CURIOSIDADES

Finlândia vai testar sistema em que trabalhar é uma escolha

finla topoPor Lúcia Müzell, 20/10/2015 - Se você ganhasse uma renda mínima sem nenhuma contrapartida, ficaria em casa assistindo televisão ou continuaria acordando cedo para ir trabalhar? A Finlândia está disposta a testar a resposta dos seus cidadãos. No ano que vem, o país deve fazer a experiência da renda universal mínima para toda a população, independentemente da situação social ou da idade. A ideia é substituir todas as ajudas financeiras sociais dadas pelo governo por apenas uma, de um valor fixo e igual para todos. O principal objetivo é lutar contra a pobreza – em algumas regiões do país, o desemprego chega à casa de 20% da população ativa. Em segundo lugar, a meta é, curiosamente, diminuir os gastos em programas sociais. Unificando as prestações, a Finlândia espera aperfeiçoar o serviço e reduzir o número de funcionários ...

dedicados a este setor da administração pública. O economista Marc de Basquiat, autor de uma tese sobre o assunto na França, adverte que o projeto de oferecer apenas uma ajuda financeira para os cidadãos é uma ilusão - pelo menos nos países europeus, onde a preocupação social é um valor. “Não se pode pensar que, ao adotar uma renda de base, todas as outras ajudas sociais cessariam. Não é verdade. Os complementos para habitação, por exemplo, continuariam. Da mesma forma, aqueles que contribuíram a vida inteira para aposentadoria vão ter direito a uma renda a mais na velhice”, afirma. “Ou seja, vão continuar existindo ajudas a mais, separadas.”

Definição sobre o valor adequado é essencial

O especialista ressalta que, para dar certo, a experiência deve adotar um valor nem muito elevado, sob o risco de desestimular as pessoas a trabalhar, mas nem baixo demais, que seria ineficaz para tirar os mais carentes da pobreza. Para de Basquiat, a premissa de que o número de desocupados explodiria não passa de um clichê.

“Sempre existiram e sempre existirão pessoas que escolhem viver de uma maneira frugal, com muito pouco dinheiro, e são felizes assim. Não há muitos estudos científicos sobre quantas pessoas se enquadram neste caso”, indica. “Mas as pesquisas já feitas na França, nos Estados Unidos ou no Canadá mostraram que o número daqueles que param completamente de trabalhar é muito marginal. É preciso acabar com a fantasia em torno desse assunto: em regra geral, as pessoas querem se integrar na sociedade e, para isso, elas exercem uma atividade.”

Segundo os especialistas, a renda mínima ideal em um país como a França seria em torno de € 460 (R$ 2.033). O governo da Finlândia avalia adotar um valor entre € 400 (R$ 1.768) e €700 (R$ 3.095). A medida conta com um amplo apoio da população: nas pesquisas mais recentes, 80% dos finlandeses se mostraram favoráveis à iniciativa.

Movimento na Europa

Em toda a Europa, políticos, intelectuais e associações militam por uma renda mínima universal, com o argumento de que liberaria os trabalhadores para fazerem aquilo que realmente gostam. Por trás de justificativas econômicas e sociais, também está uma mudança de concepção sobre quanto, afinal, vale o trabalho, nos moldes conhecidos atualmente.

“O objetivo é dar escolhas para as pessoas, sobre como elas vão trabalhar. Se elas querem trabalhar em tempo integral, em meio período, ou mudar para um trabalho que faça, de fato, sentido para elas”, explica Nicole Teke, coordenadora internacional do Movimento Francês por uma Renda de Base (MFRB). "O mais difícil é mudar a mentalidade das pessoas sobre esse assunto, fazer com que elas percebam que o trabalho pode ter um outro valor. É mais uma questão de mentalidade do que de economia.”

 

Finlândia: Rendimento Básico a desempregados superior a novo salário mínimo português

 

03/01/2017 - A Finlândia tornou-se o primeiro pais da Europa a pagar aos seus desempregados um rendimento básico mensal, no montante de 560 euros, uma experiência social inédita que pretende cortar a burocracia, reduzir a pobreza e fomentar o emprego. Olli Kangas, da agência governamental KELA, que o responsável pelos benefícios sociais do pais, afirmou hoje que a experiência, que começou no dia 1 de janeiro com uma amostra de 9 mil desempregados, vai durar dois anos. 

