Júlia Priolli - Quando Florentino Ariza propôs o matrimônio a Fermina Daza, ambos protagonistas de O Amor nos Tempos do Cólera, de Gabriel García Márquez, 50 anos antes de eles finalmente concretizarem o amor carnal, ela aceitou, com uma condição: “Nunca me obrigue a comer berinjela”. Mas eles nunca se casaram. Fermina acabou se tornando esposa do doutor Juvenal Urbino, a quem não tinha certeza de amar, apesar de não conceber a idéia de um marido melhor. Fermina resignou-se a ser feliz com o amor que tinha num jantar de gala em que, sem perceber, comeu dois pratos de purê de berinjela. Quando descobriu que saboreava o abominado legume, algo mudou dentro dela. Se podia desfrutar da berinjela, podia desfrutar de qualquer outra coisa, pensou.Essa historinha mostra que é possível vencer a resistência a certos alimentos descobrindo- os em novos formatos. Muitas vezes, abominamos alguma comida simplesmente por não gostarmos do aspecto, da cor, da ...
consistência ou da textura sem saber que, no fundo, nem é o sabor que nos incomoda. Acontece que um alimento odiado, bem disfarçado e apresentado de outra maneira, pode se transformar em algo bem apetitoso. Pois, como a própria Fermina percebeu, purê de berinjela pode ser bem mais gostoso do que a berinjela cozida, por exemplo.
Cada um tem um jeito de ser e de gostar ou não do sabor das coisas – o problema são os preconceitos a certos alimentos
Pois é, todos nós temos nossas idiossincrasias. Essa palavra esquisita quer dizer no dicionário Houaiss “predisposição particular do organismo que faz com que cada indivíduo reaja de maneira pessoal à influência de agente externos, como alimentos e medicamentos”. Por isso, quando uma comida nos parece intragável, não se trata de frescura, como dizem as más línguas. É que cada um tem um jeito de ser e de gostar ou não do sabor das coisas. Mas a verdade é que, além de nossas idiossincrasias, temos também uma série de preconceitos, principalmente com frutas, legumes e verduras.
E as crianças são as campeãs no quesito “não comi e não gostei”. Para o desespero dos pais, tentar forçar goela abaixo aquele alimento difícil de engolir só prolonga a implicância. As crianças crescem junto com seus preconceitos alimentares, tornando-se adultos que simplesmente não comem isso ou aquilo. Para vencer a resistência, é possível lançar mão de subterfúgios. Jessica Seinfeld, mulher do comediante Jerry Seinfeld, lançou o livro de receitas Deliciosos e Disfarçados – Como Tornar a Alimentação do Seu Filho Saudável sem Que Ele Perceba, que contém vários truques (quase todos à base de purê) para incrementar pratos com legumes e verduras. As receitas são criativas e saudáveis e apresentam alternativas na forma de apresentação dos alimentos, capazes de vencer a resistência dos pequenos. Aos poucos, eles se habituam aos ingredientes antes rejeitados – e é justamente nesse momento em que os alimentos podem ser mostrados tal como são.
A nutricionista Joy Bauwer, que orienta o livro de Jessica, enfatiza a importância de deixar, sempre ao alcance da visão dos pequenos, frutas, legumes e verduras, ainda que não seja para eles comerem. Só o fato de enxergar verduras ajuda na assimilação da idéia de que não se trata de uma comida de outro planeta. A dica é essencial, sobretudo para as famílias urbanas, acostumadas a ver os alimentos embalados e processados.
Crianças adoram passear no carrinho do supermercado, mas é preciso desconstruir a idéia de que os alimentos vêm da gôndola. Afinal, o bife não nasceu numa bandejinha de isopor, nem o pêssego, da lata. O primeiro passo, segundo a nutricionista Ana Carolina Elias de Almeida, é frequentar a feira. Pedaços de frutas são oferecidos, numa degustação divertida e saudável, e as verduras estão ali, lindamente exibidas, para conquistar o comprador. “Isso porque esconder os alimentos é bom até certo ponto. Crianças e adolescentes podem desenvolver uma espécie de trauma quando sentem que foram enganados em sua alimentação, o que só piora a resistência aos alimentos”, diz Ana Carolina.
