História e Cultura

O Olho de Horus - Com Ombo, O Portal da Liberdade (Episodio 9) - Parte 2

kom_ombo_eNos muros de Kom Ombo ficaram registradas as festividades anuais que se realizavam em todos os templos do Egito, as procissões rituais que levavam as imagens simbólicas pelo rio, de um templo a outro, enquanto o povo, com colares de flores, cantava e dançava. Em seguida, encontramos o corredor das escadas que conduziam ao terraço do templo, num esquema semelhante aos templos de Edfu e Dendera; uma escada em caracol de um lado, e a escada reta rente ao muro, do outro. Dali, chega-se a antecâmara dos dois santuários que tem de cada lado um salão onde eram guardadas as barcas de ouro de Sobek e Horus, usadas pelos sacerdotes para movimentar as imagens simbólicas durantes as procissões das festividades.

Aqui existe um mural em baixo relevo onde aparecem Ptolomeu e sua esposa Cleópatra, na presença de Horus e Sobek. Nessa antecâmara, eram consagradas as oferendas do povo. Diziam que se Deus não fosse alimentado com tais oferendas, sua fonte de energia se esgotaria, sobrevindo o caos. Era uma forma de agradecimento pelo recebido, e de confiança pelo que viria. Chegavam diariamente ao templo pão, cerveja, frutas, vegetais, mel, azeite, perfumes, velas, sal, natrão e tecidos de linho que eram recebidos pelos sacerdotes no salão das oferendas, e a seguir colocavam na antecâmara como uma forma de agradecer a Deus por sua abundancia. O povo contribuía com uma parte da produção das terras que exploravam, propriedade do templo.

O templo dava em troca estabilidade, prosperidade, saúde, alegria, vida e ordem. O sumo sacerdote purificava as cestas de alimentos com incenso e com o símbolo da vida, Huank, marcava a transferência da força divina entre os alimentos e a fonte da vida. Depois de consagradas, as cestas com os alimentos eram levadas ao exterior da casa da vida, ao pátio das galerias, onde eram distribuídas entre os moradores do complexo religioso. Finalmente, no interior do templo, chega-se aos dois santuários onde se encontravam os tronos com as imagens que simbolizavam os dois extremos do caminho do aperfeiçoamento. Os raios de sol ao amanhecer, desterravam a escuridão, permitindo ao sumo sacerdote do misticismo abrir as portas do santuário e queimar incenso em seu interior. Rompia os lacres de óleo das portas do Naus, fazendo surgir o símbolo divino para agachar-se ante ele, e beijar o chão que o sustentava.

 

kom_ombo_local

kom_ombo_local_2

kom_ombo_local_3

kom_ombo_r

 

Do lado de fora, na penumbra do salão das aparições, os discípulos cantavam hinos religiosos e se ungiam com mirra, óleos, linhaça e canela, iniciando a primeira meditação do dia. No interior do templo, os assistentes do sumo sacerdote arrumavam a areia do chão, varrendo as marcas dos pés, fechando atrás de si as portas que desde o salão das escadas levavam a antecâmara, até a manhã seguinte. No centro simbólico das forças opostas, entre os dois santuários, encontram-se os restos de um muro duplo. Em seu interior ficava um espaço secreto. Do lado direito, deste espaço secreto, encontrava-se o santuário da luz, e do lado esquerdo, o da escuridão. De nenhum dos dois santuários podia se saber que existia este lugar entre os muros. Neste espaço, que era mantido cheio de água até o topo, e com acesso no terraço do templo, era onde os iniciados tinham que passar pela prova da morte. Durante meses os iniciados recebiam instruções sobre os quatro medos básicos; o medo de perder, o medo de enfrentar, o medo do abandono e o medo da morte. Compreendiam que o medo produz uma reação psicossomática, uma reação neuro-hormonal automática. Essa reação se manifesta em um tensão, em um aumento da freqüência cardíaca e da respiração. A razão fica bloqueada e surge uma vontade de agredir ou de fugir.

Todas elas reações automáticas, fora de controle, que produzem uma perda da paz interior e da energia vital. Compreendiam que o medo é o resultado de uma mente que sai do tempo presente em direção ao futuro, à um tempo que não existe, para produzir um fato imaginário, onde se perde algo, ou alguém, ou se tem que enfrentar alguma coisa. Aprendiam a disciplinar a mente de forma voluntaria e consciente, guindo-a com pensamentos escolhidos. Aprendiam a mantê-la sempre no tempo presente, o único em que se pode decidir e agir. Treinavam para manter pensamentos de satisfação. Compreendiam que tudo que ocorre é perfeito e necessário para a sua própria evolução, que o que lhes acontece tem relação com eles. Assim, aprendiam a evitar os pensamentos negativos, a confiar no universo, a manter-se em paz e harmonia. Até que os mestres determinavam que era hora de comprovar o aprendido durante meses. Realizava-se então uma cerimônia individual em um salão descoberto no terraço do templo, frente a um retângulo de água escura no chão. Ao começar o dia, após o banho de purificação, o discípulo e seu mestre subiam pela a escada reta até o terraço, chegando ao salão das cerimônias descoberto, frente ao retângulo de água no chão.