A experiência faz parte de um conjunto de medidas do governo finlandês, de centro-direita, para baixar os números do desemprego: na Finlândia, país com 5,5 milhões de habitantes, a taxa de desemprego é de 8,1%.

Os escolhidos vão receber 560 euros por mês, sem qualquer condicionalismo a forma como vão gastar. O salário médio mensal no setor privado na Finlândia é de 3500 euros. Kangas acrescentou que a idéia é "abolir o problema do desincentivo" entre desempregados, acrescentando que as pessoas escolhidas iriam continuar a receber 560 euros, mesmo depois de terem emprego. Um desempregado pode recusar um emprego de curta duração ou baixo salário por medo de os seus benefícios financeiros serem reduzidos de forma drástica no contexto do generoso, mas compleso, sistema de segurança social finlandês. 

Ao The Guardian, Olli Kangas explicou ainda que o rendimento básico poderá ser alargado a outros grupos com baixos rendimentos, nomeadamente trabalhadores freelancer, empresários com pequenos negócios e cidadãos que trabalham em part-time.

 

O rendimento básico incondicional na Finlândia: um modelo a seguir?

 

Abril, 2016 - 

O Primeiro-ministro da Finlândia, Juhä Sipilä, defendía-o no seu programa de campanha: o rendimento básico foi plebiscitado durante as últimas eleições legislativas. Num país fortemente afectado pelo desemprego, esta medida encontrou um amplo consenso entre os partidos políticos finlandeses, desde os Verdes até aos do Centro – só os conservadores se opuseram. Então, um rendimento básico vai ser experimentado em algumas regiões do país que são particularmente afectadas pelo desemprego. Cada vez mais de moda, o rendimento básico continua a ser uma real interrogação.

Nas últimaas eleições legislativas finlandesas, no dia 19 de abril de 2015, o rendimento foi plebiscitado pela população finlandesa, quem viu nisso uma maneira de lutar contra a pobreza e a burocracia enquanto que encoraja o espírito empresarial. A instauração de um rendimento básico incondicional responde a uma necessidade cada vez mais partilhada nos países desenvolvidos: entre mundialização e automação do trabalho, o emprego pagado parece cada vez menos garantido para uma parte importante da população. Isso é o caso na Finlândia, com uma taxa de desemprego que atingiu os 9,2% em dezembro de 2015, a mais elevada desde 2003. Então, as pessoas que não poderem trabalhar, ou que não quererem, conservam um rendimento fixo que lhes permite prover às suas necessidades.

A Continuação da História?

A automatização da produção industrial e a diminuição do tempo de trabalho causada pelo rendimento básico não são recentes. Observa-se desde o início do século XIX na Inglaterra com a primeira revolução industrial. Aparecem então máquinas a vapor, máquinas de lavrar, de tricotar… que dão origem a vivas contestações símbolizadas pelo movimento ludista. Os membros clandestinos deste movimento operário britânico lutavam contra a mecanização das suas funções operárias quebrando as máquinas que os substituíram.

Os proprietários consideram a automatização industrial como uma maneira de assegurar uma produtividade elevada e de garantir um custo de exploração baixo ao mesmo tempo. Então, ela prosseguiu ao largo das revoluções industriais sucessivas e chega hoje a uma nova etapa. Com a queda do custo marginal de produção e a possibilidade de produzir por si mesmo seus próprios objetos – com a impressão 3D nomeadamente – o economista Jeremy Corbyn estima que hoje chegamos ao “eclipse do capitalismo”. A reforma finlandesa permite resistir este fenómeno duplo, então é mais uma roda sobressalente do capitalismo do que uma verdadeira revolução social.

Os Benefícios do Rendimento Básico Incondicional

“O rendimento básico incondicional, é para os mandriões que praticam o surf!” Eis, em sintese, o cliché veiculado pelas críticas da medida. No entanto, quem quer que seja que se desbruça sobre as diferentes experimentações já implementadas perceberá a oportunidade que representa. Um rendimento incondicional foi implementado desta maneira na India, em aldeias do distrito de Indore. Os resultados mostraram “um aumento significativo das despesas de alimentação, de medicamentos e de educação, um aumento da poupança e uma redução do endividamento assim como uma melhoria das habitações”.

