CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Um Assassino Silencioso e Invisível: Polônio

venenopol topoConsidere um veneno com a habilidade de causar a morte de um adulto mediante a administração de somente 1 micrograma. Agravando ainda mais a situação, a quantidade ínfima de 1 grama desse composto seria suficiente para levar a óbito 10 milhões de indivíduos se fosse usado por um terrorista. Embora possa soar incrível, essa substância venenosa existe de forma natural em nosso mundo, e sua descoberta está intrinsecamente ligada à história da radioatividade. No ano de 1898, Marie e Pierre Curie estavam investigando as causas da radioatividade da pechblenda, um mineral abundantemente rico em urânio. Durante seus estudos, o casal notou que, ao separar o urânio e o tório do minério, a pechblenda se tornava ainda mais radioativa. Esse fenômeno os instigou a buscar novos elementos naquela amostra. Foi assim que Marie Curie conseguiu isolar o polônio, um elemento que, posteriormente, recebeu seu nome em homenagem à sua terra natal, a Polônia.

Naquela época, a Polônia ainda não havia conquistado sua independência como nação, e ao nomear o novo elemento dessa maneira, Curie tinha a intenção de chamar a atenção para a crise que a região estava enfrentando. Dessa forma, o polônio foi, possivelmente, o primeiro elemento químico a ser associado a uma situação política por meio de seu batismo. O polônio apresenta características que o tornam altamente adequado para ser empregado em ações de envenenamento. Sua emissão de partículas alfa significa que sua radiação possui um alcance muito limitado, sendo incapaz de penetrar paredes. De fato, a radiação do polônio pode ser bloqueada por algo tão simples como uma folha de papel ou mesmo pela camada de células mortas em nossa pele. Isso confere a esse "veneno" a capacidade de ser facilmente transportado, inclusive em um pequeno recipiente de vidro hermeticamente fechado.

Entretanto, o polônio se torna mortal quando é ingerido ou inalado por seres humanos, pois as partículas radioativas entram em contato direto com os tecidos internos do corpo. Apenas 1 micrograma de polônio 210 é suficiente para causar a morte de um indivíduo com um peso de 80 kg. Com 1 grama desse elemento, um indivíduo com intenções maliciosas poderia contaminar aproximadamente 20 milhões de pessoas e resultar na morte de pelo menos metade delas. Consequentemente, o Po 210 se transforma em um veneno ainda mais perigoso, uma vez que, devido à pequena quantidade necessária para ser fatal, passa despercebido pela vítima. Além disso, o polônio 210 é um elemento que se evapora com facilidade, o que torna vantajoso o seu uso na forma de gás para a contaminação de um ambiente.

O fator que nos proporciona maior segurança reside na complexidade envolvida na obtenção do elemento. Estima-se que a produção mundial de polônio 210 não exceda 100 gramas anualmente. Adicionalmente, o polônio possui uma meia-vida muito breve, que dura apenas 138 dias, o que implica na necessidade de obter e empregar o elemento de forma extremamente rápida.

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Intoxicação, sintomas!

Dentro do organismo humano, o polônio possui uma meia-vida de 30 dias. Isso indica que, durante esse intervalo de tempo, metade da quantidade ingerida do elemento é excretada através das fezes e urina da vítima, bem como devido à sua própria atividade radioativa. Os sintomas decorrentes da exposição ao polônio variam de acordo com a quantidade do material com o qual a vítima teve contato, medida em grays (Gy), uma unidade do sistema métrico internacional usada para quantificar a absorção de radiação pela matéria.

  • 100 a 200 cGy: inicialmente, a pessoa não apresenta sintomas evidentes. Entretanto, ao longo dos dias, pode começar a sentir náuseas e fadiga, com possibilidade de ocorrência de vômitos. A morte, caso aconteça, ocorre entre 5 a 6 semanas;

  • 300 cGy: nesse estágio, a vítima também pode experimentar a perda de cabelo e um aumento significativo nas chances de óbito. A partir desse ponto, os sintomas se agravam progressivamente, tornando a morte, que é dolorosa e lenta, cada vez mais provável;

  • 600 cGy: a vítima enfrenta um risco de mortalidade de 90% na ausência de tratamento. As partículas alfa atacam o sistema sanguíneo, afetando a medula óssea e os leucócitos, resultando em hemorragias e infecções. A morte pode ocorrer a partir da quarta semana após a exposição; e

  • 750 cGy e 800 cGy: em casos como esses, a morte é inevitável. A radiação danifica a mucosa do sistema gastrointestinal, levando a graves diarreias, sangramentos, perda de líquidos e um grave desequilíbrio eletrolítico. Nessas circunstâncias, mesmo com tratamento, a pessoa sobrevive por apenas 4 semanas.