Mas, nos casos dos adultos, os “escondidinhos” são uma feliz alternativa às formas convencionais de como sempre conceberam os alimentos. E quem nunca gostou da cenoura cortada em rodelas pode acabar se apaixonando por um purê de cenoura. Ou um suco de cenoura. Ou um suflê de cenoura. Por que não?
Gosto de quê? A Organização Mundial da Saúde calcula que 1/3 da população mundial sofra de anemia. No Brasil, 1/3 dos casos de anemia estão na classe média, decorrentes de alimentação inadequada e regime. E a melhor maneira de recuperar o organismo da anemia é por meio de uma dieta rica em ferro. No entanto, o alimento mais rico em ferro é o mais difícil de engolir: fígado. O chef Alan Losic, dono do restaurante Vivenda Mineira, de São Paulo, que é um exímio preparador de carnes, foi incumbido do desafio de preparar fígado sem o gosto de fígado. E não é que Alan conseguiu? “Ao fim de várias tentativas, cheguei a uma farofa temperada com pedacinhos minúsculos de fígado que ficou uma delícia.” A beterraba também é reparadora para os casos de anemia. Para quem não suporta nem o sabor adocicado e muito menos aquele rosa que mancha o resto do prato, lá vai uma dica das merendeiras da Escola Atitude, em São Paulo: macarrão à bolonhesa, preparado com molho de tomate caseiro e beterraba crua. A beterraba é processada junto com o molho de tomate, o alho e as especiarias, ocultando completamente seu sabor e sua coloração. Frutas nos pratos As frutas não precisam ser relegadas exclusivamente ao rol de sobremesas e sucos. Elas rendem excelentes adereços, como a receita de peixe com molho de manga e cupuaçu desenvolvida pela personal chef Renata Leme, que aprendeu vários de seus truques trabalhando em restaurantes conhecidos por dar novo significado a sabores e ingredientes brasileiros, como o restaurante D.O.M., de Alex Atala.
No Brasil, estamos acostumados a comer abacate como sobremesa ou misturado à vitamina de frutas, batidas com leite. E há quem não goste ou resista ao abacate porque as versões brasileiras são adoçadas e engordativas. Mas existem mais formas de desfrutar do abacate do que supõe o paladar tupiniquim. O guacamole, prato mexicano de abacate, tomate, cebola e sal, servido com nachos ou doritos, já está difundido, mas como entrada ou aperitivo de festa. O fato é que, em toda a América hispânica, o abacate acompanha qualquer prato principal, como a farinha na mesa do nordestino e o pão nas famílias italianas. E, por ser bem gorduroso, o abacate é um delicioso substituto para a manteiga e a maionese. Basta amassar um pouquinho, jogar uma pitada de sal e colocar dentro do pão, com queijos e frios.
Já os sucos podem ser um belo disfarce para quem não suporta verdes. O restaurante Alternativa, de São Paulo, tem uma receita de suco de acelga com maçã que não chega nem a ser verde. É doce, saboroso e engana as pessoas que declaram que não comem “plantas”. Já o restaurante Alcaparra tem um suco que não engana ninguém porque chama-se Verdão. É feito de couve, laranja, alface, agrião, hortelã, mel e limão. A cor não engana, mas o sabor não lembra em nada a batelada de verduras que há ali. É uma boa pedida para quem não gosta de verdura no prato, mas está disposto a experimentar variações.
Recheie o recheio O espinafre está entre as verduras mais odiadas pelas crianças e não há desenho do Popeye que as convença de que é gostoso. Afinal, o jeito como ele é comido pelo marinheiro não é lá muito apetitoso: direto da lata e frio, sem um refogadinho sequer. A verdade é que o espinafre, quando refogado com manteiga, cebola e alho, vira um recheio delicioso para uma torta integral. A torta de espinafre é feita com massa de bater no liquidificador. A culinarista Renata Leme ainda agrega ricota e tomate para “colorir o recheio”. E as massas de abrir no rolo de macarrão de quiches e tortas são ideais para disfarçar ovos, ricos em proteínas, mas nem sempre apreciados na sua versão frita.
Fritos ou de forno, vegetarianos ou de carne, os quibes podem esconder um universo de ingredientes em seu recheio. Basta usar a imaginação e ir muito além das convencionais folhas de hortelã.
