente correndo por nossas veias e artérias, a Terra tem água quente correndo por suas rachaduras e falhas. Quando chegam à superfície, produzem manifestações geotérmicas: torres de vapor, águas termais ou, neste caso, um rio fervente.

O que realmente é incrível, no entanto, é a escala do local. O rio flui quente por 6,24 km e, ao longo da maioria desse percurso, é mais largo que uma rodovia. Tem piscinas termais e cascatas de mais de seis metros de altura... tudo com água quase fervendo.

Quando mapeamos as temperaturas ao longo do rio, surgiu uma tendência curiosa. O rio começa frio, depois esquenta, volta a esfriar e esquenta novamente, daí sua temperatura baixa mais uma vez e sobe de novo, e finalmente começa a cair até desembocar em outro rio.

O número mágico é 47... porque, a 47ºC, (o calor) começa a machucar, e sei disso por experiência própria. Acima desta temperatura, é preciso tomar cuidado, pois pode ser mortal.

Vi todo tipo de animal cair nele, e o que mais me impressiona é que o processo é sempre muito parecido. Primeiro, perdem os olhos, que, aparentemente, cozinham muito rápido, adquirindo uma cor esbranquiçada.

A corrente os vai levando, e eles tentam nadar para sair do rio, mas sua carne está cozinhando, pois é muito quente. Assim, vão perdendo as forças até que, finalmente, chega o momento em que a água quente entra na sua boca e os cozinha por dentro. Um pouco sádico, não?

rifer 3

De novo, suas temperaturas são o mais impressionante. São similares à de outros vulcões que vi no mundo todo, inclusive de supervulcões, como Yellowstone.

A questão é que essa informação nos mostra que um rio fervente pode existir independentemente de vulcões. Sua origem não é ligada ao magma. Como isso é possível?

Por anos, tenho questionado especialistas em geotermia e vulcanólogos e ainda não consegui encontrar um sistema geotérmico não-vulcânico dessa magnitude.

É algo único. É especial em escala global. De onde vem seu calor?

Ainda será preciso investigar muito para entender melhor, mas, segundo a informação que coletamos, parece ser resultado de um grande sistema hidrotérmico.

A água pode vir das geleiras dos Andes e, após ser filtrada nas profundezas da Terra, brota fervendo, aquecida pelo gradiente geotérmico, tudo graças a uma situação geológica única.

Trabalhando com meus colegas Spencer Wells, da National Geographic, e Jon Eisen, da Universidade da Califórnia, sequenciamos geneticamente os organismos extremófilos, que sobrevivem ou requerem condições geoquímicas extremas, dentro e ao redor do rio e encontramos novas espécies.

No entanto, apesar de tantos estudos e todas descobertas e lendas, ficam as perguntas: Qual é o significado do rio fervente? Qual é a transcendência dessa nuvem estacionária que flutua sobre este pedaço da selva? Qual é a importância de um detalhe em uma lenda da infância?

Para o xamã e sua comunidade, é um lugar sagrado. Para mim, como geocientista, é um fenômeno único. Mas, para os lenhadores ilegais e pecuaristas, é apenas outro recurso a ser explorado. E, para o governo peruano, é outro território desprotegido, pronto para ser desenvolvido.

Minha meta é garantir que quem controle esta terra compreenda o significado e a singularidade do rio fervente. Porque disso se trata, de significado. E nós definimos o significado. Temos esse poder.

Somos nós que traçamos a linha entre o sagrado e o trivial. E, nesta época em que tudo parece estar mapeado, medido e estudado, nesta era da informação, os recordo que as descobertas não só se fazem no vazio negro do desconhecido, mas também em meio ao ruído branco gerado pela imensa quantidade de dados. Há muito a se explorar. Vivemos em um mundo incrível. Então, seja curioso."


Cientistas descobrem e estudam rio com ebulição misteriosa que era citado em antiga lenda amazônica

rifer 5


Durante séculos, uma lenda peruana conta sobre um rio na Amazônia que queima de forma tão intensa que pode matar. Segundo a lenda, conquistadores espanhóis teriam se arriscado na floresta em busca de ouro, mas quando – poucos – os homens retornaram, contaram histórias de uma água envenenada, cobras devoradoras de homens e um rio que borbulhava misteriosamente.

Segundo o geocientista peruano, Andrés Ruzo, o mito o fascinava desde a infância, mas ele nunca pensou que fosse verdade. Quando ele estava completando sua tese de doutorado sobre o potencial de energia geotérmica no Peru, ele começou a questionar se o rio poderia realmente ser real. Quando ele consultou os especialistas, todos foram unânimes ao afirmar que seria impossível, afinal, existem rios quentes, mas eles geralmente estão associados a vulcões – inexistentes na região.

