VERDADES INCONVENIENTES

A Face Oculta da Indústria Farmacêutica - Parte 1

farmaceutica1Por: Sonia Shah - A indústria multinacional farmacêutica gasta quase 40 bilhões de dólares por ano para desenvolver novos medicamentos. Para isso, mobiliza uma crescente parcela dos cientistas mais experientes do mundo e a mais sofisticada tecnologia médica. Com tal investimento maciço ...

poderia se esperar um aumento do número de medicamentos de impacto dirigidos para os flagelados da humanidade.  No entanto, esse ano, só a malária atingirá 500 milhões de pessoas no mundo, e matará cerca de três milhões. Os remédios mais modernos de que os médicos dispõem para tratá-los são anti-diluvianos: um medicamento chinês de mil anos, que substitui uma droga desenvolvida há mais de 50 anos [1]. A indústria famacêutica não desprezou as partes do mundo assoladas por doenças como a malária. Pelo contrário: nunca antes os fabricantes de remédios deram tanta atenção aos pobres do mundo.

Os grandes laboratórios estão realizando milhares de ensaios clínicos nos países em desenvolvimento — Bulgária, Zâmbia, Brasil e Índia, por exemplo. Aninhado contra as favelas enegrecidas de fuligem em Mumbai ergue-se o reluzente prédio branco da Novartis, onde os pesquisadores franzem as sobrancelhas na busca de novas drogas. Ao redor das que se espalham cercando a Cidade do Cabo, ficam os cintilantes laboratórios de teste da Boehringer Ingelheim. Recentemente, a Pfizer, a Glaxosmithline (GSK) e a Astrazeneca instalaram centros globais de testes clínicos na Índia. Ano passado, a GSK realizou mais da metade dos seus testes de drogas novas fora dos mercados ocidentais, escolhendo em particular países de “baixo custo” para os testes “deslocalizados” [2].

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A lógica é bem simples: SAÚDE não é negócio para a industria farmacêutica !!!   Todo o lixo e veneno químico produzido pela industria farmacêutica hoje, como ela é estruturada e guiada, tem invariavelmente milhares de contra indicações, isto é: TRATA DE FORMA SUPERFICIAL E NUNCA DEFINITIVO a doença e ataca outros órgãos e sistemas do corpo....COINCIDÊNCIA?????????

As empresas não estão lá para curar os males dos doentes pobres que fazem fila em suas reluzentes clínicas de pesquisa. Os fabricantes de drogas foram aos países em desenvolvimento para fazer experimentos com as multidões de doentes miseráveis. Utilizam-se deles para produzir os remédios destinados às pessoas cada vez mais saudáveis em outros lugares, em particular ocidentais ricos que sofrem os desgastes da idade, como doenças cardíacas, artrite, hipertensão e osteoporose. Essa tendência — desenvolver drogas para os ricos globais testando-as nos pobres globais — além de não ser um investimento de recursos científicos preciosos, ameaça os direitos humanos e a saúde pública global.

 

Num mercado de bilhões, 100 mil "voluntários" para cada droga


Os Estados Unidos são o maior mercado de remédios do mundo. O norte-americano médio leva para casa dez receitas médicas por ano. Desde 2000, a indústria farmacêutica cresceu 15% por ano, triplicando o lançamento de drogas experimentais entre 1970 e 1990. Isto se deve, em grande parte, a mudanças nos regulamentos dos EUA sobre remédios. Em 1984, a agência norte-americana de medicamentos e alimentação (Food and Drug Administration, FDA) estendeu as patentes dos fabricantes para novas drogas; em 1992, começou a aceitar pagamentos de fabricantes em troca do exame e liberação mais rápida de suas drogas novas e, em 1997, suprimiu as regras que baniam anúncios de televisão para os remédios novos. Essa mudança bastou para trazer uma grande transformação na indústria. Pela primeira vez, permitiu-se aos fabricantes de remédios dirigir as propagandas mais atraentes dos remédios novos diretamente a um grande número de consumidores, sem a mediação cética de um médico.

Há muito dinheiro a ganhar vendendo remédios para norte-americanos: a indústria de medicamentos é uma das mais lucrativas do mundo. O problema é que quanto mais apreciam remédios, menos pessoas estão dispostas a se inscrever nos testes clínicos exigidos para desenvolver os novos. Cada droga nova exige cerca de quatro mil voluntários para os testes clínicos, o que por sua vez significa que 100 mil pessoas têm de ser atraídas para os ensaios iniciais. Por que tantos? Porque não é fácil desenvolver novos remédios para doenças do coração, artrite, hipertensão e outras condições crônicas não contagiosas.