Com ricota ou queijo cottage, abóbora, mandioquinha ou batata, cenoura, cebola, alho, tomate. Tudo vai bem dentro do quibe. O importante é a ordem: a camada inferior é de carne e trigo, as intermediárias ficam a gosto do freguês e a camada superior é de carne e trigo também.
Os bolinhos são a última variação dos restinhos esquecidos em tupperwares que não combinam com mais nada na casa. Repare: bolinho de bacalhau vem da bacalhoada, bolinho de carne, do picadinho, e o de arroz, como não podia deixar de ser, do arroz que acompanhou o feijão do dia anterior. Quando viram bolinhos, os alimentos ficam irresistíveis: crocantes e douradinhos – mas nem tão saudáveis, por isso a moderação.
Purê de soluções Por fim, os purês, que segundo Jessica Seinfeld, servem para tudo e são a base de todas as suas receitas: purês de batata, mandioquinha, espinafre, brócolis, couve-flor, cenoura, abóbora, tomate, maçã, pera e do que a imaginação alcançar. É possível fazer purê de quase tudo
Até de berinjela, como comprovou Fermina Daza, muito antes da morte de seu esposo e da reconciliação com Florentino Ariza – que esperou, por mais de 50 anos, a oportunidade de declarar que seu amor continuava incondicional. Com mais de 80 anos bem-vividos, Florentino e Fermina consumaram o amor prorrogado dentro de um navio. No dia seguinte, a apaixonada senhora desceu à cozinha do convés e preparou a ceia de todos os tripulantes. Seu amante batizou o prato de Berinjelas ao Amor!
Receitas para disfarçar aqueles alimentos difíceis de engolir: Bolinho de arroz
Torta de espinafre e ricota
Farofa com fígado
Bons hábitos alimentares
Criança adora uma guloseima, mas cuidado para não deixar o seu filho exagerar. Bons hábitos alimentares se aprendem desde cedo e na base da insistência. Ele não aceita a cenoura e faz cara de nojo para a banana? Continue tentando. Ofereça outras opções e lembre-se – é muito mais difícil ensinar um adulto a comer direito!
“O segredo é variar. Se a criança não gosta de maçã, por exemplo, ofereça outra fruta”, ensina a nutricionista Mariana Del Bosco Rodrigues. “Só é problema quando eles não gostam de nada”.
O paladar infantil é muito peculiar. Crianças tendem a preferir os sabores mais primários: ou os muito doces, ou os muito salgados, sem meio-termo. A ciência explica essa predileção. Instintivamente, desde bebês, entendemos o doce como fonte de energia e evitamos o azedo e o amargo como forma de proteção contra alimentos estragados.
Estímulo é tudo!
Com o tempo e, principalmente, com a experimentação, aprendemos a apreciar os sabores mais delicados e ficamos menos tolerantes ao excesso de sal e açúcar. Mas o contrário também acontece. Quando a criança não tem estímulo para testar novas nuances, ela não consegue gostar de nada diferente. Por essa razão, dar o exemplo é fundamental.
“O filho se espelha na alimentação dos pais. Isso é natural”, explica Mariana.
Ou seja, não adianta querer que a criança se alimente bem se no prato dos adultos ela não vê mais arroz, feijão, saladas e carnes magras.
Dieta na infância deve ter frutas, vegetais e leite
Sem comer direito, além de correr o risco de ficar obesa, a criança também pode ficar desnutrida, o que leva a complicações como atraso no crescimento, distúrbios circulatórios e infecções. Para evitá-las, toda criança deve ingerir diariamente carboidratos, proteínas, vitaminas, minerais e até gorduras em quantidades adequadas.
“A dieta na infância deve ter frutas três vezes ao dia, vegetais no almoço e no jantar e derivados de leite”, afirma Mariana.
Para treinar o paladar dos filhos, vale até “disfarçar” aqueles alimentos menos simpáticos em suflês, tortas ou sopas - e depois, com muito tato, revelar os ingredientes da receita. E é fundamental condicionar a criança a comer o que está servido na mesa. Nada de ceder a chantagens para fazer com que o seu filho coma.
“Deve-se criar um ambiente de comida saudável e deixar as guloseimas para as festas e fins de semana”, ensina a nutricionista. “No fim, a família inteira acaba passando por uma reeducação alimentar”.
Bom para todo mundo!
Fonte: http://vidasimples.abril.com.br/
http://www.unilever.com.br/