Além disso, o rendimento básico oferece às pessoas que não trabalham a possibilidade de investir-se em outras atividades associativas, colaborativas, artísticas… É a oportunidade para toda uma parte da população de prolongar os estudos ou ter uma formação para outras profissões. Oferece dessa maneira uma segurança contra o isolamento social que pode ter como origem o desemprego.

Um Rendimento Básico Incondicional? Qual Rendimento Básico Incondicional?

Várias perguntas persistem. Entre estas, a da definição mesma do rendimento na base. Assim, o rendimento finlandês só tem pouco a ver com o que fora implementado no Alaska, indexado no rendimento petróleo, ou com a versão indiana. Milton Friedman, Michel Foucault, Karl Marx, Jean-Jacques Rousseau… todos, tão diferentes que fossem as suas visões, defenderam a idéia de um rendimento básico.

A versão liberal assenta no princípio do imposto negativo. Milton Friedman dizía deste método que estava a mais eficaz porque dava dinheiro miúdo aos indivíduos, os quais saberiam melhor do que niguém o que fazer disso – e sobretudo melhor do que o Estado. Esta versão foi enfraquecida pela crise de 2008, do mesmo modo que as teorias do mercado eficiente de Milton Friedman.

Uma versão mais social do rendimento básico centra-se mais na condição dos indivíduos e nas suas capacidades de enfrentar o desemprego. O rendimento básico não é mais considerado como um instrumento ao serviço do mercado, mas como um remédio contra as suas disfunções. Frente à improbabilidade de uma próxima volta do pleno emprego, permite lutar contra a redução do nível de vida e a violência social e símbólica causada pelo desemprego.

A versão marxista, cerca desta última, evocava o advento de uma sociedade na que o trabalho sería exclusivamente assegurado por máquinas, as únicas que criaram riquezas. Assim, toda a humanidade sairía da condição salarial e as riquezas, criadas mecanicamente, seríam redistribuidas sob a forma de subsídios incondicionáveis.

Rendimento Básico Incondicional ou Diminuição do Tempo de Trabalho?

Que dê dinheiro miúdo aos indivíduos no seu vertente liberal, ou que os proteja dos malefícios do mercado na sua versão marxista, o rendimento básico não resolve de nenhuma maneira o problema primário do emprego. De maneira caricatural, podería-se dizer que contribui para manter um elevado nível de desemprego, criando “gerações de pesssas inativas”.

Além disso e de maneira paradoxal, o rendimento básico podería contribuir para reinforçar as desigualdades socioeconómicas. Com a segurança de obter um subsídio incondicional, há que temer pressões para a baixa dos salários. O projeto finlandês não derroga esta lógica : o governo espera encorajar a população para que aceite mais fácilmente empregos menores e mais precários, em part-time e menos bem pagados. O rendimento básico incondicional corre então o risco de acentuar a relação entre patrões e empregados em detrimento dos últimos.

Além do mais, isto desempenha um papel no aumento da quantidade de moeda em circulação, um dos fatores-chave da última crise. Se tem a virtude de devolver o poder de compra a quêm lhes falta, o rendimento básico inscreve-se numa lógica consumista pouco na linha do outro grande combate do planeta, o da proteção do ambiente. Este parece cada vez mais incompátivel com a ideológia económica dominante que se assenta no crescimento económico.

O rendimento básico oferece uma relativa segurança em frente à extrema pobreza. Mas é prciso que o seu nível esteja em consonância com o custo local de vida. Efetivamente, os diferentes partidos finlandeses têm dificuldades em concordar neste ponto, já que os Verdes preconizavam um subsídio duns 400€ por mês, a Aliança de Esquerda uns 600€ e os liberais entre 800 e 1000€. Por fim, uma revisão do mercado do trabalho que permitiría garantir uma atividade para todos sem no entanto aumentar o número de empregos precários, como se observa no Reino Unido, nem aniquilar qualquer esforço ambiental tornado quimérico pela ideológia do crescimento, parece cada vez mais necessária. Uma redução do tempo de trabalho, ou a instauração dum salário perpétuo e não dum rendimento – o salário ainda se liga a um trabalho mesmo se não é ligado a um emprego – poderíam ir neste sentido.

 

 

Fonte: http://br.rfi.fr/

           http://www.jornaleconomico.sapo.pt/

           http://www.dn.pt/

           http://www.lejournalinternational.fr/