Apesar do máximo esforço da indústria, a maioria das novas drogas destinadas a tratar dessas doenças tem eficácia apenas marginal. Algumas são similares a uma pílula de placebo. “Você sempre tem que batalhar para encontrar uma diferença” entre os pacientes tratados e não-tratados, diz um pesquisador clínico veterano. Não é preciso testar muitos pacientes para provar a eficácia, por exemplo, da insulina para pessoas em coma diabético, porque o efeito da droga é muito visível. Mas provar que drogas de baixa ação, como antialérgicos, medicamentos para o coração ou pílulas antiinflamatórias têm uma eficácia real exige um grande número de pessoas testadas.

A necessidade da indústria encontrar voluntários para experimentos é imensa. Entretanto, pouco mais de um em vinte norte-americanos estão dispostos a participar de testes clínicos. A razão é óbvia. Por que se expor a compostos experimentais, não testados, quando o leque de alternativas comprovadas está ao alcance das mãos?

 

Quanto mais doenças e "eventos", mais fáceis e rápidos os testes


Para resolver o problema, os fabricantes das drogas fazem testes para comparar o efeito dos seus remédios novos com o de um placebo. Basta provar à FDA que um medicamento novo funciona melhor do que nenhum. É um padrão simples que dá um resultado mais claro em menos tempo. O único problema com os testes de placebo é que exigem um número suficiente de pessoas que queiram participar de um experimento em que podem não receber tratamento algum – uma tarefa cada vez mais impossível, especialmente no Ocidente mergulhado em remédios.

Como resultado, 80% dos testes clínicos da indústria farmacêutica falham em cumprir os prazos de recrutamento. Para cada dia de atraso no desenvolvimento de uma droga, as companhias perdem cerca de um milhão de dólares em vendas, enquanto seus concorrentes ganham mercado.


Se as pessoas nos países em desenvolvimento estivessem sofrendo apenas de malária e doença do sono, é claro que não interessaria fazer testes nesses lugares. Mesmo que cada doente de malária tivesse um dólar para gastar com remédios – o que não acontece – esse mercado não seria grande o bastante para deslocar pesquisadores da indústria para laboratórios. Um mercado de 200 milhões de dólares, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) [3], é o mínimo necessário para despertar o interesse da indústria.

Não importa. Atualmente, além de malária e tuberculose, as pessoas dos países em desenvolvimento sofrem das doenças nas quais os fabricantes de drogas dos mercados ocidentais estão mais interessados. De acordo com a OMS, 80% das mortes por doenças crônicas não contagiosas, como males cardíacos e diabetes, agora ocorrem nos países em desenvolvimento. Há mais diabetes tipo II na Índia do que em qualquer outro lugar do mundo. Em alguns lugares da África, uma em cada cinco pessoas sofre de diabetes e 20 milhões de africanos padecem de hipertensão [4].

 

África do Sul: "um país ótimo para a AIDS"...

 


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De acordo com a OMS, as implicações desse fenômeno para a saúde pública “são inquietantes e já estão aparecendo”. Por serem pobres e sofrerem incômodos de saúde mais prementes, poucos pacientes são tratados. Inevitavelmente, sofrem mais complicações do que os pacientes bem tratados do Ocidente. Isto oferece uma oportunidade para os testes industriais. Para provar que um remédio para o coração funciona, por exemplo, é preciso mostrar que quem não toma esse remédio sofre mais “eventos” — sejam ataques cardíacos ou mortes — do que quem toma o remédio. Os testes nos países pobres podem completar-se muito mais depressa. Como observou um executivo de uma companhia de testes clínicos, durante uma conferência sobre a adequação dos países pobres para testes clínicos: “se não houver eventos suficientes, você nunca vai terminar seu teste”. Outro executivo de companhia de testes clínicos afirmou: “A África do Sul é um país ótimo [para AIDS]”, por causa do grande número de pacientes infectados pelo HIV ainda não tratados com drogas anti-virais. Com freqüência os fabricantes de drogas ficam frustrados em suas tentativas de provar que as novas drogas funcionam nos corpos impregnados de medicamentos dos ocidentais testados. Há tantas drogas em seus organismos que é cada vez mais difícil observar o efeito do composto experimental. Assim, os pacientes-virgens – pessoas doentes pobres demais para obter tratamento médico – são altamente valorizados nos testes clínicos.