Porém, quando Ruzo foi para casa durante as férias e perguntou à sua família de onde o mito tinha se originado, sua mãe lhe disse que o rio não apenas existe, como também ela e sua tia já haviam nadado nele, no passado. O relatou pareceu um pouco absurdo para ele. Porém, em 2011, Ruzo teve uma chance de procurar o local e explorar a floresta amazônica com sua tia. Foi então que ele viu o famoso e lendário rio com seus próprios olhos. “Quando eu vi o vapor quente, imediatamente peguei o termômetro. A temperatura média registrada no rio foi de 86 ºC. Não é um ponto de fervura, mas definitivamente está muito perto dele. Ou seja, a lenda era real”, disse Ruzo em uma palestra para o TED, feita em 2014.

A parte mais intrigante foi o tamanho do rio. Nascentes de água quente não são incomuns, e piscinas termais chegam a estas temperaturas em outras partes do mundo. Porém, nada chega perto desse rio: com até 25 metros de largura e seis metros de profundidade, sua água quente percorre incríveis 6,24km. O rio está a 700km do sistema vulcânico mais próximo, e a temperatura é simplesmente inexplicável. Ele é o único rio de seu tipo em qualquer lugar do mundo.

Descoberta

Ruzo, então, passou os últimos cinco anos estudando o rio, seu ecossistema circundante e sua água, na esperança de descobrir o que está acontecendo. Ele faz questão de afirmar que não foi o primeiro a descobrir o rio, e tal como sugerido pelo seu nome indígena – Shanay-timpishka, que significa “cozido com o calor do Sol” – ele também não foi o primeiro a se perguntar o que faz dele tão quente. Mas sua pesquisa – apoiada em parte por uma concessão de exploradores da National Geographic – revelou alguns de seus segredos.

O primeiro deles é que seu nome está errado, pois não é o Sol que aquece sua água, e sim nascentes de água quente com falhas. Imagine a Terra como um corpo humano, com linhas de falhas e rachaduras que funcionam através dela como artérias que são preenchidas com água quente. Quando elas vêm à superfície, acontecem manifestações geotérmicas, como o rio fervente.

A análise química revelou que a água do rio originalmente veio da chuva. Ruzo acredita que isso remeta a um local distante – como os Andes – e ao longo do caminho ela escoe por baixo da terra, onde é aquecida por energia geotérmica. No fim do trajeto, ela surge na Amazônia, exatamente no local do rio fervente. Isso significa que o rio é parte de um sistema hidrotérmico enorme, jamais visto em outro lugar do planeta.

O ecossistema do rio

Ruzo tem trabalhado com os biólogos Spencer Wells e Jonathan Eisen para sequenciar os genomas dos micróbios que vivem dentro e ao redor do rio. Eles descobriram novas espécies que são capazes de sobreviver ao calor e também descobriram que o rio pode ser mortal.

A água fica tão quente que, regularmente, os pesquisadores presenciaram animais caindo na água e fervendo lentamente até a morte. “A primeira coisa a ferver são os olhos. No fim, os animais não podem mais nadar, e a água enche a boca ou pulmões, mantando-os de dentro para fora”, explicou ele em sua palestra pelo TED. Sendo assim, as pessoas também não poderiam nadar no rio – como sua mãe alegou – mas quando ocorrem chuvas pesadas, o calor é diluído com água fria.

Resultados da pesquisa

Ruzo continuará estudando o rio e sua fonte, mas, seu foco principal agora é como proteger o rio e o terreno circundante. Embora suas descobertas estejam prontas para publicação, ele está evitando revelar todas, até que o governo peruano garanta que eles vão adotar medidas de conservação adequadas no local. “No meio do meu doutorado, eu percebi que este rio é uma maravilha natural. E ele poderá não ser mais, a menos que façamos algo a respeito”, disse Ruzo em entrevista ao Gizmodo.

Ele acaba de lançar um livro chamado “The Boiling River” (algo como “O Rio em Ebulição”), relatando suas aventuras, e pretende divulgar todos os detalhes sobre seu sistema único, para que as pessoas possam assumir a causa da proteção ambiental do local circundante. “Eu não gosto do conceito de uma pessoa segurar esta responsabilidade. Eu acho que seria melhor a construção de uma comunidade em escala internacional. O planeta está ficando pequeno, e maravilhas naturais como esta são poucas e distantes entre si”, concluiu Ruzo.


Fonte: BBC BRASIL
           http://www.sciencealert.com/
           http://gizmodo.com/