 

patio_aberto_ruinas

portas_externas_do_templo_c

sobek_horus

sobek_horus_2

sobek_crocodilo

 

Seu treinamento o havia preparado para ser cuidadoso e consciente em todas as situações desconhecidas, condição necessária para mergulhar no labirinto do canal cheio de água e encontrar uma saída sem que se afogasse. Chegava a hora de demonstrar o compromisso temerário de escapar ou morrer. A duvida já não existia. Retroceder seria precipitar-se no abismo e abandonar o caminho do sacerdócio. Com uma tomada de ar, o símbolo do espírito e da consciência, mergulhava numa espécie de túnel vertical com reentrâncias, como num labirinto que afunilava uma passagem. Nadava com decisão até o fundo, atravessando a abertura em direção ao resplendor da luz. Via-se então num tanque estreito, onde se avistava a silueta recortada de um enorme crocodilo contra a luz o sol.

Podemos imaginar o medo que pode ser produzido, e o controle que se tem que ter sobre a mente para se manter calmo e examinar em volta. Só assim poderia ver que no fundo do tanque havia uma porta muito escura. Convencido de que era mais prudente evitar os crocodilos, mergulharia com força no estreito túnel. Muitas braçadas e enquanto o tempo parecia eterno, chegaria a um tubo vertical onde lá encima também brilhava o sol. Já mais tranqüilo chegava a superfície, tendo passado na prova com sucesso. Alguns, porém, em razão do pânico ou em um estado de total irracionalidade, emergiam rapidamente ao lado do crocodilo, que era mantido bastante alimentado para não atacar, e eram informados de que haviam falhado na prova, que a saída não se encontrava passando ao lado do animal. Deveriam submeter-se há mais tempo de meditação e treinamento, a exercícios respiratórios, para voltar a enfrentar a cerimônia sabendo desta vez que do outro lado haveria um crocodilo esperando.

 

salao_comum_sala_da_vida

sobek_e_seth

templo_simetricamente_dividido

oferendas_do_povo

maat

 

Após os santuários com o tanque central de prova, sobre um segundo corredor perimetral se encontram seis capelas, três de cada lado de um espaço central, com a escada que conduzia ao terraço do templo. Em seus muros existem belíssimas figuras das divindades e do faraó, que sempre representa toda a humanidade. Neste corredor perimetral se encontra a famosa cena onde o imperador Trajano se ajoelha ante Imothep, o arquiteto de Saqquara, que lhe apresenta uma serie de instrumentos cirúrgicos; fórceps, pinças cirúrgicas e tabelas farmacêuticas. Os doentes vinham até aqui em busca de ajuda e tratamento para os seus males. Muitas das figuras talhadas apresentam uma amostra da sua crença, pois o roçar de milhares de mãos sobre as formas sagradas desgastaram a pedra.

Neste muro também se encontra uma porta simbólica que existe na mente de todo ser humano. Ela se comunica de um ponto central, neutro na dualidade, com as dimensões superiores. O mesmo caminho que o iniciado utilizou entre os dois santuários para avançar ao nível seguinte de seu treinamento. Do lado esquerdo encontra-se Sobek, com uma lança que termina com a figura de um leão, o mais perfeito dos animais, e a direita Horus, com uma faca com pernas humanas, símbolo do caminho de sofrimento e autocontrole de qualquer ser humano para chegar a condição de mestre ascendido.

Entre os dois, um cântico de louvor, coroado por Maat, símbolo da ordem e do equilíbrio entre as duas forças opostas; o materialismo sensual de Sobek, e a espiritualidade consciente de Horus. Maat, a ordem, sustenta o céu, e em sua volta se encontram as imagens repetidas sobre si mesmas, as quais simbolizam o movimento dos quatro ventos; o leão, o falcão, o touro e a serpente de muitas cabeças, as forças do destino a que todos os homens estão submissos. Curiosamente, esses mesmos símbolos foram usados posteriormente pelos cristãos, para representar os quatro evangelistas. O desenho simbólico deste templo, dividido simetricamente entre a luz e a escuridão, onde os iniciados demonstravam o seu controle sob seu medo da morte, ao atravessar por um ponto central, neutro, em meio a polaridade, deixa muitos ensinamentos. Mostra-nos que a realidade é um produto de nossos pensamentos, que o controle consciente dos instintos automáticos e a permanência no presente, são a porta de entrada para os níveis de maior harmonia, paz e felicidade.

Fonte: Documentário, em vídeo, "O Olho de Horus" - INFINITO (Ano de 2000). Compilação e adaptação do texto e imagens, Renato , gestor de conteúdo do Portal O Arquivo. Colaboração Walmor Lange Jr