Mas o grande atrativo para a localização dos testes em países mais pobres é a rapidez. Na indústria farmacêutica de hoje, onde os fabricantes de remédios manobram para ser os primeiros do mercado com a última insulina aspirada ou o novíssimo anti-depressivo, a velocidade é essencial. Nos países ocidentais, recrutar um número suficiente de voluntários para testes pode levar meses e até anos. Nos países em desenvolvimento, o recrutamento é rápido. Na África do Sul, a Quintiles alistou três mil pacientes para testar uma vacina experimental em nove dias. Em doze dias, recrutou 1.388 crianças para outro teste. Além do mais, no Ocidente, de 40 a 60% dos inscritos são instáveis e acabam largando os testes clínicos, incomodados por efeitos colaterais desagradáveis ou pelo inconveniente de se deslocar até a clínica. Em lugares como a Índia, as companhias de testes clínicos dizem que conservam 99,5% dos voluntários inscritos [5].

Não é fácil para os fabricantes de drogas ocidentais levarem seu negócio de testes clínicos para os países pobres. Muitas vezes, eles precisam traduzir documentos, equipar clínicas e hospitais sem recursos, treinar os médicos locais e lidar com uma burocracia estrangeira e freqüentemente corrupta. Mas, apesar desses desafios, para a maior parte dos grandes fabricantes de drogas, realizar os experimentos em países em desenvolvimento tornou-se uma necessidade. Empresas que oferecem consultoria sobre como realizar testes nesses países floresceram, tornando-se uma indústria secundária.

 

Grandes empresas de testes multiplicam filiais no Sul do planeta


As companhias de testes clínicos (também chamadas organizações de contratos de pesquisa, ou CROs) como a Quintiles e a Covance ostentam escritórios e consultórios por toda parte dos países em desenvolvimento. A Quintiles tem clínicas no Chile, México, Brasil, Bulgária, Estônia, Romênia, Croácia, Letônia, África do Sul, Índia, Malásia, Filipinas e Tailândia. A Covance alardeia que pode fazer testes em 25 mil centros médicos, em uma dezena de países. A imprensa comercial da indústria dos testes clínicos exalta-se com entusiásticos artigos como “Sucesso com testes na Polônia” e “Oportunidades de um bilhão de dólares em pesquisa clínica na Índia”. “Descubra a Rússia”, diz uma manchete de uma revista de propaganda, que lembra estranhamente a exuberância de um guia turístico, “para fazer pesquisa clínica”. “Vá esquiar onde existe neve”, recomenda outro anúncio de uma companhia que vende serviços de testes clínicos em países pobres. “E vá fazer testes clínicos onde existem doentes”.

E então, qual é o problema? Os testes clínicos oferecem por toda a parte melhor tratamento do que as clínicas regulares, que fazem os pacientes esperar o dia inteiro em seus consultórios quase vazios. Os pacientes pobres poderiam considerar-se com sorte por participar de testes clínicos – e a alegria com que eles acorrem sugere que sabem disso. Ainda por cima, as clínicas e hospitais nos países pobres têm acesso a tecnologia avançada e freqüentemente capitalizam-se com o novo equipamento que os fabricantes de drogas trazem para que realizem os testes. “Recebemos alguns equipamentos”, lembra um pesquisador clínico da Índia, “e eles não os pediram de volta”.

Ser uma cobaia humana pode ser um papel que os ocidentais não querem mais fazer, mas isso não quer dizer que não é um bom negócio para os pobres. Por que não mandar os testes para lá, do mesmo jeito que mandamos as fábricas tóxicas e as sweatshops? [6] É melhor do que nada. “Disseram [que eu] estava levando vantagem!”, queixou-se um pesquisador industrial criticado por fazer testes em países pobres. “Mas sem o teste, aquelas crianças morreriam!” Na incansável análise custo-benefício tão popular nos Estados Unidos, exportar desagradáveis testes clínicos para países pobres faz sentido. “Acho que em geral é bom para as pessoas participar de testes clínicos”, diz o diretor médico da FDA, Robert Temple. “Metade das pessoas recebe medicamentos ativos e melhor tratamento”, diz ele. “A outra metade...[recebe] melhor tratamento”.

Entretanto, oferecer o corpo à ciência não é o mesmo que dar um dia de trabalho numa fábrica. Mesmo o emprego superexplorado no sweatshop, seja como for, oferece benefícios palpáveis ao indivíduo, ainda que magros: trabalho, um pequeno contracheque. O teste clínico não garante nada. Na escala da comunidade, os pesquisadores podem equilibrar os riscos e benefícios. Mas não há garantia de que um voluntário será mais beneficiado do que prejudicado num experimento (O fato de que existe uma incerteza, naturalmente, é parte da razão pela qual uma experiência é realizada).

PARTE 2