HISTÓRIA E CULTURA

A comunidade do interior de SP que celebra um símbolo do racismo dos EUA

confebra1O culto à supremacia branca e a movimentos conservadores dos Estados Unidos não é um fenômeno novo no Brasil. Nas cidades de Americana e Santa Bárbara d’Oeste, localizadas no interior de São Paulo, celebrações à bandeira dos confederados — defensores da escravidão no sul dos EUA durante a Guerra Civil Americana — ainda acontecem. Parte da história de fundação da região, descendentes de veteranos dos combates ainda homenageiam o passado de fundo racista dos membros da Confederação que buscaram abrigo em terras brasileiras após a derrota na América do Norte.

Território para onde sulistas sobreviventes dos EUA buscaram construir novas vidas no século 19, o Brasil ainda não havia abolido a escravidão quando a Guerra de Secessão teve fim, em 1865. Ao chegarem na região onde hoje se encontram Americana e Santa Bárbara d’Oeste, os veteranos estabeleceram família e deram origem a descendentes que habitam a o local e seguem honrando a memória familiar com símbolos e festividades. Como conta a reportagem do jornal “The Washington Post“, a bandeira dos confederados enfeita mastros, casas, túmulos e diversos estabelecimentos de ambos os municípios. Contudo, devido a protestos mundiais relacionados ao movimento Black Lives Matter e outros acontecimentos de 2020 que expuseram o racismo estrutural responsável por manter impune o genocídio cotidiano de populações negras em todo o mundo, alguns descendentes dos confederados começaram a questionar a manutenção de determinadas homenagens e exaltações no Brasil.

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“Minha mente se abriu para as perguntas”, diz Marina Lee Colbachini, de 35 anos, em entrevista ao “Washington Post”. Moradora da região e descendente do membro da Confederação Gen. Robert E. Lee, ela participava do festival anual que homenageava os ex-combatentes, mas decidiu não ir mais. “Representa as tradições da minha família, mas no mundo inteiro, nos Estados Unidos, eles sabem o que isso também representa.” Ainda segundo a reportagem, o debate fervilha há anos. De um lado, a Fraternidade de Descendentes Americanos, o grupo que promove a festa anual, atende ao cemitério dos confederados e promove uma ortodoxia remanescente dos mais ardentes apologistas da Confederação. De outro, a União Negra para a Igualdade (UNEGRO), que lidera uma acusação da comunidade para banir o festival da bandeira, considerada por muitos como um símbolo de ódio e repressão.

Conhecido como um dos episódios menos contados da história, o êxodo dos confederados para o Brasil se deu, principalmente, porque aqui eles poderiam continuar a vida sob um regime escravocrata, facilitado pelo então imperador Dom Pedro II.

 

Festa Confederada: evento mantém viva a história dos americanos

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21/04/2018 - “Old times that are not forgotten” (velhos tempos que não são esquecidos) é o lema da 30ª edição da Festa Confederada de Santa Bárbara d’Oeste. O evento, que recebe atenção da mídia mundial, tenta manter viva a memória dos ancestrais americanos, que tinham no Cemitério do Campo o seu ponto de encontro mensal. A festa acontece dia 29 de abril, a partir das 10h, e os ingressos já podem ser adquiridos com antecedência. “A Festa Confederada é um dos maiores eventos culturais da cidade, sendo o único evento do município incluído no calendário oficial do Estado de São Paulo. Visa o congraçamento dos descendentes, seus familiares e amigos, e também a angariação de fundos para a preservação do Cemitério e suas dependências”, disse Léo Padoveze.

Durante o evento há a apresentação das bandeiras confederadas, danças típicas e relatos das histórias dos sulistas. Realizada pela Fraternidade Descendência Americana, a festa já contou até com a presença de Jimmy Carter, ex-presidente dos Estados Unidos. Ele visitou o cemitério no período em que era governador do estado da Georgia, no início dos anos 1970. O cemitério foi fundado em 1868 onde estão enterrados os primeiros imigrantes, tratados como heróis nas homenagens em inglês nas lápides. A festa que acontece no local tem o intuito de mantê-lo preservado cobrindo os custos de manutenção e também celebra a confraternização dos descendentes.