Usado até pela KGB

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Em 2006, o elemento polônio ganhou destaque em um episódio de intrigas políticas, desta vez na Rússia, terra natal do ex-espião da KGB Alexander Litvinenko. Litvinenko foi vítima de envenenamento quando se opôs às suas autoridades superiores e fez acusações contra o governo de Vladimir Putin. Apesar da tragédia, o envenenamento de Litvinenko foi considerado o primeiro caso de morte causada pela exposição aguda à radiação alfa. Acredita-se que a quantidade de polônio-210 usada para assassinar o ex-espião tenha sido muito superior à dose letal máxima, levando-o à morte em um período de três semanas.

Litvinenko começou a sentir alguns sintomas no dia do envenenamento, mas sua condição piorou drasticamente cerca de 11 dias depois, e ele chegou a um estado de saúde crítico no 20º dia de hospitalização. Infelizmente, ele faleceu no 23º dia. Pouco antes de sua morte, Litvinenko sofreu um ataque cardíaco, provavelmente causado pelos efeitos do polônio, que já havia danificado seu sistema cardiovascular nesse ponto.

Apesar de ser um elemento perigoso, o polônio está presente em quantidades preocupantes em certos produtos comerciais, como escovas usadas por fotógrafos para eliminar a eletricidade estática durante a limpeza de câmeras fotográficas. Além disso, o polônio é utilizado como fonte de energia termoelétrica em satélites. Esse elemento químico descoberto por Curie também pode ser encontrado em carne de rena, caribu e frutos do mar, como alguns tipos de peixes, algas e mexilhões. Contudo, o maior risco está associado ao consumo de tabaco, que absorve o polônio-210 presente em fertilizantes à base de fosfato por meio de suas raízes.

De acordo com artigos publicados no American Journal of Public Health e no Journal of the Royal Society of Medicine, a indústria do tabaco tentou, em segredo, durante mais de 40 anos, remover o polônio de seus produtos, sem sucesso. Os resultados dessas pesquisas nunca foram divulgados, e a indústria evita abordar esse assunto. Enquanto isso, aproximadamente 11.700 pessoas morrem anualmente devido ao câncer de pulmão causado pela exposição ao polônio-210, conforme reportado pelo jornal The Age. A possibilidade de vermos, um dia, o símbolo de radioatividade estampado nos maços de cigarro permanece incerta.

Química

É viável extrair apenas 0,1 miligrama de polônio a partir de 1 tonelada de pechblenda. O polônio possui 33 isótopos, todos eles radioativos, com massas atômicas variando de 188 a 220 unidades de massa atômica (u). O isótopo mais prevalente é o polônio-210 (210Po), que ocorre naturalmente, mas também pode ser produzido por meio de manipulação em laboratórios e reatores nucleares. Comparado ao rádio, outro elemento radioativo, o polônio-210 emite 5 mil vezes mais partículas alfa, que possuem alta energia e podem causar danos ao material genético das células do corpo humano. Quando comparado ao cianureto, o polônio-210 é 250 mil vezes mais letal.

No entanto, uma pequena quantidade de polônio-210 é naturalmente presente na superfície terrestre, e todos os seres humanos carregam traços desse elemento em seus corpos. Por exemplo, em algumas praias ricas em tório no Brasil, é possível encontrar vestígios de polônio-210 na areia. Em condições normais, não há motivo para preocupação. No entanto, se alguém sentir algo incomum no ambiente, pode ser aconselhável procurar assistência médica, especialmente se tiver trabalhado recentemente como agente secreto para uma organização.

REFERENCIAS:  DW

                         YOUTUBE

                         WIKIPÉDIA

                         TERRA

                         AVENTURAS NA HISTÓRIA