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A FDA conta que o Coronel Asa Thompson Oliver comprou uma fazenda nas terras do município até a mata que se estendia no local. Após sua chegada, sua esposa Beatrice Oliver falece exaurida pela viagem e pela guerra em 13 de julho de 1867. Seguindo um costume sulista o Cel. Oliver enterra sua esposa em suas terras, cercando o local para que os animais não pisoteassem o túmulo. Na época em que os primeiros imigrantes chegaram no Brasil (época do império), não havia separação entre estado e igreja. Os cemitérios da época pertenciam à igreja católica, e não à municipalidade como hoje em dia. Então até a chegada dos americanos não havia duvida de quem poderia ou não ser sepultado nos cemitérios, pois todos eram católicos. Sem opção, a medida que outros morriam, suas famílias pediram para que o Cel. Oliver permitisse que seus mortos fossem enterrados em suas terras, ao lado de sua família. O Cel. Oliver então destinou 1 hectare de suas terras para o sepultamento da comunidade confederada.

Após a morte do Cel. Oliver, suas terras foram vendidas para a família Bookwalter, com a única condição de que o cemitério fosse preservado. Desde 1871 havia a intenção de se construir uma capela no cemitério. Porém só em 1878 este velho sonho da comunidade foi realizado com a inauguração do primeiro templo que atendia as três denominações protestantes: Presbiteriana, Batista e Metodista. O solo do Campo era instável e a capela teve que ser reconstruída várias vezes. A primeira capela de tijolos foi construída em 1903. A construção atual data de 1962. Dessa onda de imigração, que deve ter chegado a 9 mil pessoas, originou-se a comunidade de descendentes dos imigrantes sulistas, conhecidos como “Os Confederados”. Os descendentes estão espalhados por todo o Brasil, mas a maior comunidade, e mais importante, está localizada no estado de São Paulo. Essa comunidade, fundada por sulistas, deu origem à cidade de Americana e sua cidade-mãe, Vila de Santa Bárbara (hoje denominada Santa Bárbara d’Oeste). Ambas a poucos quilômetros de distância, são o centro de gravidade da comunidade de descendentes dos sulistas no Brasil.

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O acordo de se preservar a história e o cemitério foi cumprido a risca por gerações da família Bookwalter, até que em 1954 foi fundada a Fraternidade de Descendência Americana (FDA), para qual foi doado o cemitério, que é mantido por doações dos sócios contribuintes. Até hoje os descendentes dos confederados são ali sepultados somando hoje quase 500 pessoas. Os descendentes reunem-se no Cemitério do Campo todo segundo domingo de cada trimestre (janeiro, abril, julho e outubro), para um culto, discussão de assuntos relacionados à Fraternidade. Cada família traz alimentos e bebidas, e todos se deliciam nesse almoço comunitário, com pratos típicos brasileiros e sulistas.

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Os mais velhos conversam em inglês com sotaque característico do sul do Estados Unidos, enquanto as crianças brincam, falando em português e pouco inglês. Este ano a festa celebra 30 anos e também marca os 150 anos da imigração Norte-Americana. O evento faz parte das comemorações dos 200 anos de Santa Bárbara d’Oeste e tem apoio da Prefeitura.

PROGRAMAÇÃO

A Festa Confederada apresentará neste ano a Orquestra de Violas de Santa Bárbara, Russo Jazz Band, Dan & The Honky Tonkers, Texas Flood e o Folkdanci Group - que completa 25 anos de atividade. Presente também a culinária com forte sabor sulista, o evento reunirá pratos típicos como o tradicional frango frito, biscuit e o Prato Confederado (pernil de porco com barbecue, arroz e vinagrete). A Praça de Alimentação também servirá churrasco, milho verde, hambúrguer, cachorro quente, saladas, pastel, chopp, água, refrigerante, café e doces.

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Os ingressos custam R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia) e podem ser adquiridos no site festaconfederada.com.br ou na portaria do evento. A entrada é gratuita para menores de 12 anos acompanhados do responsável. O Cemitério dos Americanos está localizado à Estrada dos Confederados, em Santa Bárbara d'Oeste, com acesso pela saída 136 da Rodovia Luiz de Queiroz a SP-304.

Fonte: https://www.hypeness.com.br/
           https://diariosbo.com.br/